A pena inibe o crime?




O crime como ação violável da lei penal e contrario a convivência harmônica em sociedade, não é um elemento contemporâneo, em toda a historia da humanidade estão registrados comportamentos considerados como violações da lei. Para inibir as ações criminosas foram estabelecidos códigos, leis e regras, sanções impostas ao individuo que comete ato ilícito e culpável. Ilícito porque está contrário à lei ou à moral, e culpável porque existe um autor a quem se atribuirá a culpa. Que os crimes existem é evidente, mas porque ainda existem e se intensificam não sabemos ao certo, apesar de varias teorias tentar explicar com base em predisposição psíquica, condicionamento socioeconômico, patologias entre outros fatores. O que nos interessa é saber se as penas inibem o crime ou, de certa forma, contribuem para a manutenção do crime. Para tal é preciso, de inicio, compreender o que é a "pena".
A pena está relacionada à punição, castigo, que pode ser desde a perda parcial ou total da liberdade, a morte ou até a diminuição de um bem legal. Ademias, a pena não deixa de ser uma sanção aceita pela sociedade e aplicada pela mesma nos membros sociais que são comprovadamente infratores. Socialmente a pena é entendida como uma defesa social, mesmo que no tocante a aplicabilidade ela seja um ataque em resposta a uma afronta aos costumes morais e as normas jurídicas. O principal objetivo da pena é aplicar uma sanção que tem por intuito inibir atos criminosos e prevenir comportamentos delinquentes. Bobbio (2001, p.155) sobre a sanção moral entende que a sanção é "sempre uma consequência desagradável da violação, cujo fim é prevenir a violação ou, no caso em que a violação seja verificada, eliminar as consequências nocivas", isto é, a prescrição de uma violação tem sempre uma sanção como prevenção que pretende punir e eliminar os efeitos causados pela mesma, uma ação criminosa passa pela prevenção até a punição e como inibidor dos efeitos causados pela ação considerada criminosa. O que não significa que o ato infracional deixa de existir na pratica, mas que na teoria deveria ser inibido diante das normas jurídicas. A relação entre ser e poderia ser, nesta questão é evidente que nem sempre os princípios jurídicos formulam os fatos, mas que em contrario são os fatos que formulam os princípios, desse modo a prevenção nem sempre mudam ou evitam a existência possível dos fatos. Isto quer dizer que não é a existe de leis que eliminam a possibilidade do crime, o crime é um fenômeno humano que exigiu leis para frear as ações humanas indesejáveis.
As sanções nem sempre são aplicadas apenas por agentes jurídicos, em alguns casos elas são moralmente aplicadas por grupos religiosos ou por grupos culturais, em outros casos ocorre às sanções sociais que de certa forma são eficientes por causarem coerção ao crime em vista à aplicação da violência sobre o criminoso, é o caso do "linchamento, que é uma típica sanção de grupo, expressão daquela forma primitiva, espontânea e irrefletida de grupo social, que é a multidão" (Bobbio, 2001. p.157). A norma jurídica evita que situações de sanções inadequadas e arbitrarias sejam praticadas. Sem duvida nenhuma que o principal efeito da institucionalização da sanção é a maior eficácia, em tese, da aplicabilidade das sanções como efeito punitivo e preventivo, sendo que as leis se integram a vontade social estabelecendo critérios de julgamento e de punição. As sanções sofrem de uma questão polemica sobre seu caráter, se são elas apenas ameaças ou se são efetivas.
Se observarmos o trato das normas perceberemos que elas são baseadas em fatos e se assentam em legalidades estabelecidas juridicamente com o consentimento sociopolítico, e de maneira alguma sua força coercitiva seria sentida se não estivesse constantemente usando da ameaça para fazer-se efetiva. Desse modo a sanção é efetiva e portadora de ameaça, não havendo ameaça não há obediência e não havendo obediência não há efetividade da sanção.
A punição, assim como a premiação, só é de fato eficiente se os indivíduos se comportam de modo a realizar o desejo da premiação por sua conduta em acordo com as normas jurídicas e os preceitos moralmente aprovados, ou quando temem a pena relacionada a o comportamento indesejável pela sociedade, pela ordem jurídica e pela moral considerada adequada a convivência harmônica entre sociedade e seus sócios. Kelsen no livro "teoria pura do direito" diz que a pena ou a premiação precisam estar na expectativa do individuo para que o ordenamento jurídico seja eficiente.

