Do Conhecimento De Textos Através Da Prática Ao Conhecimento Da Retórica Com Base Teórica



A prática era, partindo de um tema, geralmente do contexto dos alunos, apresentar o código escrito através da palavra geradora e sua respectiva silabação. Os professores (estagiários voluntários) aprendiam através de treinamento de alguns dias, com manuais, cartazes e perguntas direcionadas para os problemas sociais da região, dos interlocutores envolvidos no processo de comunicação e de acordo com a problemática do dia que os alunos (cortadores de cana, vaqueiros e plantadores de cebola) apresentavam nas suas respostas.

As palavras-respostas serviam de base para trabalhar o sistema alfabético e suas famílias silábicas, isto depois de esgotar todas as possibilidades de discussão sobre os temas tratados. Termos como: família, comida, trabalho, construção, transporte, escola, tijolo, cebola, feijão, macaxeira, jabá, umbu, e outras palavras comuns aos analfabetos adultos da época eram analisadas desde seu aspecto gráfico até o seu sentido social e cultural na região.

Na alfabetização de crianças, porém, os métodos fônicos e alfabéticos eram os mais aplicados, complementados por textos cantados, desenhos e esboços das letras com motivos fantasiosos do vocabulário da criança. Assim, ela precisava aprender um ABC para si e outro para a escola, além de ter que sozinha coadunar esses dois aspectos de pensar o código a ser utilizado para se comunicar com os outros. Na maioria das vezes duvidava-se que a mesma pensasse sobre o que estava aprendendo, isto é, não se tinha definida qual a teoria do conhecimento que se aplicava com esses alunos. Era a prática sem a teoria, um trabalho que se fazia antes de entender bem para que se fazia. Assim, importava mais o como.

Comparando o que fiz de 1970 a 1972, como normalista estagiária, em Parnamirim, no interior de Pernambuco com o que apliquei na escola de 1973 a 1993, em Corbélia no Paraná, com as mesmas teorias, percebo que a realidade da escola , de nordeste a sul, não mudou muito, apesar dos meios de comunicação, das pesquisas e contribuições da Lingüística, cada vez mais fundamentadas e difundidas. Constato que as teorias utilizadas continuam sendo as mesmas, os professores continuam sendo preparados do mesmo modo, mesmo que a prática em sala de aula sempre tenha sido diferente do que, em cada época, se prega na teoria.

A interpretação que se fez antes dessas teorias é considerada hoje completamente nova, até mesmo com o advento de uma nova metodologia. No entanto, o que se pode dizer, no máximo, é que se apresenta agora uma metodologia antiga, de modo diferente, talvez mais preocupada com a postura política dos envolvidos com a linguagem do que apenas com o próprio objeto de estudo, como antes.

A partir de 1973, trabalhando em escolas públicas do Paraná, a experiência com a aplicação de métodos diferentes de alfabetização (todos eles, tentativas de aplicar acertadamente essa ou aquela teoria) e as dificuldades de ensinar crianças e adultos, de modo produtivo, permitiram-me inferir que os métodos utilizados para ensinar a escrever têm dado suas contribuições, porém, todos apresentavam, isoladamente, desvantagens e desequilíbrios para a clientela da escola. De modo que, no rol das desvantagens, pesavam mais as implicações de ordem metodológicas: a aplicação e a avaliação.

A experiência comprova que os métodos Abelhinha, Casinha Feliz, Erasmo Pilotto, Caminho Suave, Lúdico, Natural e Misto, e outras tentativas de elaboração das cartilhas regionais para o Paraná, todos foram, a seu tempo, igualmente válidas; modismos que tiveram seus resultados, porém, não mais satisfazem às exigências da clientela de hoje, em termos significativos, para preparar um leitor de fato e um produtor de textos originais, como é preciso na sociedade atual que pretende ser transformadora

Em 1981, em Monografia de Especialização* realizada na UEL, apresentei uma pesquisa de campo sobre o estudo da escrita, envolvendo as dimensões de gramática, grafia e apresentação de um texto, com o objetivo de verificar como uma escola-modelo da cidade de Marechal Cândido Rondon, (Colégio Eron Domingues) explorava esses aspectos no ensino de redação de 5ª a 8ª séries do 1º grau.

Verifiquei que o ensino estava centrado no livro didático, enfatizando a sintaxe da frase, e que os professores de língua não participavam de cursos de aperfeiçoamento havia mais de 10 anos. Até mesmo os programas não estavam adaptados às necessidades dos alunos, na/da época, além de que, os professores apresentavam um trabalho completamente divorciado dos interesses da família.

Observei que a escola, até certo ponto, trabalhava sozinha, pela pouca importância que a família dava aos apelos e reclamações daquela escola. Isso me fez crer que a Língua Portuguesa estava restrita ao trabalho escolar e que era considerada língua estrangeira para aquela comunidade, visto que, sendo uma comunidade bilíngüe (português–alemão), enquanto os professores se empenhavam para ensinar a sintaxe portuguesa, a comunidade lutava politicamente na SEED/PR para oficializar o alemão como língua materna, além do mais, os alunos não demonstravam nenhum interesse por aprender nenhuma delas.

