História Local



1 INTRODUÇÃO

A História Local vem para aproximar as pessoas do agente histórico, deixando para trás a história objetiva e tradicional e trazendo uma história onde pobres, negros, mulheres, loucos podem nos mostrar detalhes que podemos entender nosso bairro, nossa cidade e nosso país. Os fatos importantes e narrados como oficiais dão lugar aos relatos orais, historias inusitadas, pesquisa de temas até então não abordados.

Na escola esse tema, que ainda hoje é pouco ensinado, começa a ser trabalhado através de projetos, desenvolvidos numa maioria das vezes com o auxilio do professor,mas com a participação efetiva do aluno, tanto na pesquisa como na escolha do que vai ser pesquisado, transformando assim esse aluno em um agente histórico, dando a ele um papel importanteconstrução da história da sua cidade ou região.

A construção da história de Araranguá se deu como em todopaís, ondehistória local, é a chegada dos pioneiros, a formação de uma vila, emancipação, construção da sede religiosa, a vida política da cidade e a exaltação de pontos turísticos. Em Araranguá, o papel do historiador ficou nas mãos de leigos, que na maioria das vezes eram pessoas ligadas a igreja, e com isso transformavam seus relatos com pouca fontes, em verdades absolutas, era uma visão européia, burguesa, que retratava apenas a sociedade influente da época.

2 A HISTÓRIA LOCAL

A História Local vêm nos trazer uma nova visão, uma perspectiva diferente para o ensino da História, para entender sua importância, onde ela atua e sua relação com a História Geral, vamos primeiro tentar buscar o seu real significado. Para Jungblut ( 2008, p.44):

[...] a História Local propicia ao pesquisador uma idéia muito mais imediata do passado, permitindo que a memória nacional possa ser encontrada ou re-encontrada, ouvida, lida nas esquinas, nas ruas, nos bairros... Fazer história, e mais fazer História Local é estabelecer relações entre a Micro e a Macro-História; é privilegiar o particular, sem desprezar o geral, numa complementação entre ambas.

O mesmo autor ainda ressalta, "[...] que a História Local deve enfatizar a existência de uma multiplicidade de tempos históricos que convivem concomitantemente na realidade de um mesmo país – ou de uma região [...]" (JUNGBLUT, 2008, p. 42). Olhando por esse ângulo, vimos que História Local aborda muito mais do que os acontecimentos históricos de uma determinada região, muito mais do que a emancipação do lugar e a vida dos políticos famosos, aborda a vida de pessoas conhecidas e desconhecidas, patrões e operários, homens e mulheres, ricos e pobres, todos esses, visto de formas diferentes da história tradicional. O historiador deixa de lado uma história objetiva e narrativa pra ir em busca de uma história subjetiva e crítica, que vem contestar o que a história tradicional explicava até então. De acordo com Paulo Freire (apud MENDES, 2008):

"É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar,mas para mudar".

Nesse processo, não apenas os acontecimentos oficiais são dados como importantes, mas pequenos temas, também podem ser abordados, levando em conta fontes como relatos orais, publicação em jornais, revistas, achados arqueológicos, objetos antigos, cartas, entre outras fontes, que antes não eram aceitas no processo historiográfico.

Sendo assim, o que no primeiro momento pode parecer que, a História Local veio para desarticular a História Geral, percebe-se que acontece exatamente o contrário, enriquecendo a história nacional com pequenos fatos, que antes não parecia ser preocupação de nenhum historiador, montando um quebra cabeça com as várias histórias locais e criando uma rica história geral. O historiador Antonio César Sprícigo afirma que:

A busca pela compreensão de tais acontecimentos torna-se possível quando se faz um grande exercício de analisee reflexão, se juntam as peças de um grande quebra cabeça, se tenta construir uma imagem mais próxima daquela que esteve presente num dado momento e espaço, sem a pretensão de querer uma história única e mais verdadeiras que as demais apresentadas .(SPRÍCIGO, 2007, p. 36).

Com isso, determinados pontos importantes da nossa história, esquecidos por na ter tanta relevância, ou por não ser vantajoso, em um determinado momento, para quem estava escrevendo a história oficial, foram deixados de lado, mas com surgimento desta nova corrente historiográfica, estão sendo buscados e auxiliam no melhor entendimento, dos fatos ocorridos, no âmbito local e nacional.

