A Esquerda e a luta armada na Ditadura Militar (1969-1973)



A Esquerda e a luta armada na Ditadura Militar (1969 ? 1973)


Hebert Santos Oliveira*

Logo após o golpe civil-militar que destituiu o presidente João Goulart ocorrido em 1964, começa-se a vigorar uma hegemonia dos generais das forças armadas na Presidência da República que perdurou por vinte e um anos. Atos Institucionais foram decretados para legitimar seus poderes e limitar a ação dos opositores ao regime de exceção. Muitos militantes comunistas, principalmente aqueles que faziam parte do Partido Comunista Brasileiro, o PCB, sofreram à duras penas a tirania dos militares.
Além disso, o PCB esse grande partido de esquerda sofria graves crises9de identidade política. Muitos de seus militantes mais consagrados como Jacob Gorender, Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, etc., estavam descontentes com a linha política que o partido seguia que entre outras características, defendia a revolução democrático ? burguesa direcionado pela própria burguesia, ocorrendo com isso suas dissidências partidárias para formação de outras organizações de esquerda . Também, naquela ocasião de luta contra a ditadura e pela democracia prezavam as disputas eleitorais com o intuito de conquistar seus objetivos, mesmo sabendo que se encontravam na ilegalidade.
Com efeito, este artigo pretende analisar como surgiu e se organizou os diversos agrupamentos de esquerda clandestina durante o auge da repressão militar entre 1969 e 1973. Apresentaremos aqui em qual contexto especificamente emergiu essa necessidade de partir para a luta armada de alguns partidos e quais foram às principais investidas da esquerda em busca da democracia e de uma possível revolução socialista.

O GOLPE DENTRO DO GOLPE: MANIFESTAÇÕES CONTRA O REGIME, O AI ? 5 E FECHAMENTO DITATORIAL

Entre 1964 e 1968, o Brasil vivia intensa agitação dentro do meio militar e de confronto com as reações das classes sociais e das organizações de esquerda. Entre essas reações das organizações de esquerda, destacamos a atitude dos sindicalistas que se mobilizaram em torno de greves e paralisações para protestarem contra os arrochos salariais e melhores condições de trabalho. Os Estados de Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo fôramos que tiveram maior visibilidade no cenário da luta operária nacional. Sindicatos dos Metalúrgicos em São Paulo e dos Siderúrgicos em Minas Gerais foram responsáveis por mobilizar a classe operária, bem como a opinião pública e abalar o governo do então Presidente Costa e Silva.
Com efeito, os operários sindicalistas encontravam apoio maciço das esquerdas clandestinas no que diz respeito ao tipo de organização e de manifestação que através de reuniões nas fábricas era preciso indicar. Em vista disso, a Ação Popular (AP) grupo de esquerda criado antes do golpe em 1962 com características advindas do catolicismo progressista e uma teoria própria de um socialismo humanista, pregava a concentração de esforços na formação de comitês de empresa. Algo semelhante pensava também a Política Operária (POLOP) e que acrescenta os conselhos de representantes de fábricas junto às diretorias sindicais.
Contudo, o auge das manifestações contra a repressão em 1968 não se limitou aos movimentos sindicais. Houve também intensos protestos de estudantes secundaristas e principalmente universitários que se apoiavam na UNE (União Nacional dos Estudantes) e mais uma vez, as organizações de esquerda clandestina fazia parte da militância política dos estudantes. O 30º Congresso da UNE ocorrido no interior de São Paulo em outubro de 1968 foi interrompido pelos militares que prenderam 739 universitários. Além disso, não podemos esquecer-nos da Passeata dos Cem Mil que aconteceu em junho de 1968, cujo momento histórico unificou uma multidão entre elas artistas, políticos, escritores, etc., com o grito de ordem "Abaixo a ditadura, Povo no poder", estando por trás desse evento a Dissidência Universitária da Guanabara, O PCBR e a AP.
Com efeito, a repressão era impetuosa e já matara, torturara e exilara vários militantes. No dia 13 de dezembro de 1968 foi decretado o Ato Institucional Nº 5, o AI ? 5 que colocou Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas do Estado em recesso aboliram o habeas-corpus para detidos por infração a Lei de Segurança Nacional e instituiu a censura controlando totalmente a imprensa, legitimando assim seus poderes tirânicos diante a sociedade brasileira. No entanto, essa atitude do governo de Costa e Silva somente continuou o que Castelo Branco teria começado que foi o processo de fechamento ditatorial com o decreto do AI ? 2 em outubro de 1965 no qual submetia os políticos a cassações e também a institucionalização de somente dois partidos e esses conflitos da esquerda contra os militares aguçou ainda mais essa decisão.
Com a promulgação do AI-5, algumas organizações de esquerda clandestina entenderam que a hora teria chegado para a total investida na luta armada. Eles entendiam que a situação estava madura para uma revolução armada e que a opção seria a guerrilha urbana e rural.


