Ensinando e Aprendendo



Ensinando e aprendendo
No ano passado, tive o prazer de receber em uma das minhas turmas, uma aluna especial, portadora de deficiência física. A sala de aula era acessível do ponto de vista arquitetônico porque para chegar até ela não havia obstáculos, como escadas, por exemplo. Durante as aulas, não eram usados brinquedos especiais e nas aulas de Educação Física, a aluna não participava dos jogos ou brincadeiras. Ficava sentada na arquibancada da quadra de esportes e apenas assistia os outros alunos brincando ou jogando. Não havia preocupação por parte do professor dessa disciplina em propor jogos ou criar brincadeiras em que a aluna fosse incluída. Não estou denegrindo o trabalho do professor, apenas estou relatando nosso despreparo diante de alunos especiais. Ela, assim como outros alunos, apenas assistia as atividades desenvolvidas pelos outros colegas. Também não havia livros, mobiliário e instrumentos especiais para auxiliar a aluna em seu processo de ensino-aprendizagem. Os alunos sentavam-se individualmente. A referida aluna sentava-se na primeira carteira na fileira próxima da parede, próxima à porta da sala de aula. Os demais alunos não gostavam de sentar em carteiras próximas as dela porque afirmavam que a aluna não cheirava bem. As paredes da sala de aula eram e ainda são limpas e recém-pintadas. Os trabalhos realizados pelos alunos eram e ainda são expostos nas paredes da escola e nas paredes das salas de aula. Como foi dito anteriormente, não havia barreiras arquitetônicas para que a aluna frequentasse a sala de aula. Também não havia problemas de comunicação com ela. A aluna mencionada não apresentava problemas de comunicação, mas sim, deficiência física porque seu lado direito era e ainda é um pouco paralisado. A aparência dessa aluna é semelhante à de alguém que teve um AVC (acidente vascular cerebral). Não sei definir a origem do problema dela. Se ela nasceu com o problema ou se o adquiriu depois do nascimento. Tive vontade de conversar com ela sobre seu problema, mas achei que serei indiscreto de minha parte. Então, resolvi não perguntar nada. Esperei que ela me contasse, mas como ela nunca tocou no assunto, também não toquei. Não sei se minha atitude foi correta, apenas fiz o que pensei que era certo fazer no momento. A aluna, apesar da deficiência, não apresentava e não apresenta dificuldade para aprender. Muito pelo contrário. Sempre fazia as tarefas pedidas com capricho, dedicação e interesse. Como esta aluna tinha a mão direita paralisada, ela escrevia com a esquerda. Por esse motivo, a aluna demorava um pouco mais para terminar as tarefas. A deficiência física ditava o ritmo, mas nunca impediu que a aluna aprendesse qualquer conteúdo a ela ensinado. Apesar dos poucos recursos, a escola onde trabalho é inclusiva, ou seja, as pessoas que trabalham nela têm atitudes inclusivas. Como todos sabiam da deficiência física da aluna, as professoras e demais funcionários da escola sempre ofereciam para buscá-la ou levá-la para casa. Ás vezes ela aceitava ajuda, mas normalmente essa aluna preferia ir caminhando para a escola e desta de volta para casa. Ela sempre afirmava que era capaz de se mover sozinha e muitas vezes, recusava ajuda. Na sala de aula, muitas vezes, me ofereci para ir até a carteira dela para tirar dúvidas, dar visto no caderno ou ensinar a forma de resolver alguns exercícios, mas ela sempre me dizia que aquilo não era necessário, que tinha capacidade para ir até minha mesa para mostrar o caderno ou tirar dúvidas. A mim me preocupava o fato de ela ir mancando até minha mesa para mostrar o caderno. A aluna fazia questão de se levantar e ir até mim. Então, sempre ficava observando o comportamento dela e também dos outros alunos e quando percebia alguma dificuldade, perguntava se ela precisava de ajuda. Se ela aceitasse, eu ajudava, caso contrário deixava-a