DIREITO PENAL DO INIMIGO DE GÜNTHER JAKOBS - um anti-direito



Com base no pensamento de Jakobs, a pessoa que comete um crime pode ser vista pelo Estado como alguém que fere as normas estabelecidas ou como um individuo que, por ter ferido o ordenamento jurídico, representa perigo permanente para o próprio Estado. Assim teríamos um Direito Penal para os indivíduos que mesmo tendo cometido um fato delituoso, deve ser respeitado e ter garantidos os seus direitos individuais e processuais como um cidadão. Para outro grupo de delinquentes, do qual faz parte o individuo considerado periculoso para o Estado, aquele que cometeu crime econômico, terrorista, ou delito sexual, teremos um Direito Penal diferenciado, contemplado com a negação dos direitos fundamentais e sujeito a todo tipo de coação física. Esse seria o Direito Penal do inimigo, aplicado para aqueles que se afastaram de modo permanente, do direito. O indivíduo que escolheu deixar de ser cidadão, para ser inimigo do Estado. Jakobs em seu livro: Direito Penal do Inimigo sustenta uma tese afirmativa sobre a oposição que deve ser feita ao Direito Penal existente, por considerá-lo um limitador ao poder punitivo do Estado para com seus inimigos, a parcela da sociedade, que por ir contra o ordenamento positivado é escolhida pelo Estado para deixar de ser cidadã. Günther Jakobs, um doutrinador alemão, que defende, desde 1985, a teoria do Direito Penal do Inimigo, com base em políticas públicas de combate à criminalidade nacional e/ou internacional, alicerçada em diretrizes tais como: a antecipação da punição do inimigo; a criação de leis mais duras, visando especialmente, delinquentes organizados, terroristas, traficantes e criminosos econômicos; abolição de direitos e garantias processuais fundamentais, em seu livro, afirma que: [...] em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), no lugar de- como é o habitual- retrospectiva (ponto de referência : o fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas : especialmente, a antecipação da barreira de punição não é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas . No texto reproduzido compreende-se claramente que o direito penal do inimigo visa a punição da pessoa antes dela cometer o ato criminoso, aplicando-lhe penas desproporcionalmente altas e uma flexibilização do principio do devido processo legal, abolindo as garantias constitucionais previstas na lei máxima brasileira. Entende-se, também, que na visão de Jakobs a punição deverá ser exercida em função da situação específica do autor, pela análise do seu grau de periculosidade, presumindo a atitude do agente e não pelo fato criminoso cometido. Dessa maneira, para que se aplique o Direito Penal que Jakobs entende como sendo a solução para livrar a sociedade de determinados criminosos é mister que o Estado eleja seus inimigos, o que significa repetir a história. Não há dúvida de que a história é cíclica, os fatos vêem e voltam e no seu rodar, deixa marcas. Não se pode esquecer os milhares de judeus, negros, homossexuais e outras etnias que foram dizimados pela condenação à morte, simplesmente porque pertenciam a tais grupos, e sua existência contaminaria a raça ariana. Ao recuarmos um pouco mais na história veremos a Santa Inquisição, composta por Tribunais sob a égide da igreja católica, queimando vivos, em praça pública, todos os que julgaram ser uma ameaça ao Direito Canônico, ferindo, assim, a ordem dominante imposta. Galileu Galilei, o astrônomo italiano, fora condenado à morte, por contrariar o entendimento, já sedimentado, de que o sol girava ao redor do planeta Terra e não o contrário, escapando da fogueira por ter negado a conclusão de que era convicto. Então, de tempos em tempos os inimigos da ordem posta são escolhidos, pelo que eles são e não pelo que fizeram; pelo que talvez ainda venham a praticar; pela potencialidade em cometer delitos e possibilidade em reincidir ou, por pertencer a um grupo, com características pré-definidas pelo poder instituído, como sendo as marcas do individuo que não admite ingressar no estado de cidadania, resumindo com isso, o pensamento de Jakobs. CONCLUSÕES A teoria do direito penal do inimigo é extensa e detalhadamente explicada no livro de seu autor, Günther Jakobs, quando da abordagem dos crimes cometidos contra o Estado, pelos seus inimigos e, na conceituação destes inimigos, inspira, na verdade, um anti-direito. Com isso pode-se perceber que o Direito Penal do Inimigo em pouco difere do Direito Penal do Terror, praticado na idade média, e mais recentemente do Direito Penal do Autor, da segunda guerra mundial. Em verdade, a história retorna com base nos mesmos princípios discriminatórios, elegendo