Descartes e sua Primeira Meditação



[1] Descartes descobriu o que havia aprendido desde a sua infância não lhe garantia um conhecimento seguro. Decide então, se desfazer de todas as crenças que habitava em seu espírito para construir uma base filosófica que garantisse o desenvolvimento das ciências. Para a grandiosidade desse novo empreendimento decide obter mais anos de experiência, viajando para outros lugares de maneira que se sentisse preparado.

[2] Depois de ter vivido inúmeras experiências ao longo da vida Descartes se ateve em um lugar tranquilo na Alemanha livre de interferências alheias para começar suas meditações. Inicialmente, percebeu que não seria necessário provar que todas as coisas eram falsas, pois não teria tempo hábil, porém no caso de qualquer hipótese duvidosa seria ocasião de rejeitá-la enquanto algo verdadeiro.

[3] Para dar início à sua pesquisa Descartes parte dos fundamentos da ciência em que foi educado no qual neste período encontramos suas bases filosóficas se ruindo, ou seja, a fundamentação filosófica antiga não correspondia com os problemas científicos emergentes. Com isso, sabendo que o problema se encontrava nas bases da ciência percebeu que não seria interessante e nem possível duvidar de todo o conhecimento. Decide então, duvidar apenas das coisas essenciais que pudesse encontrar em qualquer natureza.

[4] Percebera que até aquele momento a educação que aprendera estava marcada pelo uso dos sentidos e que por meio deles o levou ao engano, encontrou assim o seu primeiro alvo para refutar, os sentidos. Para não cometer nenhuma injustiça Descartes especifica quais as circunstâncias que duvidaria dos sentidos, pois na sua visão haveria situações em que os sentidos seriam tão evidentes e enganosos que não poderiam ser utilizados para a sua filosofia, por exemplo, ao perguntar como poderia negar a existência das coisas que estão ao meu redor e as roupas que estou vestindo? Para o filósofo, não haveria a possibilidade desta hipótese não ser verdadeira, somente se estivesse agindo de maneira insensata. Assim, são apresentados três casos em particular: a dúvida dos sentidos das coisas mais simples encontradas em nosso cotidiano (dúvida dos sonhos), a hipótese de um Deus enganador que utiliza de tal poder que todas as coisas oriundas dos sentidos seriam falsas inclusive as matemáticas e a atuação de um gênio maligno que realiza todo o esforço para enganá-lo sempre.

[5] No primeiro caso, Descartes encontra uma experiência comum a todos os homens na qual possa duvidar da existência das coisas. Considera que é um homem e por isso apresenta em seus pensamentos representações de sonhos tão próximos da verdade de modo que propõe a seguinte questão: Quantas vezes sonhei que estava em outro lugar realizando coisas diferentes, embora estivesse dormindo em minha cama? Não obstante lembra que não é com os olhos dormindo que percebe a movimentação do braço e o balançar de cabeça de maneira intencional, exceto no sono isso não é tão seguro assim. Mas, não podia esquecer que já foi enganado por circunstâncias semelhantes a esta entre o sono e a vigília. Com isso, fica evidente em seu espírito que não há conclusão nítida do pensamento de quando estamos acordados ou dormindo.

[6] Contudo, suponhamos que tudo que observamos é apresentado como meras ilusões, ainda assim o que encontramos nos sonhos é constituído de semelhanças das coisas reais, verdadeiras e existentes, por exemplo, fazendo alusão aos pintores por mais criativos que sejam não deixam de pintar algo pertencente ao mundo das coisas reais, se porventura pintarem algo que não tem indicação semelhante a algo real, sua obra será considerada falsa, pois estará faltando à natureza de algo verdadeiro.

[7] E pelo mesmo motivo que essas coisas naturais como qualquer parte do nosso corpo poderiam ser imaginárias, ainda há coisas mais simples que também existem, ou seja, todas as coisas verdadeiras ou imaginárias são formadas por meio do nosso pensamento.

[8] Por isso talvez não consideremos mal que todas as ciências que dependem das coisas compostas e a observação da matéria poderiam ser duvidosas e incertas, enquanto as matemáticas pelo fato de serem mais simples e gerais encontrados na natureza ou não, contém algo certo e isento de dúvida, pois ao pensarmos em um número ele será sempre o mesmo dormindo ou acordado independente do estado do observador.

[9] No segundo caso, Descartes concebe que há muito tempo em seu espírito acredita que há um Deus onipotente no qual foi criado por ele. No entanto, problematiza: quem pode assegurar que esse Deus não projetou essas ideias no pensamento e acabei aprendendo a conviver com elas? Até mesmo nas matemáticas, posso estar enganado em acreditar nos modos e nos resultados que são encontrados, devido à ilusão implantada por esse Deus enganador. Em contrapartida, isso provavelmente não advém desse Deus, pois ele é soberano e bom. Mesmo que rejeitasse a sua bondade e imaginar que ele estaria sempre enganando isso seria contraditório, anularia outras coisas que somente ele possui, logo não poderia considerar essa ideia verdadeira.

[10] Mesmo considerando a posição dos ateus em duvidar mais sobre a presença de um Deus poderoso do que as outras coisas incertas. Supondo que a história de Deus seja uma fábula e a minha existência seja concebida pelo acaso, no mínimo a idea de falhar e enganar-se compõe a idea de imperfeição, pois quanto menor poder encontrado no meu criador provavelmente me enganarei sempre, isto é, ainda não encontro provas sobre a existência de algo seguro. Desta forma, leva-me a pensar que todas as opiniões ou crenças que me detém como verdadeiras passam a ser colocadas em dúvidas, ou seja, se há a intenção de encontrar alguma coisa constante e verdadeira nas ciências não posso permitir que o meu pensamento acredite nessas coisas duvidosas, que não foram comprovadas logicamente.

[11] Assim Descartes no terceiro caso apresenta uma hipótese que no lugar de um verdadeiro Deus atue um gênio maligno tão poderoso quanto enganador que se ocupou em enganá-lo sempre. Considerou que não tinha corpo e muito menos sentidos, pensando que todas as coisas percebidas na natureza seriam ilusões. Mesmo sabendo que não poderia alcançar qualquer possibilidade de verdade por meio deste gênio, entendeu que pelo menos realizaria algo, a dúvida. E isso lhe permitiria negar qualquer crença que viesse aceitá-la por imposição.

[12] Contudo, no seu entendimento duvidar de todas as coisas não foi suficiente, inevitavelmente foi necessário que se lembrasse do conhecimento sensorial, pois por muito tempo fez parte de suas crenças. Por outro lado, entendeu que devia ter cautela ao desfazê-las para que não saia do caminho reto que conduz ao caminho da verdade.

[13] Descartes encerra a primeira meditação concluindo que esse trabalho é árduo e o cansaço estampa-se ao longo de sua vida e isso faz com que retorne aos seus pensamentos antigos e transmita a sensação de que não encontrará a luz do conhecimento seguro.

Referências bibliográficas: DESCARTES, Renè. Meditações Metafísicas. Tradução: Maria Ermantina. São Paulo: Martins Fontes. 2005.




Autor: Kleber Marin


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