Como os órgãos estatais identificam os casos de suicídio: estudo na região sul do Rio Grande do Sul nos anos 1990




MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
INSTITUTO DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA
CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS





Como os órgãos estatais identificam os casos de suicídio: estudo na região sul do Rio Grande do Sul nos anos 1990








Flávio Luís Farias Garcias











Pelotas,
Flávio Luís Farias Garcias












Como os órgãos estatais identificam os casos de suicídio: estudo na região sul do Rio Grande do Sul nos anos 1990





MONOGRAFIA apresentada ao Instituto de Sociologia e Política, da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais.


Orientador: Prof. Alvaro Barreto








Pelotas,








DEDICATÓRIA



Dedico este trabalho àqueles inúmeros seres humanos que perderam suas vidas por omissão e descaso dos responsáveis (irresponsáveis) que não dão o devido valor à vida humana e não querem enxergar os sofrimentos e conflitos que estão presentes em nossa sociedade de contradições, na qual o capital vale mais que a vida, motivo porquê, em certos momentos, para alguns a vida torna-se tão sem sentido.


































AGRADECIMENTOS


Aos meus pais que diariamente me apóiam no decorrer deste processo de construção e minha vida e que plantaram a semente do desejo do conhecimento e perseverança para alcançar os objetivos almejados;
Á minha irmã que muitas vezes em momentos importantes muito me aconselhou e apoiou neste sonho;
Aos professores os quais durante o desenrolar do curso tive contato direto e me trouxeram o conhecimento necessário e aqueles com os quais não tive contato direto, mas, de uma forma ou de outra, trouxeram seu incentivo em muitas vezes em um simples cumprimento;
A todos os funcionários do Instituto de Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelotas que em todos os momentos em que necessitei de ajuda estiveram sempre presentes como amigos;
Aos meus colegas de turma dos quais jamais esquecerei. pois não estivemos juntos durantes dias, mas nossa união durou anos e durará muitos mais;
Aos colegas que iniciaram junto comigo a percorrer este caminho, porém por problemas alheios a sua vontade pararam em algum momento desta caminhada;
Ao IML de Pelotas;
À Polícia Civil de Pelotas;
À Brigada Militar;
Ao Corpo de Bombeiros;
Ao Diário Popular de Pelotas;
Ao Hospital Olivé Leite;
Ao Hospital Espírita de Pelotas
Aos Cartórios de Registro de Pelotas;
Ao Hospital de Pronto Socorro da FAU;
Às pessoas as quais entrevistei e deram a sua preciosa contribuição a este trabalho;
Agradeço em especial a todos aqueles que por algum esquecimento não tenha citado, mas apoiaram de alguma forma na realização desta monografia.












VIDA

Madre Teresa de Calcutá


A vida é uma oportunidade; aproveite-a
A vida é uma beleza; admire-a
A vida é um dom; aprecie-o
A vida é um sonho; realize-o
A vida é um desafio; aceite-o
A vida é um dever; assuma-o
A vida é um jogo; jogue-o
A vida é cara; preserve-a
A vida é um tesouro; conserve-o
A vida é um amor; saboreie-o
A vida é um mistério; aprofunde-o
A vida é uma promessa; cumpra-a
A vida é uma tristeza; ultrapasse-a
A vida é uma canção; cante-a
A vida é uma luta; trave-a
A vida é um perigo; enfrente-o
A vida é uma aventura; ouse-a
A vida é sorte; mereça-a
A vida é preciosa; não destrua
A vida é VIDA; lute por ela










LISTA DE TABELAS


Tabela 1 Incidência dos casos de suicídio, na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999 ...........................................................................

21
Tabela 2 Incidência dos casos de suicídio, na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999, conforme a faixa etária .....................................

22
Tabela 3 Incidência dos casos de suicídio, na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999, conforme o gênero ...........................................

22
Tabela 4 Recurso utilizado pelo suicida na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999 ...........................................................................

23
Tabela 5 Recurso utilizado pelo suicida na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999, conforme a faixa etária .....................................

25
Tabela 6 Recurso utilizado pelo suicida na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999, conforme o gênero ...........................................
26






















SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 7
CAPÍTULO 1 ......................................................................................................... 11
CAPÍTULO 2 ......................................................................................................... 15
CAPÍTULO 3 ......................................................................................................... 20
3.1 ? Incidência do fenômeno ............................................................................... 21
3.2 ? Classificação por Grupo Etário ..................................................................... 21
3.3 ? A Questão vista pelo gênero ........................................................................ 22
3.4 ? Classificação conforme os recursos utilizados para o ato suicida ............... 23
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 27
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 30








INTRODUÇÃO

Neste trabalho coloca-se a questão de como são contabilizadas as mortes por suicídio pelos órgãos responsáveis por analisar este fenômeno, discutindo a visão de profissionais de diversas áreas, como saúde e sociais.

Se um caso morte cuja versão inicial indica que se trata de suicídio for verificado pelos agentes da Secretaria de Justiça e da Segurança (Polícia Civil, Brigada Militar, Bombeiros e Instituto Médico Legal), o primeiro procedimento é gerar um Boletim de Ocorrência. Desse modo, haverá a investigação da veracidade dos fatos.

