Uma visão psicopedagógica da EJA



Uma visão psicopedagógica da EJA
(um longo caminho entre as relações afetivas e o permitir-se aprender)
Rahel Pepe Reis

A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade específica da Educação Básica que se propõe a atender a um público ao qual foi negado o direito à educação durante a infância e adolescência seja pela oferta irregular de vagas, seja pelas inadequações do sistema de ensino ou pelas condições socioeconômicas desfavoráveis.
O ensino da EJA está sendo convocado a repensar e a transformar seus vínculos com a sociedade. Mas, existem diversos fatores que precisam ser corrigidos e outros eliminados para que as pessoas possam ter mais acesso à escola e, sobretudo poder concluir seus estudos, mesmo que seja de forma acelerada e possa parecer tardia.
O desenvolvimento cognitivo deve ser objetivado, sendo na verdade a principal meta do processo. No âmbito escolar, a Psicopedagogia deve ser vista como ação preventiva, fortalecedora de identidades e transformadora de realidades. Criadora de estratégias de ensino que leve em consideração as diferentes formas de se adquirir o conhecimento. Deve analisar a instituição escolar, delimitar as dificuldades educacionais encontradas e planejar de forma reflexiva uma abordagem que contribua para o sucesso escolar.
A Psicopedagogia também centra seu olhar na procura por estabelecer relações nas quais o principal objetivo é resgatar o prazer, não somente de aprender, mas também de ensinar. Sendo assim, reflete sobre as relações estabelecidas com o conhecimento e as diferentes formas de se adquirir este conhecimento. Reforçar o estímulo que muitos jovens e adultos necessitam para prosseguirem seus estudos e tornar viável o sonho de muitos em alfabetizarem-se ajuda na criação de projetos motivadores da prática educativa.
Teoricamente a ação psicopedagógica deve ser pautada na prevenção do fracasso escolar e das dificuldades que envolvem tanto educandos como educadores. Mais especificamente na Eja seria desenvolver subsídios motivadores a fim de superar problemas de aprendizagem. O que se torna essencial para que se possa compreender a aquisição da aprendizagem do sujeito e como possibilitar a construção de novos saberes.
A tradicional valorização da dimensão cognitiva em detrimento da afetiva, na trajetória do pensamento e do conhecimento humano, e a visão dualista do homem enquanto corpo/mente dificulta a compreensão das relações entre ensino e aprendizagem e da própria totalidade do ser, limitando o processo de formação de estudantes de vários níveis de escolaridade.

Segundo WALLON (2008), o termo afetividade corresponde às primeiras expressões de sofrimento e de prazer que a criança experimenta, sendo essas manifestações de tonalidades afetivas ainda em estágio primitivo, ou seja, de base orgânica e têm por fundamento o tônus. Este, por sua vez, representa a base de onde sucedem as reações afetivas e mantém uma relação estreita com a afetividade durante o processo de desenvolvimento humano. Ao se desenvolver, a afetividade passa a ser fortemente influenciada pela ação do meio social.

A afetividade também representa um conjunto funcional abrangente, incluindo sentimentos, emoção e paixão. A emoção, é a exteriorização da afetividade. Ela evolui como afetividade na relação professor-aluno e as demais manifestações, sob o impacto das condições sociais. É o primeiro recurso de ligação entre o orgânico e o social porque uni os indivíduos através de suas reações mais orgânicas e mais íntimas. Essa união interindividual inicia-se nos primeiros dias de vida e se fortalecem a partir das emoções, antes mesmo do raciocínio e da intenção, sendo o fenômeno da emoção, portanto, compreendido como a origem da consciência.

Já os sentimentos não implicam reações instantâneas e diretas, como na emoção, e tendem a reprimi-las. Os sentimentos são manifestações mais evoluídas e aparecem quando se iniciam as representações. Com relação à paixão, esta surge com o progresso das representações mentais e pode ser intensa e profunda. A paixão aparece com a capacidade de tornar a emoção silenciosa, ou seja, envolve o autocontrole do comportamento.

Embora o desenvolvimento humano na teoria Walloniana seja descrito até a adolescência, esse desenvolvimento não termina nesse momento, pois a constituição do "eu" é um processo que jamais se acaba: o outro interior vai acompanhar o "eu" durante toda a vida. A afetividade constitui um fator de grande importância no processo de desenvolvimento do indivíduo e na relação com o outro,pois é por meio desse outro que o sujeito poderá se delimitar como pessoa nesse processo em permanente construção.

É pelo conjunto das diversas formas de atuação do professor durante as atividades pedagógicas, que ele vai qualificando a relação que se estabelece entre o aluno e os diversos objetos de conhecimento. Nesse sentido, é possível afirmar que para estabelecer uma relação afetiva é preciso que professores e estudantes estejam dispostos a esse mesmo objetivo, que os professores devem apresentar maior atenção às manifestações afetivas dos seus alunos, passando a reconhecer a importância dessa dimensão e a envolverem-se na busca de caminhos para a consideração da afetividade em suas práticas pedagógicas.

O raciocínio e o julgamento são pilares do pensamento. Ambos devem ser cuidados no processo educativo, sem perder de vista o trabalho com os conteúdos. Esse pensar melhor implica na capacidade de auto-análise. Desenvolver intencionalmente e de forma didática a autocorreção com os alunos sobre o que pensam e como pensam, sobre o que dizem e expressam, seja por meio da escrita ou usando qualquer outra forma de expressão, deve ser prática prioritária dos professores, se quiserem que seus alunos aprendam a pensar por si mesmos, a reexaminar suas idéias, seus juízos e raciocínios por intermédio das expressões, proposições e argumentos que utilizam.

Assim sendo a afetividade aparece primeiro em nossas relações, mais tarde se depara com a prática da autocorreção consciente e se tornam componentes fundamentais no resgate do processo de ensino aprendizagem durante toda a vida. Dessa forma o preparo de um professor que trabalha com EJA deve ser diferenciado. A metodologia deve ser adaptada e seus projetos pedagógicos devem incluir as expectativas e a realidade dos alunos Cabe ao professor articular os aspectos afetivo e cognitivo presentes na escolha dos objetivos de ensino, no ponto de partida do processo de ensino aprendizagem, na organização dos conteúdos, nos processos e atividades de ensino e nos procedimentos de avaliação. Trabalhando como mediador entre pensamentos e conteúdos com os alunos o professor será capaz de estabelecer com relações construtivas e prazerosas.

O fato é que o individuo para desenvolver a prática da autocorreção e alcançar um desenvolvimento, um aprendizado, precisa estar afetivamente saudável e com sua alta-estima cuidada. São fatores emocionais, psicológicos que afetem diretamente o desenvolvimento de todos os indivíduos. Junta-se a isso fatores sociais, preconceitos, falta de preparo dos profissionais e temos uma parcela cada vez maior da sociedade com analfabetos funcionais que alimentam nossa forma de estratificação.





Referências:


OLIVEIRA, Martha Kohl. Jovens e Adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Trabalho encomendado pelo GT "Educação de pessoas jovens e adultas" e apresentado na 22a Reunião Anual da ANPED ? 26 a 30 de setembro de 1999, Caxambu.

WALLON, H.: A evolução psicológica da criança. Martins Fontes, SP, 2ª Ed, 2008.

OLIVEIRA, Martha Kohl. Ciclos de vida: algumas questões sobre a psicologia do adulto. Artigo publicado na Revista Educação e Pesquisa. SP, v 30 n. 2 maio/ago. 2004. SP.

LIPMAN, Mattew. A filosofia vai à escola. São Paulo: Summus, 1990.


Autor: Rachel Pepe Reis


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