(...) um ordenamento que estabelece um prêmio ou uma pena só é "eficaz", no sentido próprio da palavra, quando a conduta que condiciona a sanção (no sentido amplo de prêmio ou de pena) é causalmente determinada pelo desejo do prêmio ou - a conduta oposta - pelo receio da pena. (KELSEN. 1998, p.18)

Sua eficiência é garantida por meio das leis que condicionam a conduta do individuo em sociedade, ou seja, a liberdade do todo depende da atenção das partes sobre o que está estabelecido como aprovado ou reprovado pela ordem social que manifesta suas expectativas por meio das leis, do ordenamento jurídico, por meio das sanções que servem como meio punitivo ou premiador. No que se refere à punição do ato infracional, do comportamento indesejado e previsto, da conduta amoral, a questão se assenta sobre a lei que pune na sua condição inibidora do crime ou na condição menosprezada pelo infrator que a entende como premiação e não punição. Em sociedades moralistas as penas necessariamente não precisam ser duras ou extravagantes para serem respeitadas, em sociedades que não tem vinculação moral ou em que a moral desgasta as leis, elas ? mesmo duras ? não surtem o efeito desejado. Um exemplo disso são as sociedades que valorizam mecanismos de ajustes, regras pessoais e as interpretações pessoais das leis por conta de suas contradições.
Os mecanismos de ajustes comumente são regulações em códigos de leis, e tem seu potencial positivo quando servem para fortalecer a moral, mas apresentam potencial negativo quando buscam meios de favorecer um grupo isolado do todo ou quando não apreciado devidamente passa a contraria outra lei, exemplo seria uma lei que pune o homicídio e outra que flexibiliza a pena quando trata de listar condições do homicídio para que o mesmo seja entendido como homicídio, agindo uma lei que diz "não matarás" em contradição com outra que diz "depende de como tu matou". Desse modo, os mecanismos de ajustes desajustam quando sua função principal seria organizar ou aperfeiçoar o que já existe, ajusta no sentido literal da palavra. Quanto às regras pessoais, que pertencem à personalidade de quem as determina por motivos exclusivamente egoístas, são elas totalmente contrarias a manutenção das regras impessoais que não pertence ou que não se refere a uma pessoa em particular, mas que visa o coletivo; podemos dizer que a norma jurídica é impessoal. Impessoal porque está pautada no conjunto de normas objetivas e coletivas, garantindo a observância dos limites legais de cada um no meio social, de cada sócio ou membro social. A não observância das normas por indivíduos isolados ou para beneficiar indivíduos subscreve o poder das sanções em critérios exclusivistas. Ainda sobre o pessoal podemos notar a interpretação das leis em beneficio do "cliente" e não para a manutenção da ordem, que todos têm direitos isso não se nega, mas transformar infração em direitos de infringir isso é lastimável e corrosivo. Lastimável por denegrir a garantia dos direitos de fato e corrosivo por deteriorar a moral das leis através de interpretações tendenciosas. Porém, é compreensivo e aceitável quando as leis por si só se degradam, se excluem e conflitam entre si por uma posição hierárquica de utilidade ou por classificação de importância. Quando as leis se contradizem ou se menosprezam as brechas para a impunidade se abrem e se alargam diante das ações, condutas e atitudes dos que cometem crimes. Sendo assim, a interpretação tendenciosa, a aplicação de ajustes tendenciosos e a formação de regras pessoais favorecem o desgaste e a descrenças das leis. Se a lei inibe o crime isso é relativo quando observamos as leis em separado de fatores outros que vão além dos tribunais de júri ou das discursões jurídicas. Não podemos afirmar que a lei e a pena são cruciais para a inibição do crime, mas são indispensáveis. Os casos de reincidência criminal revela que a pena é insuficiente para inibir o crime, pois o criminoso não entende a pena como castigo e sim como privilegio, seja entre seus pares ou diante da própria justiça que também concorre para a revogação da pena que a própria justiça impõe como ação punitiva.
O delinquente quando volta reincidir criminalmente, nos dar suficiente prova de que a pena foi branda demais para não causar nada mais do que a perca parcial da liberdade o de bens. Pensa-se logo em prisão perpetua ou em pena de morte como penas que podem causar temor no delinquente e inibir, assim, sua possível ação criminosa. A pena de morte é economicamente dispendiosa, socialmente cruel e moralmente um banalizador do mal, se teria efeito contra o crime, a resposta é sim e não. Sim por causa medo e não por causa comoção por parte da sociedade que entende essa ação com criminosa. A prisão perpetua, passa pelos mesmos critérios medo e comoção social. Se a penalização extrema não é possível, então, o que é necessário para inibir o crime? Em primeiro lugar, penas que se cumpram e se façam valer pelo delito cometido que seja somada ao desrespeito sobre o Estado e que se acrescente a pena a desonra que a vitima sofre (crime + desrespeito ao Estado + desonra a vitima), pois o crime não atinge apenas a vitima em particular ela atinge toda a sociedade representada pelo Estado de direito e desonra moralmente a condição cidadã da vitima. Em segundo lugar, que as penas se cumpram efetivamente e não em momentos parciais da condição de detento do criminoso e por ultimo, que a pena seja aplica sem distinção, pois quando a lei funciona por distinção o desrespeito e a desvalorização das leis são consequências inevitáveis, com ela a desordem e a banalização do crime.


Referencia Bibliográfica:
BOBBIO, Noberto. Teoria da norma jurídica. Tard. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru, SP: Edipro, 2001.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 6ª edição. São Paulo : Martins Fontes, 1998. ? (Ensino Superior).

Autor: Chardes Bispo Oliveira


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