Nem livre-arbítrio, nem predestinação.



Existe um debate acirrado sobre a questão do ser humano ter ou não ter livre-arbítrio, o que parece absurdo para um bom observador que consegue perceber que não existe a palavra arbítrio e tão pouco o termo "livre-arbítrio" na Bíblia Sagrada que se apresenta aos homens como um livro de princípios morais a serem seguidos para que tenha o homem à vida eterna em plena felicidade ou a morte eterna em pleno sofrimento. Mesmo que se alegue que a Bíblia está escrita em linguagem simbólica, e por isso precisamos interpretar a palavra "liberdade", "vontade" e "livre", somos submetidos a aceitar que a mesma Bíblia também está escrita em linguagem literal, o que nos faz entender que as palavras citadas não são simbologias, elas dizem o que servem para dizer e não o que queremos que elas signifiquem. Doutro lado, os opositores ao livre-arbítrio afirmam que existe então predestinação, o que é absurdo por tornar a vinda de Cristo na Terra desnecessária, pois seria apenas uma visita sendo que nada precisava ser dito, pois os "escolhidos" já estavam escolhidos para a vida eterna assim como outros já estavam fadados à morte eterna.
Muitos foram os filósofos, teólogos e teóricos que se ocuparam em explicar a "liberdade" humana. Os gregos articularam o conceito de liberdade (eleuteria) ao de necessidade (ananke), de destino (moira ? heimarmene - pepromene) e o acaso (tyche). Mas, a liberdade dos gregos estava distante da significação que a mesma palavra teria para o homem dos séculos posteriores, os gregos tinham por liberdade algo com conotação fortemente politica e jurídica, algo como ser livre significava pertencer ao povo, à liberdade não tinha relação com a vontade. O homem homérico tinha apenas o direito de enfrentar seu próprio destino e enfrentar assim suas limitações que de algum modo estavam constantemente sendo testadas pelos deuses. Com a chegada da filosofia socrática a ideia de liberdade estará assentada no conhecimento que tem por finalidade mensurar, avaliar e ponderar as ações que devem se voltar para o bem comunitário. Com Platão a liberdade continua sendo uma ação que deve volta-se para o bem em rejeição ao que é inferior a virtude. Até aqui não há o que será denominado mais tarde de "livre-arbítrio" como livre escolha. Aristóteles por sua vez entende que o agir humano está no terreno do acaso (tyché), que é proveniente de escolhas deliberadas, de qualquer modo sua concepção continua voltada para as ações benignas para a comunidade. É com Santo Agostinho que a ideia de ser livre, toma corpo com o "livre-arbítrio" que o filosofo inaugura a liberdade como uma vontade livre. Com o advento do protestantismo Martinho Lutero rejeitará a ideia de livre-arbítrio. Porém, atualmente muitos são os que acreditam fielmente no livre ? arbítrio. A questão é o que difere o livre-arbítrio da liberdade de escolha, da liberdade de ação?
A palavra livre - arbítrio deriva do latim, leberum arbitrium que denota algo como "decisão livre ou aquele que se chama para atestar uma verdade ou senhor das decisões". No Oxford latin dictionaty o léxico "arbitrium" é definido como: Julgamento independente. O poder de julgar ou decidir, o resultado de julgamento ou de decisão, veredicto do julgamento. No dicionário de filosofia o termo arbítrio significa a faculdade que tem o individuo de determinar sua conduta, autodeterminação, liberdade com independência de constrangimento. Confrontando o sentido literal da palavra arbítrio com o sentido filosófico ocorrem contradições, enquanto literalmente a palavra está relacionada a julgamento o termo filosófico está para liberdade independente de qualquer coisa. Desse modo o arbítrio é uma vontade no pior sentido da palavra, pois parte da vontade sem qualquer impedimento, sem qualquer respeito pelo poder dos agentes morais que regem uma sociedade ou conceitos e princípios morais. Sem dependência de leis ou de Deus. O homem seria livre para escolher sem dependência para realizar suas escolhas, sem obediência às leis divinas e muito menos humana, porque seu julgo sobre sua vontade seria supremo.
O livre - arbítrio não leva em conta nada além da própria vontade de quem o detém. Isso está mais para libertinagem do que para liberdade; enquanto a libertinagem é uma atitude que rejeita os princípios morais e conjunto de crenças e princípios, a liberdade se propõe atender os princípios morais e jurídicos estabelecidos socialmente, o conjunto de leis que servem para ordenar as atitudes em que o direito de um não vá contra os direitos de outrem. Liberdade está para a moral e a libertinagem está para a amoralidade. Montesquieu no livro "o espirito das leis" (1996, p.11) diz que "as leis são as relações que se encontram entre elas e os diferentes seres, e as relações destes diferentes seres entre si". Ou seja, as leis são formadas por relação de convivência entre os seres e depois entre as leis e eles vice-versa. A liberdade por sua vez é entendida como obediência as leis, as proibições favorecem as ações e a desobediência restringe a liberdade de ação.