De modo geral, as oportunidades de redigir que a escola proporcionava eram raras, pois eram muitos alunos, os professores atendiam várias turmas e escolas paralelamente, e não sobrava tempo para preparação de aulas e correção.

Quanto ao recurso didático utilizado, este geralmente consistia em preencher lacunas ou em exercícios do tipo siga o modelo, além de outros livros didáticos comuns a todas as escolas da região, adotando cada série um autor, ou cada professor, uma editora, de preferência aquela que doasse o livro com respostas, evidentemente.

Se em algumas turmas os professores seguiam livros de técnicas de redação, em outras, eles variavam o número de redações por bimestre que os alunos deveriam trazer de casa. Por tudo isso, considerei que a escola em questão não dava a menor importância ao ensino de redação e não se preocupava em dar oportunidades para o aluno escrever em sala; a escrita estava restrita às atividades de ortografia com palavras descontextualizadas; e os exercícios de interpretação, realizados após a leitura de um texto, com questões para as quais se poderiam retirar as respostas literalmente, do próprio texto.

Com este relato, pretendo questionar o ensino destinado aos que ensinam. Por que não se elaboram materiais para as escolas de formação de professores, com experiências conscientes? Por que os professores não apresentam suas contribuições, também por escrito, para seus futuros seguidores, em vez de permitir que a política do livro didático acostume o profissional da educação a encontrar aulas prontas e planejamentos bimestrais previamente estabelecidos? Por que não se busca um ensino voltado para a realidade do aluno, em todos os níveis?

Para achar respostas para todas essas perguntas, venho coletando material de aulas de escolas públicas, de encontros, de grupos de estudo e discussões com professores, de oeste a norte do Paraná, desde 1981. Observo que faltam às escolas orientações seguras quanto às teorias, seus aspectos filosóficos e metodológicos e sua aplicação no ensino. Esse fato e outros contatos com professores de escolas públicas, preocupados com o ensino da redação, provocam a minha curiosidade de investigar mais, pesquisar mais, fundamentar os meus conceitos, e compreender o porquê do divórcio entre as propostas de ensino e a sua aplicabilidade.

Com essa intenção, em 1990, elaborei um projeto de dissertação de mestrado, visando diagnosticar se a escola pública em Londrina está cumprindo o seu papel quanto ao ensino da redação, no 1º grau. Por incentivo dos próprios colegas, professores das escolas nas quais realizei a pesquisa, vi-me induzida a investigar entre alunos, pais e professores, o que se pensa que é ensinar redação e para quê.

Em 1992, na versão preliminar de pesquisa*, realizada em Londrina, para o Curso de Mestrado, constatei que o trabalho com textos nas escolas públicas já refletia um estágio de mudanças. Pelo material coletado foi possível definir uma categorização de problemas comuns e um elenco das diversidades de argumentos entre professores, pais e alunos. Mas já se anunciavam indícios de avanços em



algumas escolas, no que se refere ao ensino da gramática aplicada ao texto do aluno, tanto no trabalho dos professores quanto nos resultados presentes nos textos dos alunos.

Para efeitos comparativos e análise mais atualizada do problema, os professores das escolas envolvidas no estudo, constantemente solicitavam dos alunos um trabalho posterior de crítica dos textos e exigiam orientação, além da exposição, em assembléia, dos resultados da pesquisa. Com a proposta construtivista do Ciclo Básico, verifiquei que uma postura diferente era adotada, sobretudo no que se refere à leitura, produção de textos e interpretação. A escola já tentava ensinar ao aluno a escrever sobre si mesmo e a pensar sobre sua escrita, passando para o papel esse pensar, jogando com a própria linguagem.

Dentro dessa mesma problemática, continuo questionando o ensino da redação, desta vez, no entanto, na última série do 2º grau, nas séries iniciais do Curso Superior e na última dos cursos técnicos que exigem estágios e trabalhos de conclusão de cursos. Será que as instituições têm propostas viáveis que preparam realmente esses novos profissionais para o mercado de trabalho (terminalidade) ou para ingresso em cursos de pós-graduação (continuidade) ou, se o fazem, o que fazem e para quê?

Com essa intenção de pesquisar para encontrar alternativas de melhoria no ensino de redação e, paralelamente, aplicar em sala de aula os resultados das investigações, procurei dar continuidade ao tema que já vinha desenvolvendo desde anos anteriores, também na abordagem interacionista, nos anos de 1996 e 1997. Esses anos marcaram uma etapa importante da minha vida em que realizei várias atividades no campo profissional e na minha vida acadêmica, permitindo-me conciliar pesquisas e orientação de alunos com a iniciação aos trabalhos científicos de maneira interdisciplinar.

