EDUCAÇÃO DE CONSTRUTORES



Se se perguntar a qualquer pessoa, qualquer trabalhador, se ele gostaria de ganhar um salário melhor, claro que ele vai responder que sim. Ao mesmo tempo, se se perguntar a um patrão/empregador e dono de uma grande empresa, se ele se habilita a pagar um salário igual para todos os seus trabalhadores, ele certamente vai responder de forma negativa. Primeiro ele vai dizer que tem profissionais de todos os níveis de escolaridade e qualificação, e por esta razão seria impossível uma equiparação salarial. Depois, ainda poderá dizer que tem profissionais que são extremamente produtivos, em detrimento de outros que produzem apenas aquilo que sua carga horária permite, limitadamente.
Individualmente, se se perguntar ao servente de pedreiro se ele gostaria de ganhar um salário igual ao do pedreiro, ele não titubeará e dirá que sim; e se perguntarmos ao pedreiro se ele gostaria de ganhar igual ao mestre de obras, ele tambem dirá que sim. Mais acima, se perguntarmos ao mestre de obras se ele gostaria de ganhar um salário igual ao do engenheiro ou do arquiteto, ele tambem dirá que sim.
De fato, todo trabalhador inferiormente qualificado gostaria de ter o salário do superiormente qualificado. Entretanto, todos eles, independente de seu grau de qualificação, dentro de uma perspectiva ética, cumprem sua tarefa a contento. Eles sabem que fazem parte de um processo produtivo e nesse processo sua função é fazer aquilo pelo qual são pagos. Desta forma, independentemente de sua remuneração, sua tarefa é executada. E ao final, a obra ou projeto global acaba se realizando e seu trabalho é diluído no contexto geral. Se acontecer o contrário; se o servente de pedreiro não realizar sua tarefa porque acha que seu salário é inferior ao do pedreiro; se o pedreiro não fizer a sua parte porque acha que o mestre de obras ganha mais e se o mestre de obras deixar de cumprir sua obrigação porque seu salário é menor que o do engenheiro e o do arquiteto, a obra ou o projeto não se realizarão. Ai, todo o processo produtivo será interrompido baseado no fato de que os indivíduos nele envolvidos, não tiveram consciencia de seu papel hierárquico dentro dessa cadeia. Se assim for, a sociedade, de modo geral, acabará sendo penalizada, e um efeito dominó acabará por desestabilizar toda a economia. Todos cumprem seu papel, não apenas pela satisfação de receber um pagamento pela tarefa executada, eticamente eles sabem que fazem parte de um processo dinâmico que precisa da sustentação de suas ações individuais.
Todo esse prefácio é introdutório para o argumento que precisa ser montado a respeito da qualidade da educação.
Ao longo da história, o discurso montado sobre educação sempre está permeado de questões como: melhores condições de trabalho, menor carga horária, melhor salário e valorização profissional. Mas, muito pouco ? ou quase nada ? tem se feito para criar as condições para que se chegue a isso. Tem se reivindicado melhores condições de trabalho, e é certo que as condições de trabalho são melhores que as encontradas no século passado ? em se tratando de processo cultural não se pode querer que as coisas mudem de um ano para outro, voluntariamente, sem a mudança ideológica de seus agentes -, se se comparar a estrutura física encontrada logo ali nos anos novecentos. Mas, o certo é que, essa nova estrutura física, somada a uma estrutura tecnológica que de certo modo acompanhou os avanços da sociedade, não foram capazes de produzir avanços na qualidade do ensino. No que se refere à menor carga horária, este é um ponto que sempre vai existir. Mesmo quando todos os outros pontos forem devidamente satisfeitos, a carga horária ainda estará lá querendo se adequar. Isso porque nela vai sempre ficar evidente a proposta de o que e para que se está fazendo alguma coisa. No caso da educação, a carga horária poderá ser maior ou menor, dependendo das ansiedades da geração em que estiver sendo realizada; dependendo da disponibilidade de tempo que a sociedade der para o fim de educar seus membros, e com qual propósito eles estarão sendo educados. Quanto à melhoria salarial, se levarmos em consideração a relação que fizemos entre o salário do servente de pedreiro e o do engenheiro, não será com melhoria salarial que a qualidade na educação será alcançada. Se professores são a égide de toda categoria profissional e estes não dispõe de ética suficiente para lhes fazer produzir com qualidade, mesmo ganhando insafisfatoriamente, será possível imaginar que com salários diferenciados da maioria das classes profissionais, serão capazes de produzir