A Revogação da Extinção da Punibilidade baseada em Certidão de óbito falsa



A Revogação da Extinção da Punibilidade baseada em Certidão de óbito falsa

Primeiramente cumpre trazer a lume, que a punibilidade é a aplicabilidade da pena, ou seja, é uma conseqüência da prática de uma conduta típica, ilícita e culpável levada a efeito pelo agente. Toda vez que o agente imputável, pratica uma infração penal, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu "ius puniendi".
Já a extinção da punibilidade, por outro lado, consiste em isentar o agente da aplicação da sanção penal, ensejando o impedimento do mesmo em submeter-se ao poder estatal de punir. Tal pressuposto é demonstrado de forma não taxativa pelo Código Penal, que em seu artigo 107, incisos I a IX, que trazem as causas extintivas de punibilidade. Por não ser taxativo, existem outras passagens que também apresentam a mesma natureza jurídica, a exemplo do §2º do artigo 312 do Código Penal, bem como do §5º do artigo 89 da Lei nº9099/95.
Como bem assevera Rogério Grego "É preciso ressaltar que ao art. 61 do Código de Processo Penal determina que, em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício." (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal parte geral, 9ª ed, p.709.).
Antes de entrar no tema específico, cumpre ressaltar que os efeitos da extinção da punibilidade podem ocorrer antes ou após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Se ocorrerem antes, atingirão o "ius puniendi", pois o Estado não terá mais o poder de punir o agente, tendo em vista que este agiu nas vertentes que excluem a ilicitude. Caso os efeitos ocorram posteriormente, atingirá o título penal executório, os ditames da sentença e a própria sentença material transitada em julgado, como será o caso sob análise.
O artigo em questão tem a pretensão de discutir o tema da extinção da punibilidade, com enfoque na possibilidade de manutenção da sentença que declarou extinta a punibilidade do agente, na esteira do art. 107, I, do Código Penal lastreada em certidão de óbito falsa.
Assim, partindo de caso ilustrativo, imaginemos o desencadear de um processo penal em que o juiz, após análise do inquérito e provas colhidas ao longo da instrução processual, tem fortes indícios de que o réu é considerado culpado. Ocorre que em momento anterior à sentença, o advogado que cuida da defesa do réu, junta aos autos uma certidão de óbito que comprova o falecimento da parte, o que faz com que o nobre julgador julgue extinto o processo, com base na extinção de punibilidade por morte do ofensor (artigo 107, I do CP). Findo o processo, e por informações de terceiros, é reconhecida a falsidade do documento juntado.
Desta forma, temos o caso típico em que a certidão de óbito seria usada para afastar a punibilidade. Diante da situação descrita, existe a possibilidade de revogar a decisão transitada em julgado, indo contra a vedação criminal "pro societate", "non reformatio in pejus" e o dispositivo do art. 5º XXXVI da Constituição Federal, que protege de modificação a coisa julgada? Temos que a resposta será positiva.
Para responder ao questionamento levantado, deve-se levar em conta o princípio do processo penal intitulado como verdade real, que consiste em buscar e descobrir efetivamente como os fatos se passaram, não admitindo ficções e presunções processuais.
Assim, podemos dizer que o princípio em comento determina que o fato investigado no processo deve corresponder ao que está fora dele, e que o juiz não pode apenas se ater aos fatos descritos na peça processual, deve ir além. No caso em questão, caso receba a informação de que se trata de certidão de óbito falsa, mister o dever modificar a decisão.
Caso contrário, seria um grave erro considerar como válida e imutável uma sentença que se baseou em um documento falso. Seria deixar a sociedade desarmada frente a um potencial criminoso que se furtou de sanções penais através de meios ardilosos e ilícitos. Isso definitivamente desencadearia uma insegurança jurídica sem precedentes.
Dessa forma, cumpre ressaltar que, seja a sentença penal declaratória ou constitutiva, surge a possibilidade do pedido de revisão, uma vez que a decisão ora em enfoque foge aos princípios basilares do direito penal, impondo como necessária uma modificação na coisa julgada material.
Outro não é posicionamento do STF, que defende haver possibilidade de revogação da decisão que com base em certidão de óbito falsa, julgou extinta a punibilidade do réu. A decisão absolutória baseada na morte do agente é uma sentença declaratória e, dessa forma, o que gera a extinção da punibilidade é a morte do agente e não a sentença. Assim, uma vez comprovado que a única prova aceita no processo penal para a morte do agente, a certidão de óbito, (artigo 62 CPP) é falsa, a causa de extinção da punibilidade deixa de existir e a sentença declatória passa a não ter efeito. O argumento se baseia na impossibilidade da decisão gerar coisa julgada em sentido estrito.
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE AMPARADA EM CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA. DECRETO QUE DETERMINA O DESARQUIVAMENTO DA AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA DE REVISÃO PRO SOCIETATE E DE OFENSA À COISA JULGADA. FUNDAMENTAÇÃO. ART. 93, IX, DA CF. I. - A decisão que, com base em certidão de óbito falsa, julga extinta a punibilidade do réu pode ser revogada, dado que não gera coisa julgada em sentido estrito. II. - Nos colegiados, os votos que acompanham o posicionamento do relator, sem tecer novas considerações, entendem-se terem adotado a mesma fundamentação. III. - Acórdão devidamente fundamentado. IV. - H.C. indeferido.
Assim, verifica-se que o STF também não admite a manutenção da sentença pro societa, mas tão somente declara a insuficiência da decisão que julga extinta a punibilidade do réu, em face de certidão de óbito falsa, o que não permite a tal decisão gerar coisa julgada.
Sopesados os fatos arrolados ao longo do artigo em questão, e em sintonia com as decisões do Supremo Tribunal Federal, entendo que restou afastada qualquer ofensa à constituição, principalmente no que tange a modificação da coisa julgada, haja vista que no caso em epígrafe a sentença que se baseia em documento falso não faz coisa julgada material. Ainda nesta seara, não há que se falar em ofensa ao princípio da verdade real, bem como do "pro societate" e "non reformatio in pejus".
Diante do que foi discutido, percebe-se a possibilidade da revogação dos efeitos da sentença que extinguiu a punibilidade baseada em documentos falsos, e a possibilidade da revisão criminal no sentido de imputar sanções ao agente, mesmo que sobre ele pese uma sentença absolutória já transitada em julgado.

Autor: Tiago Dayrell Matragrano


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