Foi um período de intensa atividade, dedicando-me tanto ao curso de Doutorado quanto às aulas de Produção de Textos nos cursos de História, Letras, Secretariado Executivo, Ciências Contábeis e Ciências da Computação. Aprendi a adequar os conteúdos da linguagem escrita à pragmática de cada área, sem desprestigiar o cunho científico do ensino da língua próprio dos cursos superiores.

Paralelamente ao Curso de Doutorado desenvolvi três atividades inter-relacionadas ao ensino que me proporcionaram crescimento na minha carreira docente: l. Coordenação do Ciclo Básico (Nível Fundamental) no Colégio Vicente Rijo; 2. Docência de Língua Portuguesa no Curso de Tecnólogos em Processamento de Dados no CESULON (Centro de Estudos Superiores de Londrina); 3. Docência Temporária de Análise e Produção de Textos nos cursos de História, Ciências Sociais, Jornalismo e Ciências Contábeis na UEL.

Ainda em 1996, participei do X CELLIP* (Centro de Estudos Lingüísticos e Literários do Paraná) como comunicadora com três contribuições: Relato de Pesquisa Etnográfica em Escolas Públicas de Londrina sobre a Concepção de Ensino de Redação no 1º Grau; A Reestruturação de Textos nas Séries Iniciais; Problemas de Redação no Ensino de 3ª a 8ª séries do 1º Grau.

Essas participações permitiram-me reformular meu Projeto de Pesquisa de Doutorado e repensar minha prática docente no sentido de incentivar os alunos à pesquisa e à contribuição acadêmica.

Assim, 1996 foi decisivo para mim, pois me fez optar pela delimitação da minha área de Pesquisa em Análise e Produção de Textos na Abordagem Interacionista, também no Ensino Superior, já que vinha defendendo essa linha no ensino de 1º e 2º graus.

Em 1997, ministrando aulas de redação nos cursos de Secretariado Executivo, Letras, História e Ciências Contábeis, devido à prorrogação do meu contrato até concurso público (31/07/97), desenvolvi um trabalho voltado para orientação de textos científicos, ensaios monográficos e relatórios de estágio e de final de curso.

A partir de agosto de 1997, aprovada em Concurso Público na UEL, continuei com as mesmas turmas, ministrando as mesmas disciplinas de Língua Portuguesa II e Técnicas de Redação, além de realizar um trabalho experimental com turmas do 1º ano de História para montagem de um Projeto Interdisciplinar de Leitura e Redação para 1998. A experiência foi um sucesso, sendo que o Projeto elaborado foi aprovado para três anos, de 1998 até o ano 2000 (os textos dos alunos serviram como material para a pesquisa de doutoramento).

Finalmente, somente os anos de 1996 e 1997 é que marcaram uma fase de fatos novos na minha trajetória de vida: pedi exoneração do cargo de coordenadora na Rede Pública Estadual (1º e 2º graus) para me dedicar ao Ensino Superior na UEL e à minha Tese de Doutorado.

Por tudo isso, e, principalmente, pela experiência com o Ensino Fundamental, é possível afirmar que a minha prática não foi feliz sem base teórica, nem a teoria que absorvi tem auxiliado muito a minha prática, nem no Ensino Fundamental (do pré a 4ª série) nem nas outras séries do 1º grau (5ª a 8ª) durante os primeiros vinte anos (de 1973 a 1993).

Somente com a atuação em outras modalidades de ensino, como professora de Redação no 2º grau e no Curso Superior, foi que percebi que a prática sem a teoria não resolve a questão da argumentação escrita na escola, e que a teoria sem a prática torna o ensino sem eco, isto é, deixa a desejar, no sentido de valorizar o uso da linguagem e analisar as condições de produção utilizadas para essa prática.

Assim, o conhecimento teórico só não basta. Também não só o conhecimento da técnica. É preciso que o profissional do ensino se posicione e busque compreender as relações entre o conhecimento da língua, a prática dessa língua e os aspectos psicopedagógicos e sociolingüísticos dos sujeitos falantes, para um ensino eficiente e um trabalho produtivo. Infelizmente, essa prática ainda é a realidade da escola, mas a prática de uma instituição que não lê, não escreve, não discute, e que ensina fatos da língua fora da vivência, sem saber o porquê nem o para quê.



Bibliografia

*ALMEIDA, Djalmira de Sá. A Habilidade de Expressão Escrita de 5ª a 8ª séries do 1º grau. Pesquisa realizada em Marechal Cândido Rondon - PR, 1981. (Monografia de Especialização em Língua Portuguesa apresentada à Universidade Estadual de Londrina).

*ALMEIDA, Djalmira de Sá. A Produção de Textos no 1ª Grau na Abordagem Interacionista. Assis - SP: UNESP, 1995.(Dissertação de Mestrado).

* Centro de Estudos Lingüísticos e Literários do Paraná. O Ensino de Português no Ensino Fundamental tende ao interacionismo. Londrina - PR, 1996. (ANAIS, Vol. I) Publicação: UNIOESTE.




Autor: Djalmira Sá Almeida


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