Porém, como se pode verificar de início, estas ações necessitam intervenções humanas que, em muitos momentos, são falhas. Exemplo: se no momento da entrada do paciente no posto de atendimento, o agente de segurança não estiver no local, a notificação do caso dependerá da ligação de alguém do Hospital para informar o fato à Policia Civil para gerar a confecção do registro do fato. Sendo assim, uma morte contabilizada como mal súbito pode ser um suicídio por ingestão em excesso de medicamentos e, neste caso, se há um médico que trata esta pessoa poderá ser gerado o atestado de óbito com "causas mortis" diferente da real. Na mesma medida, uma pessoa que se precipita de um local alto ou joga-se frente a um veículo e vem a falecer, será atestada como "causa da morte" acidente de trânsito ou queda acidental, se não houver uma investigação mais profunda. Lembra-se que frequentemente são escondidas as ações suicidas por vergonha, principal motivo pelo qual a família prefere ver qualquer outra causa de morte que não o suicídio no atestado de óbito de um parente próximo.

É neste ponto que se questiona até que ponto as formas oficialmente institucionalizadas de registro de suicídio em nossa sociedade são capazes de fornecer informações suficientes para dar cabo de qualquer trabalho de políticas publicas voltados a ações concretas de prevenção ao suicídio. A principal preocupação é a investigação da forma do levantamento estatístico, ou melhor, de como são formadas as tabelas demonstrativas pelos órgãos responsáveis, a partir de como eles definem o que é e o que não é suicídio.

A curiosidade em relação ao tema surgiu durante o transcorrer das atividades cotidianas da profissão de Policial Militar, na qual há o envolvimento em ocorrências de mortes violentas (inclusive na forma do suicídio). Tal impressão consolidou-se como projeto de pesquisa ao longo da realização do curso de Ciências Sociais, cujos estudos ajudaram a aguçar a percepção em torno da problematização da questão.

Encontra-se em uma citação de HECK (1994) uma teorização relacionada à saúde coletiva, na qual se pode observar que o conceito de saúde ali ventilado vem ao encontro das dúvidas quanto à forma como o assunto suicídio vem sendo tratado. Nele, a saúde é considerada a

resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso a posse da terra e acesso aos serviços de saúde, é assim antes de tudo o resultado das formas de organização social da produção as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.

Em um segundo momento, houve a pesquisa dos registros de suicídio em Pelotas e em alguns municípios próximos, pertencentes ao Posto Regional de Medicina Legal de Pelotas, constando os registros do período de 1995 a 1999. Este trabalho teve abrangência nos municípios de: Pelotas, Canguçu, Piratini, Morro Redondo, Capão do Leão, Pedro Osório, São Lourenço do Sul, Cerrito, Santana da Boa Vista, Jaguarão, Arroio Grande e Turuçu,

Por meio de declarações e entrevistas com responsáveis por trabalhos com suicidas e/ou aqueles que tentam contra a própria vida, mas não logram êxito, buscou-se compreender a realidade dos números que envolvem este fenômeno social, porém que se encontram totalmente obscuros em nossa sociedade.

A partir da bibliografia escolhida e estudada, passou-se para a etapa de pesquisa de campo, por meio da coleta de dados e entrevistas com profissionais das diversas instituições, tais como: Posto Médico Legal de Pelotas, Hospital de Pronto Socorro da Fundação de Apoio Universitário (FAU) de Pelotas, instituições psiquiátricas da região, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Polícia Civil e Brigada Militar.

O trabalho está estruturado em três capítulos. O primeiro traz uma breve revisão bibliográfica sobre o tema do suicídio, com ênfase à abordagem de Durkheim, hoje clássica no pensamento sociológico. O segundo faz um levantamento dos procedimentos adotados pela esfera policial, quando investiga uma morte ou uma situação que poderia ter resultado da morte de alguém, notadamente para defini-la como "suicídio" ou "homicídio". A base para a construção deste capítulo se deu por intermédio de entrevistas.

Por fim, o capítulo três apresenta alguns levantamentos de informações relativas ao suicídio, na região, nos anos 1990. É importante destacar que o levantamento este condicionada a duas situações: o acesso às informações e a existência e a qualidade dessas informações, pois, como o trabalho vai mostrar, é necessário desconfiar de o quanto esses dados correspondem, de fato, aos índices de suicídios. Preconceitos, dificuldades técnicas e a própria complexidade inerente ao suicídio ajudam a mascarar os dados. Da mesma forma, quando essas informações existem, verifica-se a imprecisão e a incompletude de vários dos dados, o que mais uma vez põe em xeque a veracidade dessas informações e a capacidade que tem o Estado ou mesmo a sociedade civil para, a partir dele, pensar o problema e projetar possíveis prevenções.

Nesse sentido, a realização desse trabalho, sabidamente incompleto e limitado, serve como uma alerta para um problema que, até o momento, passa despercebido ou conscientemente é desconsiderado pelo Estado como um todo, as áreas de segurança pública e de saúde em especial. O compromisso das Ciências Sociais passa por essa capacidade de questionar e problematizar as situações sociais, o que, espera-se, tenha sido o caso desta singela pesquisa.






CAPÍTULO 1

Mesmo considerando que a sociedade dispõe de serviços de prevenção aos atos suicidas através de importante atuação dos CVV (Centro de Valorização da Vida) e do valioso trabalho das equipes de salvamento do Corpo de Bombeiros, não se pode deixar de constatar que é pequena a abrangência de ação, se for comparada com a extensão dos fatos. Além disso, conta-se com esporádicos trabalhos de pesquisa que tratam deste tema, os quais têm sido realizados, em sua maioria, por profissionais na área da saúde. Talvez esta observação justifique a preocupação em realizar uma abordagem do tema em questão sob a ótica do fenômeno social.

