Literatura Infantil, uma arte que nasce adulta e busca eternizar-se criança



Autarquia Belemita de Cultura, Desportos e Educação ? ABCDE
Centro de ensino Superior do Vale do São Francisco ? CESVASF
Curso de Pós-Graduação em Língua Portuguesa e Literatura
Disciplina: Literatura Infantil
Professor: MS Raul Ferreira









Literatura Infantil, uma arte que nasce adulta e busca eternizar-se criança



Por: Ana Patrícia Rodrigues Nogueira



















Belém do São Francisco, abril de 2010





Literatura Infantil, uma arte que nasce adulta e busca eternizar-se criança


Este trabalho é resultado de estudos que se fundamentam em conhecimentos teóricos acerca da origem e expansão da Literatura Infantil. Através do mesmo, podemos conhecer fatos relevantes na história do conceito de família, da noção de infância, da criação da escola e do surgimento da literatura infantil, tendo suas raízes na formação da sociedade burguesa. O principal objetivo do artigo é promover situações reflexivas acerca da função da Literatura Infantil quanto arte. Para tanto serão apresentados relatos acerca de adaptações de obras antigas bem como análises de obra dos tempos remotos e obra contemporânea, estabelecendo um paralelo entre as mesmas.


Palavras-chave: Literatura ? Pedagogia ? Infância - Liberdade

Entre os séculos XVII e XVIII a sociedade burguesa que já havia construído grande poder econômico, apóia a revolução americana e a revolução francesa, destruindo assim as leis e os privilégios da ordem feudal. Dessa forma os conceitos tais como liberdades pessoais, direitos religiosos e civis, e livre comércio, derivam-se das filosofias burguesas. Com a expansão do comércio e da economia de mercado, o poder e a influência da burguesia cresceu. É consequência dessa autonomia; a origem da família que passa a ser formada baseando-se em interesses afetivos. É nesse contexto social que as pessoas passam a se organizar de maneira a estabelecer uma noção de diferença, quanto ao gênero e a faixa etária dos indivíduos. Diante dessa realidade, percebe-se uma necessidade de tratamento especial para com as crianças, que até então não eram reconhecidas como um ser criança, mas como um adulto em miniatura. A partir daí cria-se a noção de infãncia e esse ser infantil precisa de formação.
A sociedade burguesa contribue na construção de instituições escolares, possibilitando o acesso a educação às crianças, privilégio este, que fazia parte da vida de poucos, mais precisamente dos religiosos. Até então, as pessoas faziam parte de um cículo de convivência no qual posicionavam-se num mesmo teor de igualdade; adultos e crianças participavam da mesmas condições de trabalho e das mesmas rodas de conversa. Dessa forma as mesmas histórias eram compartilhadas por crianças e adultos, visto que era costume dos antigos realizar momentos de descontração, por meio da transmissão das histárias populares. Vale ressaltar o fato de que tais histórias eram de carater extremamente violento, suas mensagens transmitiam a enorme capacidade do homem no que se trata de executar atos crueis para com o seu próximo. A figura das mães, em muitos contos, era mostrada como um ser má e infeliz que fazia parte de um espaço corrompido pela miséria e a pobreza e, isso vinha a justificar, talvez, a existência de sua maldade e a falta de escrúpulos. Segundo estudiosos do assunto, as versões originais dos contos que conhecemos, hoje, mostram visívelmente as ações de crueldade das mães em relação aos filhos.
Considerando a realidade na qual surgiu a escola, é natural que percebamos a existente precariedade, quanto ao material disponível para seu público alvo, as crianças. Essas informações tornam pertinente o consenso de que a Literatura Infantil nasceu num universo inteiramente adulto. Até então, não há sinais da existência de materiais dirigidos às crianças. A escritora Denise Escarpit aponta em seus estudos, os primeiros livros que teriam sido destinados às crianças, apontando assim como exemplo o trabalho Orbis Sensualium Pictus (1658), de Comenius, obra escrita com a intenção de ensinar Latim, através de gravuras. O que seria hoje, o nosso livro didático. Na gênese da Literatura Infantil, o que predomina são os trabalhos de origem folclórica, tais como as advinhas, trava-língua, contos, fábulas. Esse material começa a ser considerado como produto literário, uma vez que passa da oralidade para a linguagem escrita. Por conseguinte podemos concluir que até o século XVII, ninguém havia pensado em Literatura Infantil.
"Desde os primódios, a literatura infantil surege uma forma literária menor, atrelada à função utilitário-pedagógica que a faz ser mais pedagógica do que literatura."