livre para vencer seus próprios desafios. Ela tinha e ainda tem uma vontade muito grande de mostrar as outras pessoas que ela é capaz de fazer tudo o que as outras pessoas fazem. Só que ela precisa de um tempo maior para realizar algumas tarefas. Não há na escola onde trabalho novas tecnologias específicas para trabalhar com alunos especiais. Sempre acreditei que é possível integrar todas as pessoas e respeitar as diferenças. Nunca tolerei nenhuma forma de preconceito. Sempre ensinei para os alunos que não somos iguais. Ao contrário, somos todos diferentes e únicos. O que temos são direitos e deveres iguais. Devemos respeitar as outras pessoas para que possamos ser respeitados. O que faz o mundo ser tão belo e interessante é o fato de sermos todos diferentes uns dos outros. Imagine como o mundo seria chato se todas as pessoas fossem idênticas, se todas as rosas fossem da mesma cor e tivessem o mesmo perfume, se todos os pássaros cantassem da mesma forma, se todos os dias fossem sempre iguais... Os teóricos que embasam minha prática pedagógica são Paulo Freire, Jean Piaget, Vygotsky entre outros. Conheço a maneira de pensar desses teóricos e procuro sempre colocar seus ensinamentos em prática. Na sala de aula ou em qualquer outro ambiente de ensino-aprendizagem procuro relacionar a situação vivenciada por mim com o pensamento desses teóricos. Isso sempre me ajuda a nortear meu trabalho. Esses e outros teóricos são como faróis iluminados e nós, professores, somos como barcos que são guiados pela luz que eles emitem. Sinto-me pouco preparada para lidar com alunos especiais. Por isso, estou fazendo pós-graduação em Educação Inclusiva e Especial. É preciso nos preparar para lidar com as deficiências, afinal, todos nós seremos deficientes algum dia. Teremos dificuldade para ouvir, falar, ver e nos locomover. Precisaremos de mãos amigas para nos amparar talvez, quem sabe nos carregar e até nos alimentar. A escola oferece o Plano de Intervenção Pedagógica (PIP) que é um reforço escolar que é feito no contra turno. Esse reforço é oferecido a todos os alunos, portadores ou não de deficiências. O recreio dura apenas 10 minutos. Os alunos tomam o lanche, tomam água, usam o banheiro e voltam para as salas de aulas. Os menores brincam de correr durante o recreio. Os alunos maiores conversam e ouvem músicas. Os alunos especiais não ficam excluídos. Não há alunos isolados ou solitários pelos cantinhos da escola. Várias funcionárias da escola ajudam a controlar os alunos durante o recreio para que não ocorram acidentes ou brigas. Toda vez que falamos em deficiência nos vem à cabeça a falta de alguma coisa. Deficiência está associada à imperfeição. Não somos, nunca fomos e nunca seremos perfeitos. Portanto, somos todos deficientes. Todos nós temos qualidades e defeitos. Sendo assim, excluir o deficiente significa que temos que excluir a nós mesmos. Para que a inclusão ocorra de fato é necessário que haja uma mudança didático-metodológica frente à diversidade humana. Não é o aluno que tem que se adaptar à escola. Esta é que tem que se adaptar aos alunos. A partir do aluno é que as aulas são planejadas, os planejamentos são elaborados, as avaliações são preparadas... Mais do que mudar a maneira de ensinar, é necessário mudar a maneira de pensar a inclusão. É preciso mudar o pensamento e depois mudar as atitudes. Eu ensinei alguns conceitos de matemática para minha aluna especial do ano passado e ela por sua vez me ensinou muitos conceitos de inclusão. Toda vez que a vejo ou me lembro dela, me vem à cabeça a frase que ela sempre me dizia: "Eu tenho capacidade". É isso que precisamos entender. As pessoas especiais têm capacidade para fazer muitas coisas, o que elas precisam, muitas vezes é de um tempo maior para concluir as tarefas.

Autor: Sílvia Aparecida De Souza Nascimento


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