Não é difícil entender o por quê de a sociedade preocupar-se apenas com a violência no trânsito ou os homicídios, e que não seja dada importância ao ato suicida, principalmente se for levado em consideração o quanto os dados exatos e corretos estariam afetando pessoas da região. Muitas das restrições ao tema do suicidío têm sido levadas inclusive através de orientação religiosa no sentido de "ignorar esta realidade", considerar o suicida como "um extremo pecador quem tira sua vida, provando ser descrente e não crer nem no salvador" ou, ainda, avaliar que "aqueles que tiram a própria vida queimarão no fogo do inferno".

Desta forma, parece que a realidade é mostrada de acordo com os interesses que estão por detrás de uma cortina, a qual esconde um desinteresse pela vida humana e na qual aqueles que sofrem problemas de diversos planos e que os levam a tirar de suas vidas não são merecedores de qualquer tipo de piedade. Pergunta-se se o acesso a estas informações alteraria a idéia de normalidade que vigora e segundo as normas vigentes deve vigorar na avaliação comum da nossa sociedade "livre de problemas".

Segundo YOLLES (1991), que afirma que a prevenção do suicídio na moderna sociedade americana, deve ser abordada não como um problema de saúde pública no sentido restrito, mas como um problema maior que afeta a saúde pública. É recomendada a construção de um programa de profilaxia em nível nacional, pois se trata de um desafio de bem estar social.

No final do século XIX, Durkheim escreve "Le Suicide" (1987), texto que marcou presença histórica no assunto suicídio e tem sido utilizado até os nossos dias como base para análise desta questão. Este livro será utilizado para apoiar e questionar a forma como se utiliza os dados apresentados e até as teorias criadas por seus estudos, na realidade de nossa região.

Até a época de Durkheim o suicídio era encarado como um problema de ordem moral, sendo esta ação tomada como uma afronta aos desejos divinos, já que apenas Deus, e ninguém mais, poderia dispor da vida humana. O suicídio neste período era moralmente condenado e considerado como uma quebra da ordem natural do universo, por isso aqueles que cometiam o suicídio (e sua família por extensão) sofriam várias sanções.

As consequências desse comportamento estão bem retratadas no relato pessoal de um narrador de Santo Cristo (RS), registrado em "Suicídio - Um grito sem eco" (RECK,1994, p. 59):


Eu fiquei com muita raiva deste padre em vez de dar consolo para a família xingou dizendo que o pai tinha se suicidado agora o filho também tinha se suicidado. E que se mais alguém da família se suicidasse e ele tivesse que vir fazer missa por este motivo, que não ia mais ter missa ...., xingava, xingava e depois quando tinha terminado a missa disse: - levem aquele corpo imediatamente e levem para o cemitério e enterrem lá, quem quiser pode ir junto eu não obrigo ninguém. Como se eram para nos deixar sozinhos à comunidade... Eu não sei porque fez isto. Talvez porque tinham comentários que "P" era arteiro porque a maioria da comunidade não gostava dele. Não sei, mas não deveriam fazer isto para nós, o "P" já estava morto e fizemos mal, não temo "encrenca" com ninguém. Em vez de dar um conselho calmo, isto poderíamos aceitar, mas assim bruto, humilhando desta forma.

Para Durkheim, os problemas dos indivíduos inseridos na sociedade são complexos, nem todos se adaptam às cobranças sociais dos padrões considerados aceitáveis socialmente. Há situações sociais que podem causar tanto sofrimento ao individuo que se torna impossível suportar as dificuldades que ocorrem e que muitas vezes levam à prática do suicídio. Este autor considera o ato suicida como um fenômeno que está diretamente interligado às realidades sociais. Pode-se observar um acréscimo ou diminuição no número de suicídios em certos momentos, pois as transformações sociais afetam diretamente as ações suicidas em um grupo social. Assim, constata-se que os fenômenos que abalam fortemente um grupo acarretam um incremento na ocorrência destes fatos.

Enquanto autores como DURKHEIM (1987), CASSORLA (192) e RECK (1994) trabalham o suicídio em um enforque social, encontra-se maior número ? ou melhor ? quase a totalidade das obras voltadas a este assunto abordam-no sob o olhar da área médica, buscando explicar o fenômeno apenas através da ótica psicopatológica. Logo, afirmam que os indivíduos que cometem ações contra a própria vida sofrem de algum mal congênito, o qual pode ser explicado por meio de pesquisas medicas. Eles estariam predispostos a cometer suicídio, visto que alguns já têm casos anteriores na família. E, ainda, constando que tais indivíduos haviam anteriormente passado por algum tipo de tratamento psicológico ou psiquiátrico. Estes profissionais buscam formar um perfil do suicida através de casos ocorridos anteriormente.
Concluindo seus trabalhos, estes autores dificilmente apresentam alguma solução para o fenômeno, pois crêem na erradicação dos atos suicidas à medida que se desenvolvam as descobertas de medicamentos que diminuam a emotividade humana e vençam a depressão. Como se pode observar, o estudo realizado sem uma análise de outras áreas do conhecimento humano pode encontrar resultados parciais.

Segundo MICHELETTI JR. (1972) muitos acidentes serão frequentemente inseridos nas estatísticas de suicídio e muitos casos de alienação mental poderão excluir hipótese de suicídio verdadeiro em face de impossibilidade de identificá-los. Para este autor não há suicídios que podem ser analisados como acidentes causais, como situações fortuitas, as quais podem ser verificadas nos suicídios dos doentes mentais.