(Literatura Infantil voz de criança, pág. 09). Situações de confusão quanto a sua verdadeira função na vida das crianças, tornaram-se duradouras. Se levarmos em conta a literatura na sua essência, percebemos que, pertencendo ao campo das artes, ela não tem a pretensão de impor ou moralizar aos seus leitores, não obstante sua existência é motivada pela força e criatividade de ampliar os horizontes dos indivíduos, promovendo-lhes um universo imaginado, onde pode acontecer exatamente aquilo que gostariamos que houvesse no mundo real e no entanto só na Literatura é possível. Na verdade a literatura apresentada às crianças tinha antes de tudo, fortes ideologias que visavam os ensinamentos á base de textos amedrontadores que infundiam na mente das crianças sentimentos de medo que impussionvam à uma obediência cega aos pais e a ás crenças religiosas. Eram textos abastecidos de valores doutrinários que objetivavam multiplicar a propagação das idéias criadas por a sociedade burguesa. Ideologias estas que fundamentavam-se na preservação da divisão dos grupos sociais. Por exemplo, a mulher havia sido destinada a enquadrar-se num perfil estável que a mantinha sujeita unicamente aos trabalhos domésticos e aos cuidados para com o esposo e os filhos, numa rotina de submissão e sacrifícios. É uma literatura adulta, criada por adultos e destinada às crianças. Dessa forma sustenta-se a manutenção das relações de poder entre a criança e o adulto, resultando numa marginalização da infância. É notável, ainda hoje, trabalhos com caracteísticas literárias, mas que tende à exercer um papel pedagógico e doutrinário, ou simplesmente traz uma informação acerca de determinado assunto. Deixando muito a desejar, quanto ao que se espera de um trabalho literário. No livro Literatura Infantil voz de Criança, suas autoras falam acerca disso, apontando o seguinte ponto de vista: "... estão os produtos com menor grau de invenção e de liberdade criativa; perdem em poeticidade o que ganham em imediatismo e praticidade". (Literatura Infantil voz de criança, pág. 10).
A história da Literatura Infantil é composta por grandes nomes que no decorrer do tempo contribuíram para com a busca da conquista de sua essência num universo inteiramente infantil. É nesta perspectiva que os contos dos escritores alemães, os Irmãos Grimm fizeram parte do material selecionado para as crianças, só depois de sua segunda versão, visto que a sua primeira era carregada de cenas consideradas pesadas. A cada versão que surge desses contos, percebe-se uma notável tentativa de adequação dessas velhas histórias à realidade do mundo infantil. É bem pertinente observarmos que as mudanças feitas nas histórias antigas, ainda não são o suficiente para as considermos como obras puramente artísticas, pois elas continuam mantendo a idéia de conformidade e repressão aos leitores mirins, reforçando ainda, a transmissão de valores. Todavia há versões conteporânes que fazem a tentativa de apresentar novos valores. No conto da Branca de Neve dos Ir. Grimm encontramos tais valores permultados entre as personagens do próprio conto, estratégia esta utilizada como meio de adequar as histórias à realidade das crianças. Em Branca de Neve, o mau carater que era configurado à imagem das mães, foi transferindo para a segunda esposa do pai, ao mesmo tempo que se constrói uma imagem completamente negativa do ser madrasta, que é fortemente alimentada, até hoje: "Passado um ano, o rei se casou novamente. Sua esposa era lindíssima, mas muito vaidosa, invejosa e cruel". (conto da Branca de Neve dos Ir. Grimm). Outros valores transmitidos nas novas versões, estão ligados ao interesse de preservar a pureza e a inocência dos heróis dos contos que lemos. Muitos personagens, conhecidos por nós, pertencentes ao grupo dos clássicos infantis, nasceram sob o jugo de uma terrível mentalidade, naqual sua ídole tendia a atos maus que comprometiam, talvez sua aceitação diante do público infantil. As novas versões dessas obras trataram de amenisar e aprimorar o carater de alguns desses heróis, como a Branca de Neve que foi a executadora do fim de sua madrasta, obrigando-a a usar sapatos de ferro abrasados, nas versões originais. Imagem essa de um ser perigoso e estratégico. A sociedade vendo que não seria bom transmitir tal cultura para as crianças, foram reecrevendo de modo que suavisaram a conduta e a imagem da Branca de Neve, notemos isso na fala do guarda encarregado de pôr fim à vida da princesa: "Mas quando chegou à mata, não teve coragem de enfiar a faca naquela lindíssima jovem inocente que, afinal, nunca fizera mal a ninguém".(Conto da Branca de Neve). O carater de conformidade é bastante presente no conto em análise, quando encontramos a presença paterna ou conjugal na voz do anão mais velho: "Você poderia cuidar da casa, enquanto nós estamos na mina, trabalhando." ( Conto da Branca de Neve). Então as crianças iam crescendo dentro de uma perspectiva de expansão de sua cultura. As meninas aprendiam na escola, através dos contos, que sua realização pessoal estava unicamente sujeita à concretização do casamento e nos serviços da casa, seguindo uma ordem patriarcal. Isso se confirma ao final do conto com a celebração do enlance matrimonial da Branca de Neve com o príncipe. O conto encerra com o casamento, como se não houvesse mais nada a fazer, cessam-se os sonhos da mulher. Enquanto os meninos aprendiam, logo cedo, que precisavam crescer construíndo sua postura autoritária e determinante, baseada na construção dos bens materiais, nas grandes fortunas, a esposa, também fazia parte desta conquista material, pois assim era vista: "Bastou ver o corpo de Branca de Neve para se apaixonar, apesar de a donzela estar morta. Pediu permissão aos anões para levar consigo o caixão de cristal". (Conto da Branca de Neve). Neste trecho, a jovem é adquirida como um objeto de capricho por a figura masculina.
Apesar desses elementos adultos e desapropriado para as crianças, inúmeras histórias que fizeram e fazem parte da infãncia das crianças são, desde sua origem, criadas com a marcante presença do fantástico.

