Como nos tornamos humanos?



Filogeneticamente começamos a nos torna humanos a partir do nascimento de um ancestral comum aos simiescos e hominídeos que fora o Rhamapitecus, que por sua vez deu origem aos primeiros homens, dentre eles o Homo Erectus, que tem como representante o garoto de Turkana , com a evolução desse, passamos a ter características que são a marca do homem moderno ou da espécie Homo Sapiens como, por exemplo, o bipedismo.
A posição ereta apresentada primeiramente pelo Homo Erectus foi o passo fundamental para a transformação, assim como a fabricação de instrumentos de trabalho, as possíveis celebrações de rituais, a necessidade de comunicar-se uns com os outros. Esses foram alguns passos para a construção biológica do homem.
Mas como nos tornamos seres humanos, como nos apropriamos dessa condição de ser social? Para entendermos melhor como se deu essa aquisição, será feito um breve resumo histórico, começando pelas sociedades primitivas que já herdaram a maneira organizacional dos primeiros primatas existentes, suas principais atividades eram a coleta do que a natureza dava, eram nômades e não se organizavam em classes sociais.
Mesmo sem ter divisão social e sendo nômades, o trabalho já existia, proporcionando um conhecimento a cerca do que estava a sua volta, mais tarde eles passariam a se fixar num ambiente e iriam poder descobrir e se beneficiar da agricultura e pecuária, surgindo daí um excedente econômico.
Com o surgimento do excedente econômico, tornou-se lucrativo a exploração do homem pelo homem, pois, dessa maneira, se apropriando do seu semelhante, renderia mais excedentes, mais lucros. Dessa relação de exploração surgem duas classes antagônicas: os que trabalham e os que exploram o trabalho alheio, sem direito a liberdade, sendo essa última denominada de escravismo.
A crise do escravismo se deu principalmente pelo aumento exagerado do número de escravos sem que os senhores pudessem controlá-los, e principalmente por que não existia uma classe revolucionária. O modo de produção escravista acabou entrando em declínio até o seu completo desaparecimento, que culminou no surgimento, lento e bem demorado, do feudalismo.
O feudalismo tinha por característica a produção auto-suficiente, que teve o servo como seu "explorado", pelo senhor feudal. Na verdade não havia uma exploração propriamente dita, pois os servos cuidavam da terra, dos instrumentos de trabalho, e ficavam com uma parte do que era produzido, claro ficando o senhor feudal com a maior parte.
Já em troca o senhor do feudo garantiria defesa militar de todos. Os senhores feudais perceberam que ganhando sua parte, os servos trabalham mais e melhor. E dessa maneira surgiu novamente excedentes de produção, que poderiam ser trocado em outros feudos de outras regiões, fazendo com isso, a ampliação das rotas comercias.
Mais tarde com a Revolução Industrial (1776-1830), organizado pela classe em ascensão, a burguesia, surgiria o novo modelo de exploração que é o capitalismo, e consequentemente surgiriam também duas classes fundamentais nesse processo: burguesia e o proletariado. A partir daqui iniciaremos um ponto de visão da situação social, o ponto do surgimento do capital e por conseqüência do capitalismo.
Desde a evolução dos modos de produção, que acabou culminando no capitalismo, percebemos uma individualização do individuo, tendo rompido com a sociedade. A vida social passa a ser exclusivamente influenciada pela propriedade privada, e o dinheiro, que é fruto da propriedade privada, passa a ser o centro de todas as relações.
O capitalismo transforma todas as pessoas em adversárias e todas as relações são baseadas em disputas por dinheiro e estatus. Esse modelo de produção distorce as relações sociais, fazendo com que todas elas baseiem-se sempre no "ter" e não no "ser". No capitalismo tudo pode ser comprado, tudo tem o seu preço. Segundo Lukács "o individualismo burguês é a base social da hipócrita moral que predomina nos nossos dias."
Com essa afirmação, pode ser percebido que a burguesia e o modo de produção por ela firmado são essencialmente egoístas visando sempre à acumulação dos lucros e querendo que a sociedade passe a viver sobre as regas do Estado, até por que o Estado geralmente fica de acordo com os burgueses ajudando sempre que possível a violar as leis para o seu enriquecimento.
A sociedade é o meio, o instrumento para o enriquecimento individual burguês. Sendo dessa maneira, o capitalismo ultrapassa todas as barreiras da chamada democracia social, pois essa democracia só se dá na Política e no Direito, não nas diferenças sociais, acentuando ainda mais as disparidades existentes.
"O trabalho é a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem" ³ na transformação da natureza, desde as primeiras espécies primitivas, o homem trabalha. Trabalha na intenção de confeccionar materiais para a caça, construção de cabanas, vestimentas... e isso começo quando o homem passou a deixar as mãos livres, livres na condição evolutiva de ter tornado-se bipedes.
Quando da transformação das espécies, está fora transmitida de geração para geração, a mão passou a ser o principal instrumento do trabalho.
Os homens em formação chegaram a um ponto que tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros. A necessidade criou o órgão: laringe pouco desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mais firmente, mediantes modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto os órgãos da boca aprendiam pouco a pouco a pronunciar um som articular após o outro... (ENGELS, 1876, p. 18).