Diante desta situação mórbida, o Estado se mostraria inoperante ou de certo modo, agiria conforme outros interesses como as estatísticas, visto que as ocorrências, ao que parece, têm sido manipuladas para não apresentar a sociedade uma realidade tão desestabilizadora. Além de tudo isto, numa situação real e concreta, seria necessária uma avaliação do universo de prejuízos sofridos pela sociedade em relação à perda de vidas decorrentes da ação suicida e/ou omissão dos responsáveis pelos programas preventivos do Estado que, entre outras medidas, deveria buscar meios para manter a vida e a integridade física dos indivíduos, procurando sobremaneira garantir a dignidade da vida humana e a segurança de seus cidadãos.








CAPÍTULO 2

O presente capítulo foi construído a partir de entrevistas realizadas com autoridades da área, caso de delegados de polícia, direção do Instituto Médico Legal, médicos e peritos legistas. A intenção primordial era mapear como se dá o processo de identificação e registro das tentativas de suicídio e dos óbitos oriundos dessas ações.

Buscou-se, por meio de várias fontes, pesquisar dados que se aproximassem ao máximo da realidade quanto ao registro e identificação da ação suicida na área de abrangência do Posto Regional Médico Legal de Pelotas.

Durante o período em que dados sobre o suicídio foram pesquisados em locais como IML, Cartórios de Registros, Delegacia de Policia Civil, Hospitais de Pronto Socorro, foi-se, gradativamente, construindo como se dá a atuação dos órgãos envolvidos no ato suicida.

Primeiramente quando o indivíduo não consuma o seu ato de forma direta, ou seja, não alcança o objetivo de morrer, este ferido é encaminhado ao Pronto Socorro Municipal. O caso deve ser informado aos órgãos policiais, sendo redigido um boletim de ocorrência policial (B. O.). É por meio deste boletim que é instaurado um processo investigatório quanto à veracidade do ato suicida. Esta ação depende totalmente do responsável pelo Pronto Socorro informar aos órgãos policiais e estes efetuarem o registro na forma de tentativa de suicídio e não como envenenamento acidental, por exemplo. Depende também da declaração de parentes e de pessoas próximas de não tentarem mascarar a real ação desta pessoa, declararem as reais ações desta e se a esta já havia falado em suicídio. Outro problema frequente é o de se pensar e encaminhar a ocorrência como um acidente, ocorrendo apenas posteriormente a todos os registros, o fato de algum familiar encontrar o bilhete suicida desta pessoa.

A socorrista do Hospital da FAU entrevistada indica que: "sempre que for verificado ferimento por arma de fogo ou faca é informada a Policia Civil que se desloca até o Pronto Socorro para apanhar melhores detalhes sobre o fato. Quando não há o óbito e há recuperação do paciente, este é encaminhado a um instituto de saúde mental para tratamento especializado. Os procedimentos de socorro são normais a qualquer paciente com a mesma patologia. Mesmo no prontuário nada irá constar sobre suicídio sendo apenas trabalhado pela equipe de saúde mental que efetuará o encaminhamento, sendo que nenhum outro funcionário saberá a causa real do atendimento." O depoimento é bastante contundente: casos de tentativas de suicídio em que não há óbito têm a tendência a desaparecerem das estatísticas.

Na hipótese de ter ocorrido óbito ? independentemente de ter havido atendimento ou não pela rede de saúde pública ?, obedecendo a nossa realidade as investigações têm inicio em casos em que há suspeita de suicídio ou homicídio. A intenção é confirmar se o ato foi de livre e espontânea vontade ou crime capitulado no Código Penal brasileiro de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122 do cód. penal).

Após ter sido confeccionado o boletim de ocorrência policial (B. O.), por solicitação do Delegado responsável pela investigação, o corpo da vítima vai para o Posto de Medicina Legal de Pelotas para ser necropsiado e, se for o caso, serem realizados exames específicos de toxologia para verificar a real "causas mortis". A polícia conta com vários recursos para investigar um provável caso de suicídio, como: perícia médica, ações de policia técnica, sem contar como equipamentos modernos de elevada precisão, em especial testes de DNA. Todavia esta tecnologia aproxima-se da Capital Porto Alegre e distancia-se do interior de forma inversamente proporcional.

Um dos médicos peritos do Posto Médico Legal de Pelotas evidencia que nos casos de suicídio, a intenção é verificar dados que possam confirmar o suposto suicídio, não havendo indícios de crime como resquícios de pólvora nas mãos de quem deu-se um tiro, verificação da trajetória do projétil, se alguém que jogou-se do alto de um prédio não foi empurrado e principalmente se os traumas que o corpo possui e levou a morte são do meio empregado para cometimento do suicídio, se não foi drogado, envenenado. Na mesma linha, outro perito indica que: "a função do Posto Medico Legal de Pelotas nos casos de suicídio verificar a veracidade ou seja comparar as lesões sofridas pelo individuo com as que deveriam existir no suicídio e se há outras que indiquem outra causa da morte (envenenamento, drogadição, pancada na cabeça, etc.) diferentes das levantadas no local do suicídio e relatadas por amigos ou parentes."

É nesse momento em que se verifica a "causa mortis". Os exames serão encaminhados ao Delegado responsável pela equipe de investigação para constar nos autos do processo e verificar se há procedência nas declarações das pessoas que estavam próximas ao fato ou que chegaram rapidamente ao local.

Nesta situação, o Posto de Medicina Legal de Pelotas só auxilia na investigação da "causas mortis", mas o restante da investigação fica a cargo da equipe responsável, verificando a trajetória do projétil, a posição do auto-flagelo, desta forma dando ou retirando a consistência da história contada pelos mais próximos ou aqueles que testemunharam os fatos.