"O escritor francês, Charles Perrault criou as bases de um novo gênero que teve grande repercussão na história do mundo infantil. Seus contos de fadas mostram um mundo fantástico repleto de fadas, duendes, elfos, ogros e outros malvados que convivem com heróis e heroínas plenos de virtudes. Personagens que ao triunfar são capazes de perdoar. São estes textos que vão inaugurando o surgimento da Literatura Infanti. Fazendo, até hoje, crianças e adultos viajarem pelo reino da fantasia". (Livro: Contos e Fábulas, Mário Laranjeira).
No Brasil, o grande nome da Literatura Infantil chama-se Monteiro Lobato, foi ele quem introduziu esta arte em nosso país de forma criativa e inteligente. José Bento Monteiro Lobato nasceu no interior de São Paulo, formou-se no curso de Direito, mas optou por trabalhar no campo da Literatura, dando grandes contribuições aos trabalhos infantis, tornando-se o inventor da própria literatura infanto-juvenil brasileira. Monteiro Lobato tinha um jeito todo especial de fazer literatura. Suas histórias foram inventadas no começo do século XX, numa época em os pais, ainda mantinham fortemente a ordem patriarcal. Somente os pais podiam falar, deixando os filhos com o direito apenas de ouvir, silenciar e obedecer; seus pensamentos eram suprimidos e suas opiniões secretizadas, alimentando a ordem e a comunhão dos costumes e regras do sistema burguês. Criança jamais poderia questionar os adultos, monteiro Lobato torana-se crucial neste ponto, sua obra marco, O Sítio do Picapau Amarelo rompe essa estrutura social, pois vai além do seu tempo, cria um novo panorama, onde as crianças passam a ter voz e vez. No Sítio, todods podem falar, os netos da Dona Benta são sempre ouvidos com respeito e atenção, convivendo numa harmonia desejada por toda criança, sem repressão ou exclusão. A obra Memórias de Emília, do escritor em foco, é um livro que muito ilustra esta figura do ser infantil, bordada por Monteiro Lobato. Nela é explícita a presença marcante da liberdade, curiosidade e inteligência das crianças, em suas aventuras encontram deuses, a Alice do país das Maravilhas, Peter Pan, o Marinheiro Popeye, Capitão Gancho, e demais figuras importantes.
Além de Monteiro Lobato, outros estudiosos do assunto têm preocupado-se com o material a ser oferecido ao seu público de forma a optarem por uma nova linguagem, novos valores ou até mesmo discorrer sobre temas e valores comuns, mas que tragam novos recursos, oportunizando às crianças, espaços para crescerem, desenvolverem e progredirem junto aos personagens dos gêneros lidos. A escritora Nelly Novais Coelho em seu livro Literatura Infantil, aborda acerca de algumas características mais frequente na maioria das produções literárias hoje. " Há, hoje, uma visível tendência para a retomada de temas ou recursos antigos para difundí-los como novos processos".( Literatura infantil, pág. 151). A autora faz uma relação de características que contribuem bastante para com os nossos trabalhos e estudos acerca do assunto. Primeiro ela discorre sobre "A EFABULAÇÃO que tende a iniciar de imediato com o motivo principal ou com circunstâncias que levam diretamente à situação problemática. Mas do que a história a ser contada , preocupa o autor com a maneira pela qual ele pode apresentá-la ao leitor". Em Memórias de Emília, há essa procupação, pois o autor seleciona cuidadosamente as palavras e expressõaes a serem empregadas, os períodos, em geral são curtos, linguagem simples e inteligente. A Nelly Coelho acrescenta mais características em seu livro Literatura Infantil, é "AS PERSONAGENS ? TIPOS que reaparecem ( reis, rainha, princesas, príncipes, fadas, bruxas, profissionais de várias áreas, funcionários...), mas geralmente através de uma prespectiva satírica e crítica". Em Memórias de Emília, os heróis Popeye e o Capitão Gancho são desvirtuados, postos ao ridículo:

" Quem teve a honra de pregar o grande murro nos queixos, o murro que derruba nocaute, foi Pedrinho. Assentou um murro debaixo para cima-baf! Popeye deu duas voltas no ar e aplastou-se no chão, sem sentidos". ( Memórias da Emília, pag. 61)." Popeye derrotou os marinheiros do Wonderland, venceu o Capitão Gancho, mas com os meus netos ele se estrepou. São uns danadinhos..." ( Livro Memorias da Emília, pág. 61).
Nelly Coelho continua suas reflexões sobre as personagens-tipo, acrescentando que:


" O espírito individualista cede lugar ao espírito comunitário. Na literatura atual, a personagem-coletiva (a patota, o grupinho, o bando, os membros de um clubinho...) disputa espaço com o horói (ou nati-herói) individualista. Inclusive a solução para os problemas que precisam ser enfrentados no decorrer da efabulação não são dadas, em geral, por uma só personagem, mas resultam da colaboração de todas".

De fato isso se dá na obra em análise, todos se comprometem com a harmonia e o sussego do sítio da Dona Benta: " ? Pois nós somos nós, eu, Pedrinho e Peter Pan. Vamos dar cabo da prosa do Popeye, nós três". ( Memórias da Emília, pág. 57). Outra característica citada por Nelly Coelho é o conto que tornou-se a forma narrativa predominante. Embora ela afirme também que: " Mas para a faixa infanto-juvenil (leitor fluente) e para juvenil (leitor crítico), multiplicam-se as formas de romance ...". (Literatura Infantil, pág. 155). Monteiro Lobato promove essa variedade dos gêneros para que as crianças tenham acesso à riqueza do universo da escrita, ele escreve até o gênero memória, genêro este tão pouco comum ao mundo das crianças, mas o escritor brasileiro não nega esta possibilidadea aos seres mirins. E ainda discorre acerca da importância de recordar fatos da vida de sorte que venhamos a conhecer a história da humanidade. Nas Memórias da Emília, Monteiro Lobato antecipa os costumes do mundo moderno de prestar depoimentos aos jornalistas e escritores, utilizando a personagem do Visconde de Sabugosa que se destaca por tomar nota de todos os acontecimentos publicados por a Emília. Outro detalhe interessante no livro em estudo, é a forma como Monteiro Lobato apresenta às crianças as irrealidades sobre a história dos homens contadas, em suas memórias: "..., e sei também que é nas memórias que os homens mentem mais. Quem escreve memórias arruma as coisas de um jeito que o leitor fique fazendo uma alta idéia do escrevedor".( memórias da Emília, pág. 12). A autora do livro Literatura Infantil, acrescenta em seu discrso, sobre as características mais elemento presentes nas obras contemporâneas :

