Loucura e paixão na obra de Machado de Assis



Medicina e Literatura

O livro "NÃO HÁ REMÉDIO CERTO", Loucura e paixão na obra de Machado de Assis, Editora FLOR&CULTURA, 260 páginas, lançado em 2008, de autoria do Dr. Ruy Perini, médico psiquiatra e mestre em Estudos Literários pela Ufes, é uma obra que li com muito interesse. Primeiro, porque sou professor de Literatura e me interesso por tudo que se refira a Machado. Segundo, porque minha esposa se formou em enfermagem, confeccionando TCC sobre saúde mental e estagiando no HPM, e agora concluiu pós-graduação em saúde mental. Isso fez com que o tema "loucura" se tornasse recorrente em nossa casa.
Assim, quando vi a entrevista do autor na TV GAZETA, fiquei ansioso pela leitura de seu trabalho. Gostaria de dar os parabéns ao Dr. Ruy pela dedicação ao estudo, já que sua biografia informa que é graduado em medicina, com formação em psiquiatria e psicologia, e é mestre em Estudos Literários. Tenho certeza de que estudar a área científica e a área artística resulta da compreensão de que o tema abordado é multidisciplinar e exige estudo e tratamento diversificados.
Para mim, a leitura do livro foi muito edificante, pois me trouxe aprimoramentos literários e científicos no que tange a Machado. Depois de ter lido a pesquisa, minhas aulas sobre O Bruxo do Cosme Velho se modificaram, já que sempre cito o livro, enriquecendo os ensinamentos que faço com meus alunos.
Jamais deixarei de mostrar "... a postura inovadora, e mesmo revolucionária, de Machado, ao escrever O alienista, questionando a fenomenologia positivista da medicina psiquiátrica da época e propondo um rompimento de barreiras, o que veio antecipar uma nova abordagem da loucura, que só seria formulada teoricamente pela antipsiquiatria quase um século depois". Tenho conversado sobre isso com minha esposa.
Na condição de prof. de Literatura, é bom aprender que Machado "fura e atravessa o saber científico e o discurso médico sobre a loucura" e que "Sigmund Freud, que recorreu à literatura como forma de entendimento do ser humano, na verdade, dizia que quem descobriu o inconsciente não foram os psicanalistas, foram os poetas". Como é bom descobrir que "alguma coisa a ciência aprende da ficção quando pretende chegar ao absoluto". É maravilhoso entender "o valor terapêutico da palavra". Também gostei da Quadra: "Triste, amigos, / não é a loucura. / Mas quem dela / se livrar procura". Isso tem tudo a ver com o conhecimento de que "o delírio não é a doença, mas uma tentativa de cura". É importante e vale ressaltar a abordagem que o ensaio faz da ironia de Machado de Assis ao escolher nomes próprios, assim como o entendimento de obra aberta aplicado em Machado. E como é rica a palavra de Suassuna: "Quem toca o homem é o sonho, não o bom senso".
É estimulante, a um professor de literatura como eu, ler as palavras de um médico concluindo: "a literatura costuma ir à frente dos trabalhos de teorização". Por isso, o Dr. Ruy, na condição de médico, está de parabéns, ao concluir: "O cuidar da loucura não deve ser restrito a um procedimento médico". Foi muito boa no trabalho a bordagem do Simbolismo e maravilhosa a inserção, nos estudos, do soneto Cárcere das Almas, de Cruz e Sousa. O Dr. afirma que escrever é terapêutico e sabe que ler também o é: "... a criação literária contribui para verdadeiros processos terapêuticos do escritor e do leitor".
Gostei muito da ironia do psiquiatra, ao trazer, só no final do livro, a lição de Ezra Pound, o qual afirma que "a gente deve ler textos, não comentários". Entretanto, permita-me discordar de Pound, se é que posso, pois os comentários do autor trazem questionamentos e informações científicas ligados à psiquiatria, à psicologia, à literatura, à história, à filosofia, à religião e às artes, o que engrandece as obras de Machado de Assis e enriquece o leitor do livro com conhecimentos que ampliam a visão de mundo. Assim, entendo que vale a pena ler comentários também, desde que não substituam a leitura da obra, que deve ser o ponto de partida.
Por outro lado, depois de tantos elogios, quero também dizer que detetei e marquei, na qualidade de professor de português, alguns pequenos problemas gramaticais. Só para exemplificar, o autor afirma que adotou as mudanças propostas no Novo Acordo Ortográfico, mas em algumas palavras se esquece disso, o que é perfeitamente compreensível, já que estamos em um processo de transição para a Nova Ortografia. Entretanto também existem, lembro que poucos, outros problemas ligados à pontuação e à ortografia, como na p. 184, em que aparece a palavra cheque com CH quando deveria, no contexto de xadrez, ser xeque com X. Mil perdões ao autor por levantar essa questão, mas o objetivo é contribuir, visto que são poucas as incorreções e podem ser revisadas, a fim de, em futuras edições, valorizar a obra ainda mais.
Deixando esse assunto de lado, quero concluir voltando aos elogios que o trabalho merece. Parabéns, Dr. Ruy pelos excelentes estudos. Aprendi muito com seu texto e, todos os anos, em minhas aulas sobre Machado de Assis, sempre citarei seu nome e seu livro, recomendando a leitura a meus alunos.

Jean Neris de Paula.


Autor: Jean Carlos Neris De Paula


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