"Deve-se ter em mente o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, porque os outros também teriam este poder." (MONTESQUIEU. 1996, p. 166)


Desse modo, se fosse dado ao ser humano o poder da desobediência à obediência seria a restrição legal e a desobediência seria um dos comportamentos entendidos como formadores do sentimento de liberdade. Assim, as leis são os princípios de liberdade e agir contrário a esses princípios é agir para que eles prevaleçam. Quando entendo o livre-arbítrio num sentido possível de existir estou acreditando numa condição de liberdade impossível, pois ou há leis e liberdade ou há livre-arbítrio e libertinagem.
Quando o livre - arbítrio é proposto como "vontade livre" por santo Agostinho, ocorre a limitação do termo arbítrio ao sentido "vontade", limitação essa que induzirá divagações infindáveis, pois o foco de analise e estudo será a "vontade" que por sua vez não está relacionada à condição de julgamento, pois ter vontade não é ter autoridade para julgar algo como certo mesmo que o ato julgado esteja errado. A discursão em torno da "vontade" que se estende há explicações relativistas (pois se alteram conforme a época, o lugar, o grupo social e os indivíduos que conceitua a vontade humana) não pode ser ponto de partida para a discursão do termo julgamento porque a vontade tenta se isentar de responsabilidades enquanto o julgar se assenta em leis que não são feitas para serem reescritas segundo a vontade de cada um por capricho do seu egoísmo, mas para inibir o pecado que segundo Paulo, o "salario do pecado é a morte"; não a morte física e sim o sofrimento da morte na condição espiritual. As leis estão relacionadas entre si e ao ser transgredidas consequentemente acionam punições para o infrator. Tiago diz que ao ser quebrada uma lei outras serão infringidas.


"Mas, se vocês tratam as pessoas pela aparência, estão pecando, e a lei os condena como culpados. Porque quem quebrar um só mandamento da lei é culpado de quebrar todas. Pois, o mesmo que disse: ?Não cometa adultério? também disse: ?Não mate?. Mesmo que você não cometa adultério, será culpado de quebrar a lei se matar." (BÍBLIA. Tiago 2: 9 ? 11)

O ser humano deve ser livre, mas que essa liberdade só se dar pela obediência as leis, não se pode ser livre por vontade egoísta. A vontade egoísta nada mais é que obediência à vontade que sempre busca autossatisfação e auto-justificação, o egoísta o é por uma vontade de satisfação pessoal. O livre-arbítrio, se possível de existir, seria uma vontade egoísta. Quando digo que Deus deu ao homem o "livre ? arbítrio", estou definindo Deus como um Ser contraditório, pois estarei concordando que o egoísmo é bem visto por Deus. Quando a verdade é que Deus rejeita o egoísmo por ser o egoísmo a fonte central dos problemas dos seres humanos: "Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos deleites." (BÍBLIA, Tiago 4:3). E afirma pelas palavras de Paulo aos Romanos no sexto livro do Novo Testamento, que "Deus dará a vida eterna às pessoas que perseveraram em fazer o bem e buscam a gloria, a honra e a vida imortal. Mas fará cair a sua ira e o seu castigo sobre os egoístas e sobre os que rejeitam o que é justo a fim de seguir o que é mau." (BÍBLIA, Romanos 2: 7 ? 8). Aqui fica evidente que Deus não tem participação no egoísmo humano, mas quando digo que o ser humano tem livre-arbítrio afirmo que o ser humano está contrario a vontade de Deus, por agir de modo egoísta; como já foi mostrado o egoísmo é à vontade em busca de satisfação unicamente pessoal.
Lutero rejeitou a ideia da existência do livre-arbítrio dizendo que "o livre-arbítrio não passa de uma mentira", porque só a Deus compete fazer tudo o que quiser no céu e na Terra, ao homem é dado apenas o poder de fazer algo por necessidade e não, por livre-arbítrio.