Em casos como os de tiro e enforcamento, esses exames podem produzir resultados bastante conclusivos. No entanto, há situações mais "subjetivas", como a precipitação de um lugar alto, jogar-se em direção a veículos, jogar-se sob trens e ingerir produtos venenosos ou que a quantidade excessiva traga como resultado o óbito. Essas são situações que frequentemente confundem-se com acidentes involuntários e eventuais homicídios e dificultam classificar ou não como suicídio. A isto se deve agregar a vergonha dos familiares que os leva a esconder, omitir e até forjar fatos importantes para a real classificação da morte como suicídio.

Estas situações somadas ao descaso dos órgãos responsáveis por catalogar ações suicidas, as quais estão presentes em nossa realidade, levam frequentemente ao erro na identificação do suicídio. E é bom que se diga, erros que sempre sub-avaliam os suicídios e, desse modo, acabam por disfarçar esta realidade, em uma sociedade que não é estática, muito pelo contrário, é dinâmica e leva o individuo a contradições que frequentemente acabam na omissão do Estado e da sociedade e levam o indivíduo ao ato em si de tirar a própria vida.

Cita-se aqui um exemplo das dificuldades em caracterizar o suicídio, verificado no relato de CASSORLA (1991, p.48):

Um estudo americano mostrou que num centro de tratamento de envenenamento 42 % dos casos foram considerados acidentais, 58 % tentativas de suicídio, feita uma avaliação cuidadosa os índices foram alterados para 72 % de gestos e tentativas, 2% tentativas de homicídio e restante ingestão acidental.

Dentre os passos seguidos pelos agentes de investigação, primeiramente a equipe irá descobrir a situação do falecido: se sofria de doenças psicológicas, se fazia algum tipo de tratamento psicológico, se fazia tratamento psiquiátrico, se tinha problemas mentais, se possuía dívidas, se utilizava drogas. Outro passo é a investigação familiar para verificar se havia caso de desequilíbrio na família, se este é o primeiro suicídio na família, as atitudes adotadas por ele no período anterior ao suicídio, se foi sinalizado à família essa intenção. Um dos delegados indica que se investiga "se não há alguém que lucre com esta morte tendo grande interesse que ela ocorra. Se o suicida tinha algum histórico medico e se já havia tentado suicídio em outras ocasiões, se havia contraído alguma doença grave ou dividas muito grandes, Questões estas que serão básicas para comprovação do ato suicida. O trabalho da medicina legal é muito importante, pois é o que fortalece as teorias sobre o fato e os qualifica como verdadeiros ou falsos. A investigação em muitos casos é necessária para que não reste duvidas sobre a autoria do fato."

A grafoscopia surge aqui como um meio de verificar a letra do suicida e confirmar se é de autoria do mesmo qualquer mensagem escrita, se estava sofrendo algum tipo de transtorno de sofrimento. O diretor do IML informa que: se o suicida deixou algum bilhete que poderá ser analisada pelo grafocopista que verá se a letra é realmente deste, normalmente suicidas alteram um pouco a letra quando em sofrimento mental, sendo catalogadas alterações de escrita nestes casos."

Estas investigações, na maioria das vezes, não ocorrem por desinteresse dos órgãos responsáveis, da própria família (que se envergonha da situação), bem como e por falta de efetivo para investigar algo que não tem tanta importância, quando comparado a roubos e a homicídios. Sem esquecer das falhas humanas no acionamento da Policia investigativa. Pode-se ver isto na declaração de CASSORLA (1991 p. 47): "devemos lembrar-nos ainda que uma proporção não sabida de atos suicidas passam por acidentes. Estudos americanos indicam que isto ocorre em 50 % dos suicídios exitoso que um quarto dos acidentes de trânsito teriam comportamento suicida consciente".

Logo, há casos de aparecer no atestado de óbito a "causas mortis" suicídio, mas não é o usual, normalmente aparece a causa: "asfixia mecânica" (enforcamento), "substância tóxica"( envenenamento), "deslocamento da vertebra x" (enforcamento), fratura de crânio, acidente de trânsito, insuficiência cardio-respiratório. Nesta realidade se torna muito difícil de se investigar o suicídio pelos atestados de óbito, se o indivíduo não compreender as formas de descrição médica certamente irá refutar muitos casos de óbito por suicídio definindo como outras causas. "No atestado de óbito a "causa mortis" já vem identificada pelo médico que atestou a morte, o que é repassado pela Delegacia responsável pela investigação", indica um policial consultado pela pesquisa.

Desse modo, não surpreende o depoimento da chefia do corpo de bombeiros, que afirma que nos 12 anos que está a frente do 3º SubGrupamento de Combate a Incêndio de Pelotas (3º SGCIPEL), não houve nenhum caso de salvamento de tentativa de suicídio na cidade de Pelotas. O 3º SGCI possui um grupo de socorristas preparados a prestar socorro ás vitimas de tentativa de suicídio. Porém o grupo de socorro atua somente em ações de emergência identificando suas ações por fichas as quais são identificadas as ações por códigos conforme o serviço prestado, logo o Corpo de Bombeiros não define no seu atendimento a causa do acidente ou da lesão ficando isto á cargo da Polícia Investigativa.






CAPÍTULO 3

Neste capítulo pretende-se apresentar alguns dados relativos aos registros da incidência e as peculiaridades do suicídio na região, durante os anos 1990, coletados junto aos órgãos de segurança pública.

É necessário registrar as dificuldades encontradas para o acesso às informações, que só foram obtidas em algumas das instituições procuradas. Sem contar que a forma de registro contraria a facilidade ao acesso destes dados em muitas instituições, tais dados aparecem de forma confusa e não confiável, comprovando que não há interesse dos órgãos do Estado ou de alguma ONG nestes dados.