melhor? Difícil acreditar que sim! Se nos séculos passados as condições de trabalho eram ruins, a carga horária era até maior, o salário era pior e a valorização do profissional não era diferente da encontrada hoje, a maioria daqueles que se enveredava para a educação conseguia ensinar, poderemos concluir que a resposta negativa a esta questão será bem mais plausível. Agora, e o que dizer da valorização profissional do magistério nos dias atuais? Assim como o servente de pedreiro, o pedreiro, o mestre de obras e o engenheiro fazem parte de um processo construtivo, onde se qualquer uma das partes falhar a construção não será erguida, imaginemos uma sociedade onde professores não sabem realmente a importancia de seu papel. Isso porque um professor que não tem autocrítica suficiente para entender que se seu aluno não aprende a culpa não é só dele, certamente não saberá seu valor no processo. Porque se o engenheiro não disser ao ajudante de pedreiro que a quantidade de cimento tem que ser X para que a massa esteja no ponto, lá no final da construção ele perceberá que o que construiu irá ruir facilmente. Mas no caso da educação, fica bem mais complicada essa separação entre profissionais em quantidade e profissionais com qualidade. Se nos séculos passados o magistério se servia daqueles que realmente amavam o que faziam, nos dias atuais houve uma vulgarização da profissão. Houve um aumento assustador dos cursos de formação universitária com habilitação para o magistério ? para atender a interesses comerciais das instituições de ensino ? e concomitante a isso, veio a banalização do ingresso de profissionais sem nenhum perfil de mestre. E estes, a partir do momento em que passam num concurso público e se encontram estáveis na carreira do magistério, sequer olham para traz, ou para frente, para ver qual a importancia de seu papel na sociedade ? além da importancia economica que seu salario representa ?. Assim, a valorização dos profissionais do magistério fica condicionada à qualidade que a sociedade espera da educação. Mas a sociedade precisa ser instigada, pelos próprios profissionais do magistério, sobre a importancia dessa educação de qualidade para suas crianças e adolescentes. Ai pode se imaginar que, uma das fórmulas mais elementares de valorização do profissional de educação tem inicio dentro da sala de aula, com o valor que o aluno atribui a seu professor. Partindo desse pressuposto, professores que consigam mais que cumprir a carga horária, também são responsáveis por fazer professores que só a cumprem sua carga, serem extirpado do meio educacional. Porque só haverá valorização profissional na educação, a partir do momento em que realmente se consiga fazer com que o aluno entenda que estar em sala de aula não se resume ao cumprimento passivo de um tempo determinado; que o aluno entenda que na sala de aula se está urdindo a melhoria ou a ruína de sua geração. E professores que apenas cumprem sua carga horária além de não contribuírem para o aumento do respeito e valor que se dá a esse profissional, ainda trabalha para sua depreciação. Isso porque um mal professor destrói em segundos todo o trabalho que um bom professor desenvolveu durante anos de trabalho. E nesse processo de construção e destruição do valor, no universo do aluno, é muito mais penoso se construir uma idéia positiva sobre a importancia do ato de apreender, que padronizar um modelo passivo onde nem aluno nem professor produzem. E esse ultimo caso, é o que a grande maioria dos profissionais de sala de aula prefere. Este é o modelo onde "o professor finge que ensina, e o aluno finge que aprende". Mas como, para o profissional isso não altera seu rendimento mensal, tanto faz...
A categoria docente não tem conseguido ler as entrelinhas, para entender que somente a sociedade poderá dar ao magistério os elementos capazes de mudar seu perfil, a partir do momento em que consiga atender seus anseios e fazer com que ela, a sociedade, dê ao profissional do magistério seu devido valor. Esse valor, como dito antes, só será construído dentro do ambiente da sala de aula; só será possível se partir da parte mais interessada, que é o aluno. Porque ai os professores precisam entender que, a partir do momento em que não sejam capazes de produzir de forma a atender às necessidades de seus alunos, estes alunos ? futuros adultos ? serão os próximos pais a não valorizar a profissão de magistério. E redundantemente precisa ser dito: quem mais desvaloriza a educação, são os maus educadores e essa valorização jamais acontecerá pelos movimentos reivindicatórios da categoria. Porque como todo movimento reivindicatório, este especificamente, não pode ser legitimado pelo sistema educacional. Sendo assim, se se quiser reivindicar maior respeito, maior valor ao profissional da educação, não se pode recorrer ao sistema corriqueiro dos movimentos paredistas, precisa que se inicie outro movimento ? silencioso ? nas mentes dos alunos, e dos próprios profissionais, que contribua, efetivamente, para o aumento da qualidade na educação.