GUERRILHA URBANA: AÇÕES ARMADAS DE GRUPOS REVOLUCIONÁRIOS

O terrorismo de Estado já estava em vigência com a oficialização do AI-5. Alguns grupos guerrilheiros no qual destacamos o MR-8, ALN, COLINA, PCR, VPR, seguiram essa tendência de violência revolucionária para garantir o retorno da democracia e uma possível revolução socialista no Brasil. Desde expropriações bancárias até atentados contra militares faziam parte de suas ações de confronto contra a repressão de maneira que a população brasileira pudesse entender esses atos e apoiar esses que lutavam contra a ditadura militar.
Esses grupos armados revolucionários são o que nós chamamos de dissidências partidárias, ou seja, eles surgiram basicamente de sua saída do partido mais atuante no movimento de esquerda que era principalmente o PCB, bem como o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) fundado em 1962, além dos movimentos nacionalistas ligados a setores de esquerda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). No total, incluindo as organizações matrizes, as esquerdas armadas e outros pequenos agrupamentos, a oposição clandestina à ditadura chegou a mais de quarenta grupos que negavam o imobilismo do PCB entre outros partidos e viam-se na condição de vanguarda da revolução contra o capitalismo e o imperialismo.
Uma das ações revolucionárias mais significativas foi o seqüestro do Embaixador dos Estados Unidos Charles Eubrick. Em setembro de 1969 o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, que antes era intitulado apenas de Dissidência Universitária da Guanabara, planejou o seqüestro do diplomata norte-americano estando à frente Daniel Aarão Reis Filho, Franklin Martins e Claudio Torres. O grupo ainda um pouco inexperiente pediu ajuda a Aliança Libertadora Nacional (ALN) para executar essa ação. De lá vieram dois representantes, entre eles o Joaquim Câmara Ferreira ex-membro do PCB também chamado pelo pseudônimo Toledo que queria tomar parte pessoal na ação de sequestro , porém, seria ele afastado dessa participação direta da captura do embaixador por um dos integrantes do MR-8, ficando apenas na casa aguardando a chegada de Charles Eubrick.
Com o sucesso do seqüestro, os membros da ALN e MR-8 fizeram uma lista exigindo do governo militar a libertação de 15 presos políticos, entre esses Gregório Bezerra membro do PCB que fora espancado pelo coronel Darcy Villocq Viana em 1º de abril de 1964. Os prisioneiros políticos foram soltos em 6 de setembro de 1969 e o embaixador no dia seguinte, em um domingo. Segundo Jacob Gorender, o seqüestro do embaixador dos Estados Unidos foi à primeira operação do gênero no mundo, na história da guerrilha urbana e também chamado por ele de "Golpe de Mestre".
Além disso, os grupos guerrilheiros faziam as chamadas expropriações bancárias para poder custear grandes quantidades de armamentos e outras alternativas para poder fazer a revolução. Com o sucesso do seqüestro de Charles Eubrick, a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) juntamente com a FLN (Frente de Libertação Nacional), planejaram um plano de seqüestro agora do embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben em 11 de junho 1970. Ao contrário do seqüestro do diplomata estadunidense que não houve resistência, os nove homens que fizeram parte da ação direta participaram de troca de tiros com a polícia federal que fazia a segurança do embaixador. Um policial morreu e dois militantes ficaram feridos. Com Holleben em cativeiro a exigência dos guerrilheiros era novamente a libertação de presos políticos, só que agora eram 40 presos que apareciam na lista entre eles Daniel Aarão Reis e Vera Silvia Magalhães que participaram ativamente do "Golpe de Mestre" de setembro de 1969. Depois de cinco dias de cativeiro, o diplomata foi libertado em 16 de junho de 1970 e os presos políticos um dia antes foram levados de avião até a Argélia .
Contudo, essas iniciativas paramilitares revolucionárias custaram muito caro para as organizações de esquerda. Os militares endureceram ainda mais a linha política de perseguição e torturas para com os guerrilheiros, como por exemplo, logo após o seqüestro de diplomata dos EUA no qual o governo militar criou a pena de banimento aos presos libertados e o Decreto-Lei 898 que pôs em vigor nova Lei de segurança nacional . Entretanto, a luta guerrilheira amplia-se na tentativa de levar essa alternativa para o campo, como veremos adiante.