Nos dias de hoje, o estimulo pela busca da História Local inicia-se na sala de aula, até porque o aluno ao se identificar com o conteúdo estudado tem um maior interesse pelos estudos, participando de projetos organizados pelos professores que trazem o dia a dia do aluno os acontecimentos locais, os transformando em sujeitos ativos na construção do conhecimento, pesquisadores, dando a possibilidade para o aluno conhecer seu bairro, cidade ou região através de sua pesquisa, seu trabalho, sua busca, onde ele pode ver, o passado nas ruas de sua cidade, e não ficar apegado apenas nos grandes nomes de governantes e generais. Conforme afirma Hofling (2008), "pretende despertar nos alunos a topofilia, o interesse pela história de sua cidade ou da cidade em que moram, a busca de sua identidade e de sua cidadania. Permitirá também reviver o clima de uma época, a saudade de um tempo."

Através desta participação na reconstrução do seu passado, na preservação da sua memória, os alunos possam vir a ter um novo olhar sobre as coisas do passado, dar um valor maior as pessoas mais velhas e objetos antigos, entendo o que acontece na atualidade através do que aconteceu no passado, que está mais próximo do aluno do que ele imaginou. Para Cabrini (apud HOFLING, 2008),"Produzir História é procurar captar, recuperar relações que se estabelecem entre os grupos humanos no desenvolvimento de suas atividades, nos mais diferentes tempo e espaço".

Hofling (2008), ainda afirma que:

A reconstrução da história de um local é trabalho amplo, desencadeia um conjunto de forças no imaginário individual e coletivo de todos. A história não existe apenas nos livros, ela é real e viva. A escola pode convidar os avós para conversar com os colegas de seus netos sobre sua infância. Esses encontros possibilitarão um passado construído no relatar do dia-a-dia desses velhos, como viviam na cidade, as brincadeiras de rua numa época em que a rua ainda era local de crianças brincarem.

Desta forma, nota-se que de acordo com a pesquisadora, trazer pessoas da comunidade para a sala de aula ou abordar temas como as brincadeiras de rua, podem se tornar um assunto que prende os alunos, e através deste projeto podemos entender outros fatos locais, relacionados a religião, política, e situação econômica, fazendo uma releitura da história local e relacionado-a a história geral. Os alunos ainda terão a possibilidade aprender a trabalhar em grupos, expor suas idéias, exercer sua criticidade e autonomia.

A distância entre os livros didáticos de história e a realidade sãoenormes, a nova história caminha no sentido de diminuir essa distância,possibilitando que ao falar sobre a história de uma determinada cidade não nos deparamos apenas com os conteúdos clássicos como a data da emancipação, os prefeitos, as festas religiosas, etc., podendo pesquisar a vida e agricultores, escravos, mulheres, crianças, de alguém considerado louco, de doentes,e através deste estudo conhecer como se dava a situação da cidade nesta determinada época da pesquisa.

Ensinar história é estimular os alunos a refletirem e fazerem descobertas valorizando o saber do aluno. A história não existe apenas nos livros, ela é real; por meio de relatos de pais, avós, o aluno pesquisa, seleciona e produz um texto informativo. Essa nova maneira de ensinar história muda o foco: dos grandes homens e seus feitos para as pessoas comuns e seu cotidiano. Entram em cena os costumes da vida real que diminuem também a distância com relação ao passado: os alunos deixam de ver a história fragmentada e passam a vê-la como um todo do qual fazem parte. ( HOFLING, 2008).

3 HISTÓRIA LOCAL EM ARARANGUÁ

A cidade de Araranguá e região tem sua história pouco pesquisada, as poucas publicações como no resto do Brasil, foram feitas por amadores, alguns deles padres, descendentes dos colonizadores, que tentaram ressaltar a importância da cidade, uma história oficial e sem detalhes, que vem contar a vida da elite da cidade, a historia da emancipação e a chegada de Nossa Senhora Mãe dos Homens em Araranguá, com poucas fontes esem uma metodologia eficaz.

No livro Sujeitos Esquecidos, Sujeitos Lembrados, o historiador Antonio César Sprícigo, vai contra esses paradigmas e escreve a história dos escravos na Freguesia Nossa Senhora Mãe dos Homens do Araranguá, e nos dá a possibilidade de conhecer um pouco mais da nossa região através da sua pesquisa histórica, sendo que ainda no primeiro capitulo do seu livro, Sprícigo faz uma análise do que já foi publicado sobre a história do Vale do Araranguá, onde afirma, "A maior parte dos livros escritos tem em seus idealizadores descendentes de italianos e alemães que enaltecem seus feitos( em detrimento da história de negros, mulheres e pobres), além de autores, na maioria da vezes letrados, do clero católico, oriundos de outros locais.