"Segue então que o livre-arbítrio é um nome inteiramente divino, que não pode competir a ninguém exceto tão somente a majestade divina. Pois, como canta o salmo 109, ela pode e faz tudo o que quer no céu e na terra. Se é atribuído aos homens, isso não seria mais do que se lhes fosse atribuída a própria divindade, e não pode haver sacrilégio maior do que esse." (LUTERO.1995,p.50)

Lutero entende que o ser humano age por necessidade que se impõe a sua existência diante das coisas que se opõe ou são favoráveis a sua vontade de agir. O que não significa que o homem seja dotado de livre-arbítrio, uma faculdade que só Deus tem por se tratar de um atributo divino, porque Deus é um governante moral que declara e administra leis morais, que sua sabedoria admite e juga. Se Deus não fosse um governante moral nada seria verdadeiro sobre Ele e menos ainda sobre como alcançar a Sua perfeição divina. Finney diz que se Deus não fosse um governante moral tudo seria forjado para confundir a verdade.

"Se Deus não é um governante moral, todo o universo, naquilo que temos meios de conhecê-lo, é forjado para confundir a humanidade no que diz respeito à sua verdade fundamental. Todas as nações têm acreditado que Deus é um governante moral." (FINNEY. 2001, p. 53)

Disso concluímos que Deus não mente, sua palavra é uma só como explica Moisés no livro de "Números" ao dizer que "Deus não é como os homens, que mentem; não é um ser humano, que muda de ideia. Quando foi que Deus prometeu e não cumpriu? ele diz que faz e faz mesmo." (BÍBLIA. Números 23:19 ). Sendo Deus um governante moral não há Nele contradições ou acusações solidas sobre conspiração contra o ser humano: "Quando alguém for tentado não diga: ?Esta tentação vem de Deus?. Pois Deus não pode ser tentado pelo mal e ele não tenta ninguém. Mas as pessoas são tentadas quando são atraídas e enganadas pelos seus próprios maus desejos." (BÍBLIA. Tiago1: 13 - 14). O ser humano tem liberdade de escolha dentro dos limites que são impostos como princípios morais estabelecidos por Deus por meio de sua palavra impressa na Bíblia. Fineey distingue dois tipos de liberdade, a primeira que está assentada sobre o amor e a segunda sobre o egoísmo. A primeira gratifica o ser humano por ser ela responsável, enquanto a outra como condição opositora do que é moral.

"A mente é livre e espontânea em seu exercício. Ela faz essa escolha quanto possui a capacidade, em todo momento, de escolher a gratificação própria como um fim. Disso, todo agente moral tem consciência. Trata-se de uma escolha livre e, portanto, responsável." (FINNEY. 2001, p. 196)

A liberdade, no sentido de capacidade de fazer uma escolha oposta, deve sempre manter-se como um atributo do egoísmo, enquanto o egoísmo continuar sendo pecado ou enquanto continuar mantendo alguma relação com a lei moral. (FINNEY. 2001, p. 244)