Essa parte extraída do texto de Engels ilustra bem como com aquisição da posição ereta e a partir do trabalho surgem outras necessidades, no exemplo citado, a fala e com ela vieram novas evoluções, novas necessidades...
O trabalho começa mesmo com a elaboração, e o por em prática dos instrumentos para transformação da natureza. Ele começa quando pensamos em algo, (subjetivamente), na necessidade desse algo, e daí nós o elaboramos mentalmente, (prévia-ideação), pensamos nos materiais, em como ele seria e no seu funcionamento, para depois colocá-lo em prática ou (objetivação). O trabalho, as formas de manuseios de matérias, e suas evoluções, vão sendo transferidas de geração para geração e vão sendo cada vez mais aperfeiçoada.

O trabalho é necessariamente a relação do homem com a natureza, para transformá-la conforme suas necessidades. Os animais não se enquadram na categoria de transformar a natureza, tendo em vista que eles não transformam, não pensam para agir, fazem apenas o que já vinha sendo feito por gerações passadas, o que vem determinado em seus códigos genéticos.

Ou seja, põe em pratica sua atividade vital, como sobrevivência, reprodução da espécie... Segundo Lukács² "Para que possa nascer o trabalho, enquanto base dinâmico-estruturante de um novo tipo de ser, é indispensável um determinado grau de desenvolvimento do processo de reprodução orgânica."
O homem se difere dos animais pela consciência, capacidade de definir meios e buscar soluções que possibilitem o alcance do seu objetivo, tendo a liberdade de escolha.
O animal identifica-se com sua atividade vital. Não se distingue dela. Ela é sua atividade. O homem faz da sua atividade vital o próprio objeto da sua vontade e consciência... A atividade vital consciente do homem o distingue imediatamente do animal, da sua atividade vital. Justamente por isso ele (o homem) é um ser pertencente a uma espécie. Ou melhor, ele é um ser consciente... Somente por isso a sua atividade é uma atividade livre... Certamente também os animais produzem. Fabricam ninhos, habitações, como fazem as abelhas, os castores, as formigas, etc. Só que o animal produz unicamente o indispensável para si e para suas crias, produz de modo unilateral, ao passo que o homem produz de modo universal...; o animal reproduz apenas a si mesmo, enquanto o homem reproduz toda a natureza... (MARX, 1844, p. 84, 85).

Se o trabalho é a força-motriz para o complexo do ser social, entendemos que os animais não trabalham apenas reproduzem, sem ter consciência, as atividades e assim uma abelha que faz mel hoje dessa maneira, em colméias, já fazia e ainda vai fazer por séculos, sem se dar conta que essa produção não tem evolução.