"O ATO DE CONTAR faz-se cada vez mais presente e consciente no corpo da narrativa. Em função da crescente valorização que a nossa época dá à linguagem como fator essencial na formação da criança e dos jovens, a literatura contemporânea tem supervalorizado o ato de narrar - como o ato de criar através da palavra... Daí a utilização cada vez maior da metalinguagem, com histórias que falam de sí mesmas e do seu fazer-se. Esse novo aspecto da literatura infantil/juvenil visa levar os leitores a descobrirem que a invenção literária é um processo de construção verbal, inteiramente dependente da decisão do escritor". ( literatura Infantil, pág. 153).

No livro Memórias da Emília, o autor trabalha dentro dessa perspectiva, a medida que nos leva a refletir sobre a linguagem ultilizando a própria linguagem. É um texto rico em metalinguagem. Logo no início de sua narrativa, há um conflito bastante dinâmico que nos convoca a pensar acerca dos mistérios e efeitos que as palavras causam, quando são escolhidas pensadamente e estabelecem boa relação com as demais . A boneca não quer escrever qualquer palavra, mas deseja cativar seu leitor por meio do bom emprego dos vocábulos e expressões. Ela diz: "- É que o começo é difícil, Visconde. Há tantos caminhos que não sei qual escolher. Posso começar de mil modos". ( Memórias da Emília, pág. 15). Sua linguagem é sugestiva, estabelece laços comunicativos com os leitores, deixando livre acesso à eles para pensarem também na melhor forma de introduzir uma narrativa. Os leitore de Monteiro Lobato deixam de ser passivos e passam a ocupar o lugar de participantes da história. Quando a Emília pede ao Visconde, seu editor que inicie o primeiro capítulo, empregando pontos de interrogação, ela oferece ao seu leitor situações reflexivas ao mesmo tempo que permite que este sugira..., mas a decisão final fica por conta do escritor, como afirma a teórica Nelly Coelho, na citação acima. Depois dos seis pontos interrogativos solicitados por a boneca, o Visconde é impelido à pôr um ponto final para assim determinar que as sugestõs do leitor precisam ter limites... é chegada a hora da dona das memórias continuar sua escrita. "Eu ia dizer que escrevesse um ponto final depois dos seis de interrogação". ( Memórias da Emília, pág. 14). Há várias passagens do livro em que o autor nos permite falar da lingua por meio da mesma: " ? Ué! ? exclamou a Preta. ? A inglesinha então fala nossa própria língua?" ? "Alice já foi traduzida em português ? explicou Emília". ( Memórias da Emília pág. 58). A Emília destaca-se também por seu modo de filosofar e, é filosofando que a boneca expressa sua incrível sabedoria: "Todo o mal vem da língua ? afirma a boneca. ? E para piorar a situação existem mil línguas diferentes, cada povo achando que a sua é a boa, a bonita". (memórias da Emília, pág. 22). Em seu diálogo com o anjinho, a Boneca continua dizendo que: "Eu penso que todas as calamidades do mundo vêm da língua. Se os homens não falassem, tudo correria muito bem, como entre os animais que não falam". (Memórias da Emília, pág. 20). O livro Literatura infantil apresenta, ainda como fator característico das novas obras literárias:

"O NACIONALISMO, patente na produção anterior, apresenta um novo sentido. Mais do que entusiasmo pelo país ou exaltação pelos valores da terra, o que agora dinamiza a matéria literária é a profunda consciência nativista: é a busca das raízes ou das origens, leva a consciência nativista a ultrapassar as fronteiras nacionais e a se identificar não só com o continente sul-americano, mas também com os húmus africano, para incorporar o lastro das duas culturas primitivas, indígena/africana, que se confundiram com a européia para dar início a uma nova maneira ? de ? ser - no ? mundo: a brasileira". ( Literatura Infantil, pág. 154).