Enquanto a liberdade baseada no amor está pautada em responsabilidade a liberdade voltada para os desejos egoístas está alicerçada em irresponsabilidade que não se opõe ao que é errado por ser amoral diante das leis morais. A liberdade da mente humana é livre em escolher não em satisfazer os seus desejos egoísta, pois esse egoísmo pode conter condições pecaminosas para a sua realização. O ser humano é desejoso mais não pode se prestar a realizar todos seus desejos, pois muitos deles estão relacionados ao pecado. E sendo assim não há liberdade e sim cativeiro, escravidão. Sem Cristo não há liberdade: "Cristo nos libertou para que nós sejamos realmente livres. Por isso, continuem firmes como pessoas livres e não se tornem escravos novamente." (BÍBLIA, Gálatas 5: 1). Desse modo, não há liberdade fora da presença de Deus, do Espirito do Senhor. Paulo em carta a Coríntios diz que "(...) onde o Espirito do Senhor está presente, aí existe liberdade. (BÍBLIA, 2 Coríntios 3: 17). Liberdade de escolher e de combater o que é incorreto, amora e imoral, não é o mesmo que livre-arbítrio. Se o livre-arbítrio existe, sua existência só será possível no sentido egoísta da liberdade.
Até aqui ficou entendido que liberdade é adquirida com a existência de leis, quando suponho a infração das proibições como condição para se alcançar a liberdade, também estimulo a constituição de leis que transforme o que era licito como comportamento inadequado e assim estabeleço novas leis. Por exemplo: se litigar é proibido e se entendo que cometer litígios é alcançar a liberdade, logo suponho que leis serão formuladas para proibir à paz, e todo aquele que for a favor da paz será considerado criminoso por não está em acordo com os litígios. Enquanto que a liberdade se dar pela obediência as leis, a vontade se dar pelo desejo, o que não significa que sentir vontade é ter liberdade para realizar algo, somos livres para escolher não realizar desejos provenientes de vontades negativas por estarem eles em contrario as leis, logo a vontade de julgar como errado não é a vontade de julgar que sou juiz supremo sobre todo o universo, se alguém pensa assim estará se comportando como um lunático que não reconhece leis morais ou leis jurídicas. A vontade não é livre-arbítrio, pois livre-arbítrio é livre julgamento independente de qualquer outra coisa a não ser minhas vontades egoístas.
Mesmo que tenhamos entendido que a palavra arbítrio não tem relação com o termo vontade, pois a vontade é um desejo e o arbítrio um atributo de decisão suprema (Julgar), e que tão pouco tenha o arbítrio relação com a palavra liberdade, porque essa outra só é possível com leis. Ainda há que atestar ou refutar a ideia de predestinação, pois para muitos se não há livre-arbítrio então há predestinação.
O argumento mais comum para justificar a predestinação é a de que se Deus conhece o futuro, então, toda ação humana não é uma escolha livre, vontade e liberdade são postas em julgamento nessas condições.
Quanto a o fato de Deus conhecer o futuro, não significa que existe destino e sim que Deus é sabedoria absoluta e por meio da sua sabedoria Ele é capaz de prever os resultados por meios das ações humanas. Deus é omnisciente (Jó 34:21; Salmo 147:5; I Crônicas 28:9; Hebreus 4:13; Salmo 139:1-4 ), omnipresente (Jeremias 23:24; Salmo 139:7-10; Amós 9:2-3 ) e omnipotente (Gênesis 1:1; Salmo 89:8-13; Salmo 135:6; Salmo 62:11; Jeremias 10:12-13 ), ou seja, ver tudo ao mesmo tempo, está em todos os lugares ao mesmo tempo, sabe tudo de todas as coisas, então pra Deus não há dificuldade em conhecer o futuro por meio das ações dos mortais que as praticam.
Quanto à liberdade ela não é alterada por que Deus é justiça; a liberdade pode não ser liberdade se não estiver em Deus, logo a vontade é a prisão se for egoísta. E o livre-arbítrio só pode está em Deus. Se existisse predestinação a fé seria desnecessária, a vinda de Jesus na Terra também seria desnecessária; qual seria importância de divulgar as boas novas? Pra quer divulgar alguma coisa se já estava tudo determinado a ser como se planejou que deveria ser? Confrontando o livre-arbítrio com a predestinação, temos: Se o ser humano fosse dotado de livre-arbítrio, logo, não haveria predestinação, mas Deus seria desnecessário, pois o homem decidiria por si mesmo o julgo e a punição ou valorização dos seus atos, mesmo que suas ações fossem ações corruptas e pecaminosas. Se houvesse predestinação não haveria liberdade de escolher entre ir pro céu ou pro inferno. Podemos alegar que há predestinação no tocante há dois fatores que são a felicidade eterna ou o sofrimento eterno, mas se assim cremos também acreditamos que não há escapatória do sofrimento eterno e desmerecemos a felicidade por todo o sempre, que se dar unicamente pela obediência ou desobediência das leis que Deus estabeleceu por meio da sua sabedoria. Se não há livre-arbítrio e nem predestinação, então existe o que? A resposta é simples e já se mostrou no inicio desse texto: leis morais e resultados relacionados à obediência ou desobediência a essas leis, o homem é o resultado de suas ações em relação às leis morais de Deus e dos próprios homens, não há meio termo, não tem uma terceira via.


Referencias bibliográficas

BÍBLIA SAGRADA: Nova tradução na linguagem de hoje. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.
FINNEY, Charles. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
LUTERO, Martinho. Debates e Controvérsias II. Obras selecionadas. Volume 4. Rio Grande do Sul: Comissão Internacional de Literatura São Leopoldo, 1995
MONTESQUIEU. Charles de Secondat, Baron de. O espirito das leis. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Matins Fontes, 1996. (Paidéia)
Oxford latin dictionaty. Oxford at the clarendon press, 1968

Autor: Chardes Bispo Oliveira


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