GUERRILHA DO ARAGUAIA: A TENTATIVA REVOLUCIONÁRIA NO CAMPO

A intenção de todos (ou quase todos) grupos revolucionários era atingir a revolução socialista a partir do campo, tendo como referência principalmente a Revolução Cubana vitoriosa em 1959. Nesse sentido, uma das dissidências do PCB, o PC do B seguiu esse caminho e em 1966 o partido começa a enviar militantes a região do Araguaia na parte norte, mais precisamente ao Sul do Pará. O Partido Comunista do Brasil ao contrário das outras organizações armadas urbana, não optou pelas ações nas cidades, resolveu seus problemas logísticos sem precisar recorrer a ações expropriatórias e ficou poupado dos efeitos desgastantes, que elas provocaram nas outras organizações e assim teve condições de realizar o sonho de tantos outros grupos: deflagrar a guerrilha rural .
Ao chegarem à região do Araguaia os militantes do PC do B estabeleciam relações de trabalho com os moradores, nada de se identificarem como guerrilheiros e que pretendiam iniciar uma revolução socialista naquele local. Assumiram atividades de lavradores e pequenos negociantes e se restringiram a uma prática assistencial: ensino nas escolas, mutirões, pequenos serviços de enfermagem, etc. , sem levantar suspeitas da população local.
Em 1972, vários guerrilheiros já apresentavam preparação para a luta armada. A composição dos militantes do partido que estavam no Araguaia eram em sua maioria da classe média brasileira; eram estudantes universitários e secundaristas, profissionais liberais, bancários, etc. e apenas pouquíssimos operários. Evidencia-se nesse sentido, o fraquíssimo enraizamento do PC do B na classe operária e no campesinato, as categorias sociais básicas, segundo sua própria doutrina, para o êxito da luta revolucionária . E foi exatamente neste ano que o exército brasileiro começou a busca pelos guerrilheiros. A primeira, de abril a junho de 1972, mobilizou milhares de homens, recrutas comuns em sua maior parte e não logrou vencer a guerrilha , mesmo a segunda investida do exército em setembro-outubro não alcançou melhor resultado.
Os principais guerrilheiros do Araguaia João Amazonas, Mauricio Grabois, José Francisco Chaves e o gigante Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão de 1,98 de altura era os responsáveis por treinar e doutrinar seus companheiros sobre a tática revolucionária, tendo o último já experiência de guerrilha por ter aprendido na China. Todavia, os militares antes de sua terceira investida de combater a guerrilha, treinaram seu exercito com táticas contra guerrilheiras e ainda no inicio de outubro combateram com mais intensidade os guerrilheiros. Helicópteros sobrevoavam a área conflagrada com freqüência, obrigando os combatentes revolucionários a cuidados exaustivos . Entre janeiro e março de 1974, a campanha estava concluída com a destruição completa da guerrilha. Seu principal guerrilheiro Osvaldo Orlando da Costa fora morto por um jagunço e seu corpo passeou pelo Araguaia pendurado em um helicóptero para todo mundo pudesse ver. Estava assim decretada o fim da luta armada revolucionária no Brasil da ditadura militar.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro dessa perspectiva de Estado de exceção e luta armada, podemos entender que houve no Brasil uma situação política repressora e que também houve aqueles que insatisfeitos com este cenário se levantaram de maneira mais agressiva. Com efeito, depois do AI ? 5 todos os resquícios de democracia foram dizimados e a população atônita com essa situação.
Os mais expressivos nessa luta pela democracia e por uma revolução socialista foram os grupos clandestinos de esquerda que em sua maioria eram dissidentes do PCB e pregava reações diversas ao regime militar. Essas organizações paramilitares negavam qualquer tipo de derrubada da ditadura se não a luta através da revolução armada e violenta aos moldes das Revoluções Socialistas que já havia solidificado em alguns países do mundo. Suas investidas foram perigosas e importantes para que pudesse esclarecer para toda a população brasileira o governo violento e repressor que estava no poder. Porém, os aparatos militares de combate aos "terroristas" conseguiram superar qualquer tentativa de ação dos guerrilheiros, tanto nas cidades quanto na zona rural no Araguaia, mas serviram como mártires da luta incessante pela democracia que só viria uma década depois.



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas a luta armada. 3ª Ed. Editora Ática: São Paulo, 1998.
RIDENTI, Marcelo. "Esquerdas revolucionárias armadas nos anos 1960-1970". In: FERREIRA, Jorge e AARÂO REIS, Daniel (Org.) Revolução e democracia (1964-...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. Editora UNESP: São Paulo, 1993.


SITE:
http://www.jornalorebate.com/colunistas2/cir5.htm









Autor: Hebert Santo Oliveira


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