TROPICÁLIA - A NOVA IMAGEM



TROPICÁLIA, A NOVA IMAGEM
Tropicália, the new image
Hélio Oiticica
Trad. Walmir Monteiro

Quando no verão de 1966/67 (verão brasileiro) inventei o conceito de Tropicália, não poderia imaginar a repercussão que teria, embora compreendesse implicitamente o que veio se tornar: a definição de um novo modo de sentir o panorama cultural geral, ou a síntese de uma visão cultural específica de diferentes campos e formas de artes em suas manifestações inter-relacionadas com seus alvos específicos: teatro, música popular, cinema, além das artes plásticas em todas as suas experiências de vanguarda no Brasil, principalmente Rio e São Paulo. Subitamente encontrei no conceito de tropicália uma identificação com seus objetivos.
De fato, quando criei este conceito, pretendia primeiramente relacioná-lo com minhas novas experiências da época, e com isto relacionar aquelas experiências a todo tipo de experiências de vanguarda ocorrentes no Brasil. Muito rico, eu diria, manter-se em torno de um padrão definido de ação em termos internacionais, algo diferente de Pop e seus desenvolvimentos, imagens que poderiam dizer significar algo para nós, mas os objetivos eram realmente diferentes, principalmente no que se refere a imagem ou relações imagéticas e implicações político-sociais. Importantes artistas como Rubens Gerchman e Antonio Dias (ambos tomaram parte no "Nova Objetividade" exibido em março de 1967 no Museu de Arte Moderna, no Rio) poderia ser reavaliado por um novo ponto de vista e revelado não como um produto internacional (Pop), mas como um desenvolvimento específico de idéias da vanguarda brasileira para as quais eles contribuíram com importantes novos passos, como também eu e Ligia Pape (para mim ela é uma das importantes experimentalistas fora de definições como "pintora" ou "escultora", ou "autora", etc) em nossos trabalhos.
Muitos artistas encontraram seus caminhos e se divulgaram fora. Outros se desenvolveram rapidamente em torno de sínteses muito pessoais, como Pedro Escostegui, Roberto Lanari, Antonio Manuel, e um grande número de novos experimentalistas (Em São Paulo principalmente Tozzi e Marcelo Nietzsche e o grupo de Nelson Leirner). Outros, já importantes artistas na construção das experiências da vanguarda brasileira, desenvolveram fortemente suas experiências pessoais, como os poetas concretos de São Paulo (Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Decio Pignatari. Augusto é responsável por muitos artigos importantes sobre a música popular bahiana, Caetano e Gil, principalmente) e traçou o desenvolvimento da música popular brasileira desde as experiências da bossa-nova, numa análise muito bem feita, em seu trabalho "O Swing da Bossa") ou Ligia Clark cujo trabalho tem sido de capital importância nesses desenvolvimentos, desde 1954, e é hoje muito bem conhecido pela Europa (Exposição em Londres, Bienais em Veneza, Galerias alemãs, etc) e que em anos recentes desenvolveu uma das mais fascinantes e densas experiências (ver Rhobo n.4)
Desde os movimentos concreto e neo-concreto aqueles padrões internacionais tem sido considerados fortemente, e neles muitos elementos tem aparecido, previamente muito das idéias, proto-idéias, de alguns desenvolvimentos internacionais. Alguns daqueles produtos poderiam ser considerados vanguarda até mesmo atualmente. Teoria e obra, por si mesmas, foram rapidamente fortalecidas. Os poetas de São Paulo criaram o "Noigrandes" grupo. Do movimento neo-concreto surgiram artistas como Ligia Clark e teorias como a Teoria do Não-Objeto de Ferreira Gullar (1959). Após a dissolução daqueles movimentos, desenvolvimentos especificamente individuais tomaram lugar, e o meu foi um deles.