"A essência do trabalho consiste precisamente em ir além dessa fixação dos seres vivos na competição biológica com seu mundo ambiente" ². É verdadeiramente a transformação da natureza, trabalho, que por sua vez faz com que a espécie Homo Sapiens se hominize, até por que o humano não nasce humano, nasce Homo Sapiens e com a relação e convivência com outros humanos, assim se torna. Se forem criados por outras espécies de animais, cresceriam como tais animais. O Homo Sapiens se apropria da condição humana, desenvolve a consciência e consequentemente produz o trabalho.

E juntamente com o trabalho vem as mais diversas formas de alienação ou estranhamento do trabalhador pelo o que esta sendo produzido.

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em produção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral. (MARX, 1844, p. 80).


O trabalhador percebe desconhecer a mercadoria que produz quando precisa dela, vê que o valor pago pela sua força de trabalho, para produzir aquela mercadoria é suficiente apenas para manté-lo vivo, sem conforto ou lazer nenhum, e claro, sem poder pagar por ela.
O trabalhador passa a partir desse instante a ter consciência de que o patrão ou o burguês enriquece tendo ele, trabalhador, como sua ferramenta fundamental e percebe que ganha muito menos do que produz nas fábricas e que as mercadorias são vendidas com valor muito superior do que aquele pago pelo seu trabalho. Essa relação capitalista de trabalhador e patrão só nos torna desumanizados, nos fazendo "regredir" da condição adquirida de Humano.
Todo o processo desde a evolução da espécie para Homo Sapiens até o estranhamento do trabalhador, tem relação direta com as várias crises sofrida pelo capitalismo e com as bases do capital. O capital é uma relação social que se apóia na divisão de classes, propriedade privada, acúmulo de lucros e divisão do trabalho (intelectual e manual). Já o capitalismo é um sistema dinâmico requerendo um reordenamento sempre que há crise.

Vivemos na era de uma crise histórica sem precedentes. Sua severidade pode ser medida pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa , como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do capital. (MÉSZÁROS, 2000, p. 7).

O capitalismo é por natureza auto-expansivo, não aceitando restrições e trazendo pra si o trabalho e a mais-valia do trabalhador, não se impondo limite algum a cerca da produção. Transforma o trabalhador em mera mercadoria barata, onde o valor de uso é rebaixado pelo valor de troca.
O capital, como um sistema de controle do metabolismo social pôde emergir e triunfar sobre seus antecedentes históricos abandonando todas as considerações às necessidades humanas como ligadas às limitações dos "valores de uso" não quantificáveis, sobrepondo a estes últimos ? como pré- requisito absoluto de sua legitimação para tornarem-se objetivos de produção aceitáveis... (MÉSZÁROS, 2000, p. 8)

Durante mais de dois séculos de existência do capitalismo este já passou por muitas crises chamadas de crise de super-produção, dentre elas a da década de 70, que desestruturou as bases do sistema com a falência do Estado do Bem Estar Social, desvalorização do dólar... desencadeando algo que não havia se visto antes que é a crise da Estrutura do Capitalismo, das bases, e não mais de uma produção muito maior que as vendas.
Sofrendo com a crise de suas estruturas que pensavam ser solidas, o capitalismo passa a se reorganizar, repensar a sua lógica para o restabelecimento de sua dinâmica principalmente com relação ao trabalho assalariado, seu sistema ideológico e político de dominação. Daí a partir dos anos 90 pensando nessa dominação política, inseri-se o neoliberalismo que tem como característica as privatizações, permitindo o Estado torna-se mais leva para o controle social e o capitalismo, apoiando-se na propriedade privada gerando concentração de renda.
O capital no século XX, foi forçado a responder ás crises cada vez mais extensas (que trouxeram consigo duas guerras mundiais, antes impensáveis) aceitando a "hibridização ? sob a forma de uma sempre crescente intromissão do estado no processo sócio-econômico de reprodução)... (MÉSZÁROS, 2000, p. 9).

"A crise estrutural do capital é a séria manifestação do encontro do sistema com seus próprios limites intrínsecos..."




Autor: Beatriz De Pontes Medeiros


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