Comprovando a dificuldade utiliza-se como exemplo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o qual não possui dados referentes ao suicídio, constando nos anuários deste dados referentes a todos os tipos de mortes violentas, porém o suicídio não é para este instituto considerado como tal.

Na obra de HECK (1994, p. 51) encontramos uma nota de rodapé a seguinte observação que corrobora o processo de investigação aqui adotado:

até 1991 os funcionários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), faziam o levantamento em cada município, pesquisando os casos de acordo com o processo de ocorrência policial. A partir de 1992, conforme relato verbal esta informação passou s ter como fonte o Departamento de Policia Civil do Estado.


3.1 ? Incidência do fenômeno

O levantamento de dados relativos ao período 1995-1999 indica 236 casos classificados como suicídio pelos órgãos de segurança.
A média é de 47 casos por ano, sendo que 1996 e 1997 registram incidência acima dessa média (50 e 62 casos, respectivamente) e 1995 e 1996 estão muito próximos a este índice (46 e 47 casos, respectivamente). O último ano da amostra, 1999, é o que registra o menor índice (41 casos).


Tabela 1 ? Incidência dos casos de suicídio, na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999
Período N
1995 46
1996 50
1997 62
1998 47
1999 41
Total 236
Fonte: Posto Médico Legal de Pelotas


3.2 ? Classificação por Grupo Etário

O suicídio é um fenômeno que abarca uma faixa etária diversificada desde adolescentes até idosos de mais de 80 anos, na área delimitada pelo Posto Médico Legal de Pelotas, como pode ser observado na tabela 2.



Tabela 2 ? Incidência dos casos de suicídio, na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999, conforme a faixa etária
Faixa etária 1995 1996 1997 1998 1999 Total
11-20 4 5 2 3 4 18
21-30 12 11 8 2 7 40
31-40 7 8 9 14 4 42
41-50 8 9 12 11 7 47
51-60 6 3 8 6 4 27
61-70 3 9 8 3 6 29
71-80 1 2 7 4 4 18
81-100 2 1 3 1 2 10
N. I. 3 2 5 3 2 15
TOTAL 46 50 62 47 41 236
Fonte: Posto Médico Legal de Pelotas


Na observação da tabela verifica-se a informação de que nos anos de 1995 a 1999 não houve nenhum caso de suicídio de menor de dez (10) anos. Observação semelhante foi realizada por CASSORLA (1991, p. 48), na qual ele informa que não foi encontrada nenhuma tentativa abaixo de doze (12) anos. Isso significa que, de fato, não ocorreram ou provavelmente foram diagnosticadas como acidentes, e não como suicídio.
Como seria de se esperar, a incidência é maior na faixa etária de 20 a 50 anos, que concentra 54% dos casos. A partir dos 50 anos, a freqüência se reduz.


3.3 ? A Questão vista pelo gênero

Os registros relativos a gênero apontam para a maior incidência dos casos de suicídios entre os homens, que respondem por praticamente 70% dos registros ocorridos no Posto Médico Legal de Pelotas (RS), no período 1995-1999.


Tabela 3 ? Incidência dos casos de suicídio, na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999, conforme o gênero
Gênero N
Masculino 163
Feminino 73
Total 236
Fonte: Posto Médico Legal de Pelotas

3.4 ? Classificação conforme os recursos utilizados para o ato suicida

Quando uma pessoa decide atentar contra a própria vida frequentemente utiliza-se de meios precisos para levar este desejo até o fim, ou seja, a extinção da vida (morte). Os dados coletados também permitem mapear os recursos utilizados pelos suicidas, o que ajuda a identificar a relação que essas pessoas estabelecem com a ação de acabar ou tentar acabar com a sua vida. No entanto, é preciso esclarecer que nem todos os 236 casos registrados continham os dados completos, capazes de trazer este tipo de informação. Assim, as informações referem-se a 114 casos.


Tabela 4 ? Recurso utilizado pelo suicida na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999
Recurso N
Arma de fogo 38
Enforcamento 59
Envenenamento 4
Corte de veias calibrosas 1
Afogamento 2
Indefinido 10
Total 114
Fonte: Posto Médico Legal de Pelotas


Casos em que o indivíduo pode utilizar-se dos seguintes expedientes suicidas que poderão levá-lo ou não ao óbito. Dentre os meios mais comuns estão:
1. Enforcamento ? "causa mortis" por asfixia mecânica. Juntamente com o disparo de arma de fogo, é o mais frequente em casos de suicídio tanto em área urbana como em áreas rurais. No período em questão, houve 59 desses casos, correspondentes a pouco mais da metade dos 114 registros (51,7%).
2. Disparo de arma de fogo ? é de utilização disseminada e, juntamente com o enforcamento, chega a índice de cerca de 85%.
3. Envenenamento e ingestão de alta dose de remédios ? confundem-se seguidamente com acidentes domésticos, talvez por este motivo, raramente são contabilizados como suicídio. No período em questão, há quatro registros.
4. Corte de veias calibrosas (vulgo cortar os pulsos) ? raros os caos de óbito por esta ação, porém este é um das que denunciam ação suicida, sendo que se primeiramente não lograr êxito frequentemente haverá outras tentativas com meios mais eficientes.
5. Afogamento ? junto ao Posto Medico Legal de Pelotas foram colhidas informações de um caso, acontecido a 18 de fevereiro de 1995, quando um homem de 25 anos, profissão vendedor e que se suicidou por afogamento, tendo deixado um bilhete, no qual informava sua ação. Porém, como tem sido ponderado ao longo do trabalho, este caso foi registrado como afogamento e não constou para as estatísticas de suicídio;