O fato de padres, como Raulino Reitz, Paulo Hobold e Dall'alba escreverem livros sobre nossa região,é que por esses serem pessoas diretamente ligadas a Igreja Católica seu discurso ganha legitimidade perante o público. Sobre o livro de Raulino Reitz, Spricígo (2007, p.23) afirma, "O caráter da obra é estritamente religioso e a elaboração dos dados contidos visam a interesses da igreja católica".

O fotografo Gilberto Ronsani escreveu um livro em 1999 que aborda a história da cidade de Praia Grande, cidade que pertencia a Freguesia do Araranguá, neste livro Ronsani segue a mesma linha de Reitz, fala sobre muita coisa com pouca pesquisa, para Sprícigo (2007, p. 38), algumas passagens do livro de Ronsani, "[...] é uma cópia quase integral dos dados, adaptando a narrativa, ou seja, substituindo partes do original. Onde aparecem dados do Sombrio, menciona-os como se referissem a Praia Grande".

Na publicação Memórias do Araranguá, João Leonir Dall'Alba, o padre conta a história de Araranguá, através das anotações do telegrafista Bernardino Senna Campos, que relatava em seu diário, sua chegada a cidade, em 1894, e os principais acontecimentos da vida social araranguaense.

O discurso produzido pelo padre João Dall'Alba sobre Araranguá, a partir das memórias de Senna Campos, gerou um efeito de convencimento e assimilação poderosíssimos. Constata-se entre os moradores da cidade tal efeito, pois para os mesmos a história do Araranguá esta centrada apenas nos acontecimentos da pequena vila, que foram vivenciados e registrados por Senna Campos a partir de 1894 (SPRÍCIGO, 2007, p. 50).

Sendo assim,a história da cidade de Araranguá e da sua região, durante muito tempo foi escrita nos moldes tradicionais, onde pobres, negros, mulheres, crianças, eram colocados de lado, a visão católica foi imposta, onde os italianos e alemães,colonizadores junto com açorianos sozinhos criaram a região que hoje chamamos Vale do Araranguá. Esta visão ultrapassada, foi criticada pelo historiador araranguaense Sprícigo, que através de sua pesquisa, com fontes documentais, remontou a história escravocrata, que até então parecia inexistente, e nos trouxeuma nova visão sobre o passado recente da nossa história local. De acordo com Sprícigo (2007, p.181):

Quando encontrei alguns processos de arbitramento, que determinavam o valor a ser pago pelo escravo para a compra de sua liberdade, me dei conta de que já era possível trazer do passado os escravos, não apenas como números nem elementos estatísticos, mas como agentes históricos, que trabalhavam, sofriam , lutavam, resistiam e morriam, desfazendo a idéia de que, pela menor quantidade de escravos, esses acontecimentos não fossem comuns à Freguesia do Araranguá, ocorrendo apenas nas grandes áreas de escravidão do Brasil.

4 CONCLUSÃO

A construção historiográfica vem trazendo novos conceitos, entre eles a História Local, que parece obvio, mas durante muito tempo não era trabalhada por historiadores como deveria ser. Já que as histórias das localidades ficavam restritas à política, religião, e fatos isolados, deixando de lado ricos detalhes que explicariam muito mais a realidade do local, alem de criar uma identidade cultural mais forte, lembrando que o agente histórico estaria mais próximo dos fatos.

Em Araranguá, a história da cidade é pouco mencionada, o que se sabe é fruto de publicações pouco confiáveis, uma história escrita conforme o interesse político, sem pesquisas concretas, sem mencionar pobres, negros, mulheres. Escrita com o intuito de salientar a bondade de governantes. Com poucas exceções recentes, como o livro do historiador Sprícigo, que nos traz uma visão da escravidão na Freguesia do Araranguá no século XIX.

5 REFERÊNCIAS

HOFLING, Maria Arlete Zülzke. Páginas de História. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v23n60/17274.pdf>. Acesso em 01 mai. 2008.

MENDES, Anderson Fabrício Moreira. Ensino e vivências: as apreensões da história local no cotidiano da sala de aula. Disponível em: <http://www.revistatemalivre.com/anderson09.html>.Acesso em 01 mai. 2008.

SPRÍCIGO, Antonio César. Sujeitos Esquecidos, Sujeitos Lembrados. Caxias do Sul: Murialdo, 2007.


Autor: Rodrigo Antonio Mattos


Artigos Relacionados


A Meméria Brasileira Na Ação Da Cidadania

Função Do Historiador

Nietzsche E A HistÓria

O Passado E A HistÓria

Mulheres Na Bíblia (livro)

O Salmo 23 Explicitado

HistÓria E Verdade