Temos lido, discutido, interpretado e até participado de um movimento contemporaneo para uma educação meramente quantitativa. A categoria do magistério é, assim, fragmento passivo de um sistema educacional onde a estatística se sobrepõe a questões dinamicas muito mais intrissecas à educação; onde se constrói, in vitro, um discurso politicamente correto para satisfazer a sociedade, sobre uma estrutura educacional forjada para agregar valores à classe dominante e alienar a classes dominada.
Quando se diz que há salas de aula, estrutura física, equipamentos de apoio pedagógico, salários satisfatórios e profissionais devidamente qualificados, e suficientes, para que se consiga dar uma aula de qualidade, se está esquecendo, propositalmente, de analisar todo o mecanismo, bem mais importante: o dos objetivos propostos pelo sistema educacional para com a classe discente, e como proposta futura, para a sociedade de modo geral.
Um pedreiro e um professor, cada um em seu oficio, com tarefas determinadas, e ao mesmo tempo, começaram suas obras.
O pedreiro, contando com a ajuda de seu ajudante, obedecendo às ordens do mestre de obras e cumprindo o projeto elaborado pelo engenheiro e o arquiteto, no tempo determinado para a execução do projeto o entrega. Pelo trabalho bem feito o contratante o paga conforme o combinado ? no que o pedreiro fica devidamente satisfeito ? e, na inauguração da bela casa ainda é convidado para a festa. E ali se encerra sua relação com o contratante.
O professor, com seu projeto pedagógico nas mãos, entra na sala de aula, faz o que precisava ser feito. Atende às orientações do gestor e do sistema educacional sem cobrar muito de seus alunos ? coitadinhos, todos de famílias carentes, sem muitas perspectivas de vida e que precisavam concluir o ensino médio para conseguir uma colocação no mercado de trabalho ?; atribui aquele pontinho que falta no final do bimestre ? para não ter que fiar ministrando a tão indesejada recuperação no final do ano, depois que todos já gozam sua férias ?. Durante todo o ano ? período no qual executa sua obra ?, ao final de cada mês recebe seu salário, as vezes reclama que é pouco, mas, como seus alunos não o cobram muito, e resignado como todo professor, acaba satisfeito. Em sua autocrítica lembra que, como consolo, no inicio do ano quando os alunos da terceira série elaboraram a tão sonhada camiseta de uniforme com o almejado "CONCLUINTES", lá estava o nome de todos os professores, inclusive o seu. E na festa de formatura ainda recebeu um convite e um espaço para oratória. Ele dispensou a oratória porque não gosta de falar em público. Atenta ao fato de que, por ser um professor bonzinho muitos alunos lembrarão dele por aquele pontinho salvador, atribuído àquele aluno desinteressado, no final do ano, e esse aluno que sabia apenas tres acabou passando com média oito. E sabe tambem que poucos pais irão lhe procurar para agradecer por esse pontinho ? até porque não se dera ao trabalho de conversar com nenhum deles sobre as dificuldades de aprendizado de seus filhos, porque tem consciencia de que no processo educacional cada um dos elementos envolvidos tem seu papel definido e distinto. Deixa pra lá ? pensa ?, professor é mesmo pouco reconhecido. No máximo recebem um tapinha nas costas e um: ? Valeu fessô!
Aqui contamos como trabalhou o servente de pedreiro, o pedreiro, o mestre de obras, o engenheiro e o arquiteto que construíram a casa de um professor. Contamos assim a história do professor do servente de pedreiro, do pedreiro que conseguiu chegar a mestre da obra, que construiu a casa do professor. Já a história do engenheiro e do arquiteto, que também trabalharam na construção da casa do professor... Esta Paulo Freire foi quem contou.
Pedreiros são construtores de casas... professores são os construtores da sociedade.
(Mimi ? 18/07/2009)
Autor: Emivaldo Aires Da Silva


Artigos Relacionados


Educação No Brasil

A InformaÇÃo Gerando ProduÇÃo

A Educação E O Professor

Programa Reconhecer... Reconhecer O Quê?

A Valorização Dos Professores

Sala De Aula: Visão Compartilhada

Sou Professora Sim E Com Muito Orgulho!