Não constam desse levantamento, mas foram arrolados pelos entrevistados outros três recursos. O primeiro deles é projetar-se de lugares altos, nos quais, especialmente na área rural confunde-se com acidentes caseiros ou de trabalho. O segundo tipo é jogar-se frente a veículos em movimento. Junto ao Posto Medico Legal de Pelotas colheu-se informação que a 17 de dezembro de 1996 uma dona de casa de 27 anos, após três tentativas de suicídio (jogando-se contra veículos pequenos) conseguiu lograr êxito em seu intento suicida ao jogar-se embaixo de um ônibus. Também este caso não foi registrado como suicídio, e sim como acidente de trânsito. Por fim, figura a facada no coração, trata-se de um caso sui generis de uma senhora de mais de 80 anos que se apunhalou na região do coração, sendo que foi investigado visto haver muitas dúvidas quanto a ter sido, de fato, suicídio. Após inquérito policial, foi definido como tal.



Tabela 5 ? Recurso utilizado pelo suicida na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999, conforme a faixa etária
Idade Arma fogo Enforc. Envenen. Corte Afogam. Indefin. Total
11-20 2 3 - - - 1 6
21-30 8 11 2 - - 1 22
31-40 5 10 2 - 1 2 20
41-50 12 11 - - - - 23
51-60 4 6 - - - 5 15
61-70 3 12 - 1 1 1 18
71-80 2 5 - - - - 7
81-100 2 - - - - - 2
N. I. - 1 - - - - 1
Total 38 59 4 1 2 10 114
Fonte: Posto Médico Legal de Pelotas


Ao discriminar-se os dados por recurso utilizado e faixa etária dos autores do suicídio, verifica-se a maior incidência do uso de arma de fogo por quem estava na faixa de 41-50 anos, que concentra 12 dos 38 casos (cerca de um terço). No caso de enforcamento, a incidência está mais bem distribuída entre diferentes faixas etárias (10 a 12 casos, entre 21 e 50 anos). Destaque, ainda, ao fato de essa alternativa ter sido utilizada na mesma medida pela faixa etária dos 61 a 70 anos.

No que tange aos recursos com menor incidência, o que prejudica a validade das informações, a evidenciar que os quatro casos de envenenamento concentram-se no público mais jovem (21-40 anos), enquanto corte e afogamento foi escolhido pela faixa etária mais elevada (61-70 anos).

Quando os dados são discriminados por gênero, verifica-se a maior incidência do suicídio entre os homens: dos 114 casos, 91 ou praticamente 80% foram praticados pelo gênero masculino, contra 23 ou 20% do gênero feminino.



Tabela 6 ? Recurso utilizado pelo suicida na região de Pelotas (RS), no período 1995-1999, conforme o gênero
Recurso Masculino Feminino
Arma de fogo 27 11
Enforcamento 49 10
Envenenamento 4 -
Corte de veias calibrosas 1 -
Afogamento 2 -
Indefinido 8 2
Total 91 23
Fonte: Posto Médico Legal de Pelotas


Ao relacionar-se o tipo de recurso utilizado por sexo, os dados também mostram diferenças entre os tipos preferidos. Pode-se dizer que, no período e conforme os registros coletados, as mulheres utilizaram-se de apenas dois meios identificados: arma de fogo e enforcamento, enquanto o gênero masculino diversificou mais os recursos, embora haja inegável concentração nas armas de fogo e enforcamento. Em termos percentuais, por conta da peculiaridade citada acima, o gênero feminino se serve mais intensamente das armas de fogo do que os homens (47% a 29%), enquanto o gênero masculino se utiliza mais intensamente do enforcamento (53% a 43%)








CONCLUSÃO

Em geral, os suicidas são impulsionados aos seus atos por problemas econômicos, afetivos ou de saúde, os quais podem ser aguçados por outras questões sociais, não descartados, obviamente, os casos de patologias. O profissional que busca trabalhar esta questão tem que ter consciência de analisar o problema em todas as áreas do conhecimento humano. Como se pode observar até aqui, o que foi informado tanto em entrevista como em obras escritas, os conceitos da área médica diferem bastante dos conceitos da área de Ciências Sociais, os quais também diferem dos perfis levantados nas áreas psiquiátricas e psicológicas.

Tais diferenças baseiam-se na forma de investigação do cientista em cada uma destas áreas, cada qual busca definir o fenômeno dentro da realidade na qual está inserido. Porém, as definições sociais aplicam-se às duas realidades (patológicas e sociais), na intenção de definir o perfil suicida. Em outros termos: quando se busca analisar uma realidade na sociedade, precisa-se efetuar uma investigação da forma mais completa possível, ou seja, analisar os aspectos psicológicos, econômicos, sócio-culturais, religiosos, de gênero, raciais, políticos, etc. Enfim, buscar compreender a teia que forma a sociedade na qual o indivíduo está totalmente inserido.

Uma vez que a realidade pode dar origem, em muitos momentos, a patologia do indivíduo, e não como se supõe na área de saúde, esta examina as questões tomando como base as informações da hereditariedade. Logicamente, parece que para um estudo ter valor científico precisa-se analisar o indivíduo e a sociedade a qual ele pertence e como esta sociedade age sobre as atitudes e os pensamentos deste.
Nossa proposta é de que deve ser efetuada uma analise através dos agentes internos e externos que podem levar o indivíduo a agir contra a própria vida aniquilando-a.

