Reze para não ter pedra no rim, torça para ter caspa na unha



Todo mundo deveria ter um médico e um advogado na família. Um dia todos os seres humanos
vão precisar de um e de outro. Minha teoria é que temos que ter dois filhos. Um tem que ser médico e o outro advogado, sem negociação.
Neste fim de semana vivi uma aventura surreal. Minha filha teve uma cólica causada por várias pedras no rim. Sem saber ainda o que estava acontecendo com ela, que se contorcia de dor, suava gelado, não abrir as mãos e nem mexia as pernas, corri mais que o Airton Senna em Monza, para chegar ao Pronto-Socorro.
O próprio segurança sacou que o estado dela não era dos melhores e precisava de pronto atendimento. Ele mesmo avisou a "mocinha" do cadastro para passar na frente, o caso era urgente.
A "mocinha" que segue todos os protocolos, não tem discernimento algum e nem se esforça para ter, não atendeu ao pedido do segurança. Após atender outras duas pessoas, ela resolveu começar o processo. Expliquei que eu assinaria tudo que ela precisasse depois que minha filha fosse atendida. Ela nem ouviu, começou a preencher o cadastro a passo de lesma e a perguntar, meu nome completo, o nome da minha filha, endereço, telefone, profissão, estado civil...quando dei o primeiro beijo!
Que diferença faz se eu sou jornalista, costureira, maníaca, esquartejadora profissional? E quanto ao estado civil - casada, divorciada, solteira feliz, solteira infeliz, a procura de um amante, tico tico no fubá, ficante? Pelo amor de Deus, minha filha está mal!
Depois de preencher tudo de forma lenta e irritante, ela me diz - Não é aqui. Sua filha tem 14 anos, é no Pronto Socorro Infantil! Sai correndo empurrando a cadeira de rodas e por muito pouco minha pequena não fraturou as duas pernas.
Após alguns minutos que pareciam horas, cheguei ao cadastro do PS Infantil. Começou novamente o dilema. Por sorte, a enfermeira da triagem, uma profissional com mais experiência e boa vontade, percebeu que o atendimento deveria ser feito naquele exato momento.
Pronto! A novela acabou. Que nada, nem tinha começado.
Ela foi atendida por um médico que imediatamente mandou que fosse aplicado um coquetel de medicamentos para passar a dor e a ânsia de vômito. Eu já tinha uma ideia do que estava acontecendo. Vi este filme várias vezes. Todos os sintomas de pedra no rim querendo sair enlouquecidamente da bexiga, uretra, ureter! É similar a saída do povo de um clássico São Paulo X Santos no Morumbi dentro do abdomen.
Como o exame de sangue não deu nada, ela ficou em observação. Mesmo não sendo da área de saúde, mas com o mínimo de noção, expliquei para o "doutor" que a família inteira tinha cálculos renais. Meu pai, eu, meu filho! Aliás, deveria ser obrigatório por lei que os filhos herdassem apenas imóveis, dinheiro, olhos azuis. Como é impossível ficar muda e de braços cruzados, arrisquei a palpitar - Não seria interessante fazer um ultrassom? Ele disse que ia pensar. Seis horas depois, ele pensou (e não era loiro o infeliz) e resolveu fazer. Bingo! Uma pedra no rim esquerdo, múltiplas no rim direito e uma no uréter. Confirmou-se o que eu, uma reles jornalista, já sabia.
A novela começou a bombar a partir deste momento. Solicitaram a internação, ela precisava de uma cirurgia. O convênio começou a embaçar. Perdi a conta de quantas vezes ligamos para o SAC, não posso escrever a sigla correta do que eu penso do SAC, que me avisou que estavam sem sistema e que nada poderiam fazer!
22 horas sem o menor retorno, ela ocupando um leito no PS que poderia ter sido usado por outras crianças e sem comer devido à anestesia geral que iria tomar sabe-se lá quando. Eu parecia uma barata tonta, indo da internação para o PS e no meio do caminho ligando para o convênio. Como tudo tem o lado bom menos o LP do Wando, agradeci a Deus por ser uma pedra no rim. Se fosse infarte ou AVC, ela teria embarcado para a cidade eterna, neste caso não era Roma.
Após o suplício interminável, quase 23 horas depois, fomos para um quarto. Ela entrou em cirurgia e agora está tudo bem. Eu me perguntei durante todas aquelas horas da noite, madrugada e manhã no PS, me entupindo de café, se isso aconteceria se eu tivesse um médico na família. Há um código de ética na área médica em que colegas atendem e fazem de tudo para colaborar numa situação similar.
Ética! Nunca vi tanta falta de ética como neste episódio.
Nós simples mortais desembolsamos uma grana preta para pagar um convênio particular decente. Aquele tipo de investimento que nunca queremos usar, mas que se for preciso não dá para não ter.
O que move estes convênios e hospitais é só o dinheiro? Neste caso, fora a falta de respeito ao cliente/paciente/consumidor, há a total falta de noção de gestão. Todo mundo perdeu. O convênio que relutou por 22 horas, vai ter que pagar ao hospital. O hospital ocupou um leito por 22 horas sem necessidade e deixou de atender várias crianças doentes. E minha filha ficou uma enternidade com dor e desconforto, sendo que este caso poderia ter sido resolvido em poucas horas.
E eu ainda tenho que me sentir grata. Se dependesse da saúde pública, certamente a novela teria se transformado em um filme de terror!
Por mais incoerente que possa parecer, o Brasil é superbem cotado no exterior neste quesito, temos os melhores médicos do mundo e hospitais de excelência internacional. Há muitos estrangeiros que desembarcam em terras tupiniquins para resolver os casos mais escabrosos. Disponível somente para quem tem muito din din!
A solução não é pagar convênio nem seguro saúde. O lance agora é rezar muito para não ficar doente e de preferência que não seja pedra no rim, porque segundo o hospital e o convênio este procedimento tem um custo muito alto, logo a aprovação é demorada.
Na próxima vez, que eu espero que não ocorra, vou torcer para ter caspa na unha.

Marot Gandolfi
Autor: Marot Gandolfi


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