Monteiro Lobato cria personagem de origem africana, a Tia Nastácia, uma boa senhora que cuida do bem estar de todos, mas com direito à expressá-se e conviver com os netos da dona Benta, numa relação harmoniosa de afeto e respeito.
O nacionalismo se faz presente em Monteiro Lobato, ao descrever as riquezas naturais existentes no sítio da Dona Benta. A descrição feita por Narizinho ilustra um paraíso: "Não há lugar no munda que valha o sítio de vovó. Quem vê pela primeira vez, com estas árvores velhas, todo espandongado, não dá nada por ele. Mas depois que o conhece não troca nem pela a Califórnia, que é um paraíso". ( Memórias de Emília, pág. 38).

A Nelly Coelho fala ainda a respeito da Exemplaridade, como característica usada nas novas produções literárias: "A EXEMPLARiIDADE desaparece como intenção pedagógica da literatura. O que não impede, porém, que em toda essa nova literatura exista, de maneira latente ou patente, uma significativa lição de vida". No livro Memórias da Emília, as principais personagens não estão em conformidade com os padrões sociais, pois não seres nos quais podemos nos espelhar, não há humanidade em ambos, são seres inventaodos, um é o Visconde de Sabucosa e o outro é uma boneca de pano feita por a Tia Nastácia. No entanto não faltam situações favoráveis para nos acrescentar lições de vida. Nelly comenta, ainda acerca da exemplaridade, dizendo que:

"Quanto ao comportamento ético, começa a prevalecer a complexidade das forças interiores ( positiva e negativa) sobre a dualidade maniqueísta que sempre caracterizou o comportamento das personagens tradicionais. A intenção maior é dotar as personagens de ficção da ambiguidade natural dos homens e, através dela, revelar as forças polares ou contraditórias, inerentes à condição humana". ( Literatura Infantil, pág. 154)

Considerando o tempo em que Monteiro Lobato escreveu o livro Memórias da Emília, século XX, é pertinente observarmos a sua escolha, quando se trata de inventar a Boneca Emília. Ela é um ser incríve; dotada de inúmeras habilidades, questionadora, sagaz, trapasseira, curiosa, oportunista (em algumas situações). Sua forma de tratar de assuntos sérios demonstra uma certa maturidade que rompe a ingenuidade, antes atribuída às crianças. Mas é viável questionarmos; por que o Monteiro Lobato não lhe favoreceu a vida humana? Tal interrogação é importante, em primeiro lugar, devido a surpreendente presença do fantástico que reaparece no meio infantil e, em segundo lugar, torna-se possível a hipótese de que sendo Emília uma garota, talvez não pudesse ser aceita pela sociedade, uma vez que contrariaria de forma extrema os princípios sociais. Monteiro Lobato se apropria de uma boneca para denunciar as hipocrisias da sociedade e o mais interessante é que ele não omite às crianças tal realidade. Sendo apenas uma boneca, Emília pode falar o que pensa, viajar por os mais diversos lugares, superando os desafios e as distâncias geográficas. Ela pode ser usada também como objeto de estudo e análise das conquistas da figura feminina, visto que representa a evolução da mulher. No momento em que narra o seu nascimento: " Eu nasci duma saia velha de tia Natácia. E nasci vazia". (Memórias da Emília, pág. 15)."Nasci, fui enchida de macela que todos entendem
E fiquei no mundo feito boba, de olhos parados, como qualquer boneca". Esta passagem nos lembra da postura da mulher, imposta pela sociedade burguesa, mas há uma novidade, ela conseguiu libertá-se de sua condição anterior. Pois há um depoimento que declara a sua autonomia que surge por meio da Tia Nastácia, quando esta lhe dá os olhos: "Meus olhos Tia Natácia os fez de linha preta". Podemos pensar na pessoa da Tia Nastácia como a própria literatura, visto que a mesma possibilita o enxergar como um ato libertador... Há ainda outra afirmação que nos faz pensar acerca dos sentimentos da amulher dos contos antigos: "E feia. Dizem que fui feia que nem bruxa". A palavra bruxa neste contexto, pode implicar a maldade, sentimento que estava atrelado ao coração das mães de outrora. Então o escritor brsasileiro trans forma uma simples boneca numa forte voz que ecoará os mais seguros sussuros de imponência e conquista, antecipando a mulher que ainda está dando seus primeiros passos. O autor, talvez não a tenha feito menina devido ao seu imensurável grau de complexidade, podendo ser recusado por a sociedade de seu tempo, pois a Boneca faz sérias denúncias: "Meus pés eram abertos para fora, como pés de caxeirinho de venda. Sabe Visconde porque eles têm os pés abertos para fora ? ... É o hábito de ficarem desde muito crianças, grudados no balcão vendendo coisas". ( Memórias de Emília, pág. 15). Há uma relação bem coerente entre as observações de Nelly Novaes e a obra analisada. Emília revela um comportamento ambíguo própria do ser humano, sua personalidade osxila entre o positivo e o negativo. O tratamento da boneca para com a Tia Nastácia é inconstante, nos permite comprovar tais aspectos da conduta humana personificada na Boneca Emília: " Burrona! Negra beiçuda! Deus que te marcou, alguma coisa em ti achou. Quando ele preteja uma criatura é por castigo". ( Memórias de Emília, pág. 69). Tamanha rebeldia, racismo, desrespeito e mal criações são substituídos por arrependemento e afeto durante o processo narrativo:

"Eu vivo brigando com ela e tenho lhe dito muitos desaforos ? mas não é de coração. Lá por dentro gosto ainda mais dela do que dos seus afamados bolinhos. Só não compreendo por que Deus faz uma criatura tão boa e prestimosa nascer preta como carvão. É verdade que as jabuticabas, as amoras, os maracujás também são pretos. Isso me leva a crer que a tal cor preta é uma coisa que só desmerece as pessoas aqui neste mundo. Lá em cima não há essas diferenças de cor". (memórias da Emília, pág. 90-91).

Nelly Novaes Coelho discorre ainda sobre a questão da exemplaridade, ressaltando que:

Embora em algumas obras a lição de vida desemboque em um horizonte "fechado" e enfatize as forças negativas ou o fracasso do viver, a grande maioria delas aponta para a esperança, para o entusiasmo e a importância de se participar dinamicamente da vida. Mais do dar exemplos ou conselhos, a literatura inovadora propõe problemas a serem resolvidos, tende a estimular, nas crianças e nos jovens, a capacidade de compreensão dos fenômenos; a provocar idéias novas ou atitude receptiva em relação às inovações que a vida cotidiana lhe propõe( ou proporá) e também capacitá-los para optar com inteligência nos momentos de agir". ( Literatura Infantil, pág. 155)

Monteiro Lobato mais uma vez mantém a unidade com a Nelly Novaes: "Como pode haver jeitinhos contra os colosso que acaba de destroçar os melhores homens do Wonderland?" Dona Benta ria-se, ria-se. - Tome seu café sossegado, Almirante, e deixe tudo por conta da criançada. O senhor não conhece os meus netos..." (Memórias da Emília, pág. 60)
"O Almirante chamou Emília para receber os seus cumprimentos . ? Tudo dependeu da sua idéia, Senhora Marquesa ? disse ele." (memórias da Emília, pág.62). monteiro Lobato como amante crente no poder científico alerta o seus leitores sobre sua importância para a sociedade, como resolução para muitos problemas físicos da humanidade : "Fiquei falante com uma pílula que o célebre Doutor Caramujo me deu".

