A desoneração da fiança diante das alterações introduzidas pela Lei 11.112/2009, nas locações de imóveis urbanos.



Lidiane Pereira (*)

1. Aspectos gerais da locação e das garantias locatícias


Indubitavelmente, o contrato de locação de imóvel urbano destaca-se por sua importância, pelo grande número de imóveis locados e o aumento de demandas judiciais envolvendo o referido contrato.

Genericamente, a locação pode ser definida como negócio jurídico efetivado através de contrato bilateral e oneroso, em que uma parte entrega bem, móvel ou imóvel, de sua propriedade para que, mediante pagamento, outra parte use e goze, por prazo determinado ou indeterminado.

O doutrinador Sílvio de Salvo Venosa apresenta o seguinte conceito:

"De forma geral, a locação dentro do conceito romano tradicional é contrato pelo qual um sujeito se compromete mediante remuneração, a facultar a outro, por certo tempo, o uso e gozo de uma coisa (locação de coisas); a prestação de um serviço (locação de serviços) ou a executar uma obra (empreitada)" (1)

As relações contratuais advindas de locação de imóveis urbanos são reguladas pela lei n. 8.245/91, nos seguintes termos:
Art. 1º A locação de imóvel urbano regula - se pelo disposto nesta lei:
Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:
a) as locações:
1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas;
2. de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos;
3. de espaços destinados à publicidade;
4. em apart- hotéis, hotéis - residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar;
b) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades.

Os elementos principais do contrato são a cessão do imóvel e a contraprestação devida. O primeiro elemento perfectibiliza-se, com o uso e gozo efetivo do imóvel, sem maiores controvérsias, no ato da contratação ou na data acordada. Inclusive, inaceitável atribuir validade ao contrato de locação sem a efetiva transferência da posse. O segundo elemento, por tratar-se de obrigação periódica apresenta grande suscetibilidade ao inadimplemento, por vezes, alheio a má-fé do locatário (inquilino), porém, em detrimento do locador (proprietário do imóvel) e em descumprimento ao contratado.
Diante de tal realidade fática surgem as garantias locatícias com escopo de minimizar os efeitos, ou mesmo, inibir o inadimplemento dos alugueres devidos ao locador/credor. Assim, a garantia tem por finalidade proteger contra um risco incerto.
A lei locatícia, em seu art. 37, prevê quatro modalidades de garantias, quais sejam: caução, fiança, seguro fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundos de investimento. As garantias locatícias são obrigações acessórias e na mesma linha de entendimento Sílvio Salvo Venosa assevera:

"Sendo o contrato de locação um contrato dirigido pelo Estado, os instrumentos que garantem seu cumprimento e protegem o locador do inadimplemento também o são. A lei, a exemplo do diploma anterior, especificou originalmente três modalidades de garantia.
As obrigações de garantia são uma terceira modalidade de obrigação, ao lado das obrigações de meio e de resultado. O conteúdo da garantia, sempre a serviço de outra obrigação, é eliminar um risco que pesa sobre o credor. Para esse fim, a simples assunção do risco pelo devedor da garantia representa por si só o adimplemento da obrigação. Trata-se, pois, de obrigação acessória a contrato principal, no caso o contrato de locação." (2)



A garantia surge para dar segurança à avença principal. Eis que surge, entre as modalidades supracitadas, o popular e tradicional contrato de fiança.

No contrato de fiança, um terceiro assegura obrigação assumida e eventualmente não cumprida pelo locatário no contrato principal. O art. 818 do atual Código Civil define contrato de fiança da seguinte forma:

Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.


Além de acessório, o contrato de fiança é unilateral, consensual, de interpretação restritiva e normalmente gratuito ou benéfico.

2. Da desoneração da fiança nos contratos por prazo indeterminado


A possibilidade de desoneração traz a discussão da insegurança jurídica nas relações locatícias, contudo, deixa-se de lado o estudo do vínculo acessório de fiança. Eternizar um contrato acessório, geralmente gratuito, assumido de força livre culmina numa obrigação evidentemente desproporcional, compara-se a impingir pena de prisão perpétua.
O Novo Código Civil inseriu no art. 835 a exoneração de fiança, nos contratos por prazo indeterminado, através de simples notificação extrajudicial.
Apresentando, portanto, enorme evolução sobre o assunto e alterando sensivelmente o preceito anterior, art. 1500 CC/1916, que previa somente a exoneração através de intervenção judicial ou pelo consentimento do credor e do afiançado.
Porém, a fiança locatícia de imóveis urbanos continuava sendo regida pela Lei 8.245/91, lei especial, conforme previsto no art. 2.036 do novo Código Civil, nos seguintes termos:
Art. 2.036. A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida.


Por sua vez, a Lei 8.245/91 não previa a exoneração por simples notificação, ao contrário, vinculava o fiador ao binômio desejo/necessidade, sem limite de tempo, do afiançado sobre o bem imóvel objeto de locação.
Após 18 (dezoito) anos de tramitação, acompanhando a evolução trazida pelo Código Civil de 2002, a Lei 12.112/2009, dita Nova Lei do Inquilinato, alterou dispositivos da Lei 8.245/91. Dentre as mudanças, apresenta previsão de desoneração de fiança no caso de prorrogação da locação por prazo indeterminado, no seu art. 40, X, conforme segue:


Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos:

X ? prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

Parágrafo único. O locador poderá notificar o locatário para apresentar nova garantia locatícia no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de desfazimento da locação.

Assim, o fiador através de notificação extrajudicial, poderá desonerar-se do contrato acessório, obrigando-se ainda pelo prazo de 120 (cento vinte dias) pelos seus eventuais efeitos, diferente do prazo apontado no Código Civil.
Por fim, as mudanças somente evidenciam que a lei visa garantir a liberdade de escolha nas relações jurídicas, retirando o viés de contrato punição pelo vínculo indissociável. Extirpando o famigerado instituto da renovação automática e infindável.




Bibliografia

1. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Contratos em Espécie. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 135-136

2. VENOSA, Sílvio de Salvo. Garantias Locatícias. Sílvio Venosa. Disponível em http://www.silviovenosa.com.br/artigo/garantias-locaticias . Acesso em: 10 maio de 2011.


3. BRASIL. Código Civil. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010.Vademecum, legislação.

4. BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 21 out. 1991.

(*) Lidiane Pereira - A autora é advogada em Santa Catarina, pós-graduada pela Universidade Nova de Lisboa e autora de diversas publicações jurídicas eletrônicas. E-mail: [email protected]


Autor: Lidiane Pereira


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