Desde 1959 até os dias atuais muitos foram os caminhos que meus trabalhos tomaram. Inventei os relevos bilaterais e espaciais (1959), Os penetráveis (1960), Os bólides (1963), Parangolé (também a teoria), Cabos e Tendas (1964), Tropicália (1966/67), Suprasensorial (1967), e Éden (1967), idéias, além da síntese "Nova Objetividade" numa grande exposição no MAM (Rio) onde o ambiente da Tropicália foi mostrado pela primeira vez (março/abril de 1967), e onde muitos artistas novos foram revelados com a ajuda de um jovem crítico de arte Frederico Morais. Nesta mesma exposição, Ligia Clark mostrou seu "roupas do corpo", Ligia Pape seu "caixa de poemas com formigas vivas". Muitos eventos puseram-se na vertente da Tropicália, o que para mim foi um começo em torno do pensamento no lazer (dançarinos da Mangueira ficaram o dia todo jogando cartas, idéias eram criadas em torno da atividade "tempo disponível". Uma série de manifestações públicas participativas foram concretizadas a partir desta exposição culminando com a experiência do apocalipopoteses (descrito posteriormente) em agosto de 1968 no Aterro do Flamengo.
Durante todas essas evoluções, eu diria que a consciência crítica dos artistas foi o mais importante elemento para aquelas manifestações de vanguarda que eram sempre tratadas com fúria ou indiferença, ataques provenientes da arte crítica estabelecida. Exceção e homenagem devem ser feitas a alguns, especialmente Mario Pedrosa que foi grandemente influenciado por aqueles trabalhos e sempre acolheu as idéias da vanguarda, algumas das quais se iniciaram com ele. Recentemente, Frederico Morais e Mário Schomberg dedicaram um grande negócio no desenvolvimento de idéias também. De idéia do Éden expressado no novo ambiente (planejado desde 1967 e primeiramente construído na Galeria Whitechapel em Londres, desde fevereiro de1969. Surgiram conceitos teóricos tais como crelazer (1968) e hermafroditopotesis (1969), muito mais complexo em seus objetivos e a idéia do barracão.
Síntese da Tropicália - O conceito de tropicália inicialmente relacionado a uma pura idéia teórica espalhou-se de súbito, saindo do meu campo de visão por meio de um evento que eu gostaria de aqui descrever: a música pop de Caetano Veloso e Gilberto Gil (cantores e compositores), Torquato Neto e Capinam (poetas), Tom Zé (compositor e cantor), Gal Costa (cantora). De repente Caetano Veloso tornou possível e provocou a síntese quando fez uma estranha e inesperada composição que ainda não tinha nome e que alguém deu o nome de Tropicália, nome e conceito que melhor a expressava. Caetano sabia que eu tinha criado o termo, mas ainda não nos tínhamos conhecido pessoalmente. Isto funcionou muito bem em todos os meios imagináveis. Era ponto marcante em todos os desenvolvimentos de tendência criativa no Brasil. E Caetano e Gil atuaram na criação da mais extraordinária revolução na música pop brasileira dando uma importância de experiência de vanguarda e ao mesmo tempo relacionaram, intencionalmente ou não, com experiências em outros campos de criação tais como o teatro de José Celso Martinez Correa (O Rei da Vela - peça de Oswald de Andrade,poeta brasileiro que desde 1920 influenciou todas as direções da vanguarda brasileira com importantes poemas e peças teatrais ? produção apresentada em Nancy em 1968). Outras produções de José Celso de extrema importância foram "Roda Viva" e Brechts "Galileu". O cinema de Glauber Rocha ("Deus e o Diabo na Terra do Sol" e "Terra em Transe" pode ser incluído com muitas das produções do cinema novo no Brasil e a nova expansão dos filmes "underground"; artes plásticas (Gerchman, Pape, Manuel, Lanari, etc) e poesia e literatura (Irmãos Campos, Pignatari, etc) também. Haroldo de Campos escreveu e conversamos longamente sobre algo extremamente importante a respeito desta síntese Tropicália: isto não é um movimento de arte, mas uma síntese que pode receber adições (não como 1+1=2), mas supra-adicionada como um modo de viver. Qualquer experiência relacionada a tal constelação. No Brasil a expressão "si mesmo" é usada para definir qualquer coisa muito característica, no modo coletivo, hoje, tem-se tornado um adjetivo, uma moda cobrindo as mais superficiais áreas, mas também os mais profundos pensamentos em nosso contexto, embora o poder fascista brasileiro tente assassiná-lo torna-se mais e mais evidente que irá vencer, sobreviver, a menos que eles se dediquem realmente a matar toda sorte de criatividade naquelas terras.
De qualquer modo a semente já foi lançada aos quatro quantos da Europa. A América que nos aguarde.

Autor: Walmir Monteiro


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