Um exemplo realístico, apesar de chocante, está no grande número de suicídios entre os povos indígenas, sendo este um dos maiores exemplos de como as causas externas afetam os indivíduos, visto, como se sabe, o suicídio nestes povos é causado pela invasão do povo branco às suas terras e a destruição de sua cultura, havendo, frente a isto, um grande descaso dos governantes à causa indígena uma vez que esta população hoje se encontra em estado de miséria. O ato suicida, neste caso, é uma forma de protesto contra esta realidade e também uma forma de o índio escapar da situação em que é colocado (resistindo à opressão) e de onde parece não haver como escapar.

CASSORLA (1992) chama a atenção para a forma como a sociedade trata os indivíduos que cometem o suicídio ou aqueles que tentam acabar com a própria vida. Até mesmo as equipes médicas ao socorrerem já julgaram e condenaram o suicida, o qual enfrenta a teoria do sopro divino que deu-nos a vida. Nesses casos são frequentemente tratados como criminosos da pior espécie, sendo suturados sem anestesia durante procedimentos onde tal ato é o normalmente aplicado para amenizar a dor. Frequentemente criticados por profissionais da saúde abertamente a ação do suicida sem o conhecimento do que realmente levou a esta ação. Talvez aconteça através de um pré-julgamento que todos nós inseridos na sociedade estamos propensos a fazer.

Por meio da observação e dos estudos realizados para este trabalho pode-se afirmar que os dados estatísticos sobre o suicídio são falhos e isto se deve a vários fatores, os quais incluem desde dificuldades de conceituação até aspectos socioculturais, segundo CASSORLA (1991, p. 47): "certamente a subestimação estatística será mais intensa quando se tratam de crianças e adolescentes onde atos autodestrutivos serão negados e até escondidos pela família fato a maior sentimento de culpa ou vergonha."

O que o estudo levantou para além de dados subestimados, a questão principal é que não se conhece a realidade do suicídio na região, os casos se diluem na definição da "causa da morte" e não na razão pela qual o indivíduo morreu (ou melhor, se matou). Sendo assim, torna-se difícil falar efetivamente sobre este fenômeno social, haja vista que ele não é conhecido, e sim tem sido escamoteado, seja por imprecisão dos órgão de saúde e de segurança pública, seja por causa do preconceito que cerca este ato social. Aliás, como Durkheim anotou ainda no século XIX, mas continua a ser uma importante lição, algo esquecida ou negligenciada, o suicídio não é um ato individual, cometido por alguém desesperado ou com a fé abalada, trata-se de um ato social, cujas motivações, explicações e a plena compreensão para pela sociedade na qual o indivíduo está inserido.

Nesse sentido, como o estudo procurou demonstrar, estamos negando, consciente ou inconscientemente, a realidade do suicídio em nossa sociedade e deixando de problematizar uma questão complexa, mas importante.












REFERÊNCIAS

1. Material bibliográfico

BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAGIA E ESTATÍSTICA. FUNDAÇÃO, Censo Demográfico do Rio Grande do Sul década 90. Rio de Janeiro, 1991.
CASSORLA, Roosevelt M. S. O que é suicídio. 4ed. São Paulo: Brasiliense,1992.
CLÁUDIO, Chaves. O Suicídio como um problema teórico. Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Federal de Minas Gerais.
DE ÁVILA, Enir Madruga. Induzimento, Instigação e Auxílio ao Suicídio. Considerações sobre o atr. 122 do Código Penal. Santa Cruz do Sul: UNISC, 1998.
DURKHEIM, Emile. O Suicídio. 4ed. Lisboa: Presença, 1987.
FUNDAÇÃO IBGE, Anuário Estatístico Brasileiro 1990 á 1999, Rio de Janeiro 1990 á 1999.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo. Atlas 1994.
HECK, Rita Maria. Suicídio um grito sem eco contexto social de Santo Cristo ? RS. Pelotas, RS: Editora Universitária.1994.
INSTITUTO TÉCNICO DE PESQUISA E ASSESSORIA (ITEPA). Banco de Dados da Zona Sul. Boletim Informativo. Pelotas : Educat (6 a 10), 1995
LUCKEESI, Cipriano, et al. Fazer Universidade: Uma proposta metodológica. 6ed. ? São Paulo. Cortez, 1991.
MAROCO. Armando / XAVIER, Edgar. Introdução á pesquisa científica em Ciências Humanas. São Leopoldo: Unisinos,1993.
MARREY, Adriano. Induzimento, instigação e auxilio ao suicídio. São Paulo: Edusp,1968.
MICHELETTI JUNIOR, F., 1972. Mortalidade por suicídio na cidade de São Paulo durante os anos de 1962 e 1993. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Medicina. Universidade de São Paulo.


2. Entrevistas

Benfica. Diretor do IML de Porto Alegre.
Carlos Conjales. Escrivão do Cartório de Registros.
Harter. Delegado da 1ª Delegacia de Polícia Civil de Pelotas.
Leonel Baldasse Pires. Delegado Supervisor do Centro de Operações da Polícia Civil de Pelotas.
Luís Roberto Ruschel. Médico Perito do Posto Médico Legal de Pelotas.
Luiza Assumpção. Repórter Policial.
Major Claudionor. Cmt do 3º SGCI ? Pelotas.
Maria Claudete Duarte. Médica Perita do Posto Médico Legal de Pelotas.
Neli Baraz Duval. Auxiliar de Perícia do Posto Médico Legal de Pelotas.










Autor: Flavio Luis Farias Garcias


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