como inimigo do Estado as mesmas fatias da sociedade, as quais sempre foram relegadas à condição de inimigo. Bem vale reescrever a sabedoria do povo quando afirma, ao longo dos tempos, que os amigos do rei tudo têm e tudo podem e, aos demais, resta a lei. Para justificar tal assertiva poderia rememorar as diversas condutas praticadas pelos detentores do poder no mundo, desde a Grécia, onde as ofensas de caráter religioso e político davam margem a expiações coletivas referentes a crimes contra o Estado, passando pela Alemanha nazista, que elegeu o inimigo do Estado com base no genótipo humano, até que [...] com o advento do 11 de Setembro, vimos renascer na "terra da liberdade" a mesma atitude que consolidou o poder nazista, que foi a restrição da liberdade individual de cidadãos americanos naturalizados, e a institucionalização do desrespeito aos direitos dos cidadãos estrangeiros, passando a ocorrer prisões sem processo, e sem direito ao estrangeiro apenas suspeito de ser terrorista, de ser assistido por um advogado e ter uma defesa justa. Permitindo a prática de torturas e julgamentos sumários com pena de morte. Isto tudo devidamente protegido pelo manto da segurança nacional e no mais absoluto desconhecimento da população civil[...] . Entretanto, nem é necessário sair do Estado da Bahia, no Brasil, para verificar, a teoria de Jakobs como o anti-direito. Basta entender a abordagem policial como uma atividade lombrosiana às avessas, em que os policiais, por métodos puramente instintivos, baseados no preconceito que permeia o imaginário cultural, elegem características e alguns aspectos fisionômicos, ligados estritamente à raça e condição social, para indicar os indivíduos passíveis de delinqüência, procedendo à abordagem, constrangimento e subseqüente detenção para averiguação, demonstrando, de forma insofismável a pratica do anti-direito. Cabe recordar que, Lombroso, considerado o pai da criminologia, defendia a idéia de crime como um fenômeno biológico (o criminoso nato), e do criminoso como um ser atávico, que lhe rendeu muitas críticas e mais tarde enfatizou a loucura, a educação pobre e a condição social como causas da criminalidade. Então, a teoria de Jakobs não apresenta nada de novo dentro do mundo das penalizações. Ela apenas volta a ratificar os critérios usados em todos os tempos para a eleição dos inimigos do Estado ? os excluídos, pelo próprio Estado. Os inimigos do Estado, para Jakobs, por exemplo, são os terroristas. Mas quem são eles exatamente? Os que estão fora ou dentro do poder? Os que se armam para eliminar o que consideram o mal, ou aqueles que se investem em cargos de alto comando e definem, os outros, como terroristas? Em assim sendo, os policiais quando das suas abordagens, no estrito cumprimento do dever legal, elegem seus inimigos como inimigos do Estado. O Estado soberano não assegura as condições básicas para a inauguração do exercício do principio da dignidade humana dos membros da dita sociedade e, a ausência de condições para o exercício desse principio básico forma o insumo basilar, para a inserção desses indivíduos na classe dos inimigos do Estado. Portanto, são aqueles mesmos indivíduos, de todos os tempos, os inimigos da ordem normativa. O pobre e geralmente negro, no Brasil, que é acusado, por mera presunção, por pertencimento a um grupo invisível da sociedade que a mídia torna visível, inflamando a sua retirada do convívio societário para o prisional, com o intuito de salvaguardar o ordenamento jurídico, de um fato delituoso, que possa praticar, num futuro. Assim, entendo que a teoria defendida por Jakobs visa à pratica de um direito penal discriminatório, um verdadeiro anti-direito, embasada nos mesmos arbítrios e prepotência combatidos por Beccaria, quando, este, imprime ao direito Penal o cunho sistemático da ciência jurídica, cujo objeto, no plano teórico, foi o estudo do delito e da pena, do ponto de vista jurídico e, no plano prático, a extinção do arbítrio judicial e mitigação geral das penas. REFERENCIAS BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2004. JAKOBS, Günter. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas/ Günter Jakobs, Manuel Cancio Meliá; Organização e tradução: André Luis Callegari, Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. MUNIZ, Rosaury Francisca Valente Sampaio. Suspeição policial - a influência de Lombroso. Novo Paradigma Nº 04 - 2008 / 2009. Jornal do Escrotório Modelo Professor Manoel Ribeiro Faculdade de Direito da UCSAL SAMPAIO FILHO, Azhaury Arnaud. Da Democracia Terrorista à Ditadura Democrática. Disponível em: . Acesso em: 21/out/2009.
Autor: Rosaury Sampaio


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