As duas obras analisadas são compostas por uma sequência de valores e interesses distintos, enquanto o conto da Branca de Neve objetiva oferecer doutrinas e modelos de comportamentos através da vivência e conformidade das personagens que são apresentadas. As Memórias da Emília tráz uma forma nova de atuar na sociedade, conferida aos leitores por meio de atitudes e ações expostas por as persoanagens, ou seja um novo olhar de criticidade e realismo. Percebe-se, talvez uma inversão de valores provocada por monteiro Lobato. Ele se apropria de um personagem sem vida humana, o Visconde de Sabugosa para representar o homem com características frágeis e conformada, pois ele está sempre submisso aos comandos e ordens de Emília. Enquanto isso, Emília é aquela que decide seu destino não espera mais que as conveniências sociais desenhem seu futuro e façam suas escolhas, representando as conquistas e avanços da mulher moderna. Ela é marcante, representando os encantos e os prazeres mais simples que habitam no coração das crianças: "O maior prazer deEmília era abrir dois furos na tampa duma lata de leite condensado para escorrer o fio num prato, desenhando letras". Este trecho mostra o contrastre existente entre ambas as obras. Monteiro Lobato publica com naturalidade os desejos infantis, já os Ir. Grimm teme que tais atitudes desvirtue as crianças, ensinando-as que devem trabalhar desde cedo, carregar dentro de sí a aceitação do perigo e o medo dos pais. Já a Emília e os netos da Dona Benta têm a liberdade de ser criança, de poder brincar, fazer estripulias e no decorrer da história, a Emília, de forma espontânea cria oportunidades para propagar religiões pagãs, dando a oportunidade aos leitores mirins, de conhecer outras realidades religiosas, visto que no Brasil, há grande predominância do cristianismo: " Se é! Tão maravilha que em certos países, como no Egito, a vaca era adorada, virou deusa". ( Memórias da Emília, pág. 21).
São bastante proveitosas tais considerações discorridas neste trabalho, quando temos em vista as diversas fases da Literatura infantil na busca por construir e desenvolver sua função dentro da essência de uma verdadeira criança. Grande tem sido o desejo de contribuição nesse sentido, a escritora maria José Palo no seu livro Literatura Infantil voz de Criança, fala acerca das amarras que têm sufocado esse processo de enovação da literatura infantil. Ela aponta algumas dessas amarras:

"Linguagem carregada de ideologia que permeia cada fala do narrador, cada diálogo das personagens, e tem um destinatário certo: o leitor infantil, cujo pensamento se pretende capturar. Não há possibilidades de respostas alternativas nesse processo educativo autoritário que só admite à criança a função de aprendiz passivo frente à voz todo-poderosa do narrador e de seu enfoque da realidade social". (Literatura Infantil voz de Criança, pág. 11).

Portanto, literatura mais que um texto escrito é uma obra de arte, seja ela em forma de poema, conto, romance ou demais gêneros. Seu objetivo é ampliar os horizontes dos seu leitore proporcionando uma visita a uma pequena fonte, mas quando há o verdadeiro mergulho desaguamos em um oceano infinito de revelações sem definições, de palavras que dizem sem dizer, de valores que orientam sem impor,... resumindo é a arte que oferece um olhar diferente aos diversos temas e realidades mais comuns da sociedade. Tem valor imensurável na vida das crianças, pois está presente em suas primeiras experiências de leitura, desde muito cedo influencia e amplia os horizontes desse público, futuro da sociedade, dentro de uma perspectiva nova acerca daquilo que já lhe é conhecido.
Ao témino deste trabalho conclue-se que o assunto abordado é de grande importância para os profissionais do conhecimento, visto que possibilita o acesso à informações e reflexões críticas que se mantiveram ocultas, durante muito tempo em relação aos materias que levamos para a sala de aula para os nossos alunos, logo nas séries iniciais. Porém é viavél afirmar que a expansão de tais experiências é caótica no meio educacional, faltam situações favoráveis para o conhecimento de tal realidade por parte da grande maioria dos educadores, implicando numa mudança tardia na história da educação, visto que a literatura se tornou uma disciplina curricular obrigatória.



Referências:

COELHO, Nelly Novaes: Literatura Infantil
ESCARPIT, Denise: La literatura infantil y juvenil en Europa trad. Diana Flores
LARANJEIRA, Mário: Sinopse do livro: Contos e Fábulas
LOBATO, josé Bento Monteiro: Memórias da Emília
PALO, Maria José: Literatura Infantil: Voz de Criança
TALES, Grimm´s Fairy: Conto da Branca de Neve

















Autor: Ana Patrícia Rodrigues Nogueira


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