O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE UM JOVEM COM SÍNDROME DE DOWN A PARTIR DE SUAS RELAÇÕES FAMILIARES UM ESTUDO DE CASO
Faculdade de Psicologia
Curso de Psicologia ? Unidade São Gabriel
O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE UM JOVEM COM SÍNDROME DE DOWN A PARTIR DE SUAS RELAÇÕES FAMILIARES
UM ESTUDO DE CASO
Priscilla Vieira Leite
Belo Horizonte
2010
Priscilla Vieira Leite
O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE UM JOVEM COM SÍNDROME DE DOWN A PARTIR DE SUAS RELAÇÕES FAMILIARES
UM ESTUDO DE CASO
Monografia apresentada ao Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais / Unidade São Gabriel, como requisito parcial para a obtenção do título de graduação em Psicologia.
Orientadora: Profª. Mª de Fátima Lobo Boschi
Belo Horizonte
2010
Priscilla Vieira Leite
O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE UM JOVEM COM SÍNDROME DE DOWN A PARTIR DE SUAS RELAÇÕES FAMILIARES
UM ESTUDO DE CASO
Monografia apresentada ao Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Unidade São Gabriel, como requisito parcial para a obtenção do título de graduação em Psicologia.
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Profª. Maria de Fátima Lobo Boschi (Orientadora) ? PUC Minas
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Profª Valeria Freire - Banca examinadora ? PUC Minas
Belo Horizonte, 11 de Junho de 2010.
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora, Professora Maria de Fátima Lobo Boschi, que tornou possível a realização deste trabalho.
Ao meu namorado, Gabriel por todo carinho, dedicação e compreensão.
Ao Núcleo de Atividades Especiais Reeducativas e Atendimentos, lugar onde cresceu em mim um amor incondicional por essas pessoas tão especiais que hoje fazem parte da minha vida. Em especial ao Bruno e Gustavo, fonte de inspiração.
Aos meus familiares que contribuíram para realização deste sonho e as minhas colegas de sala, pela troca de experiência.
"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que seu oposto."
Nelson Mandela
RESUMO
Nesta pesquisa discuti-se o processo de desenvolvimento de um portador da Síndrome de Down (SD) a partir de suas relações familiares. O objetivo deste estudo foi compreender a participação da família durante o desenvolvimento de um membro com SD e como isso pode trazer uma significação para esse sujeito, assim como, uma conseqüente autonomia, principalmente nas relações com o meio no qual ele está inserido. Para esta pesquisa foi realizado um estudo de caso, utilizando para a coleta de dados, entrevistas semi-estruturadas com cada membro da família escolhida. De forma a conhecer e analisar essas relações familiares no processo de desenvolvimento desse jovem foi enfocado, aspectos que evidenciam a assistência da família com esse jovem e a conseqüente contribuição para o seu desenvolvimento e para suas relações sociais. A análise dos dados evidenciou que a família teve papel fundamental no processo de desenvolvimento desse jovem com SD, pois quando a família aceita essa criança com SD e cuida para que ela se sinta amada, respeitada e com autonomia, serão maiores as possibilidades desta se desenvolver e ser aceita na sociedade.
Palavras-chave: Síndrome de Down, Relações Familiares, Desenvolvimento, Relações Sociais.
ABSTRACT
In this study discuss the process of developing a carrier of Down Syndrome (DS) from their family relationships. The aim of this study was to understand family involvement during the development of a member with Down syndrome and how it can bring a meaning to that person as well as a consequent autonomy, especially in relations with the environment in which it is inserted. For this survey was conducted a case study, using data collection, semi-structured interviews with each family member chosen. In order to meet and consider these family relationships in the development process of this young man was focused on aspects that highlight family counseling with this couple and the consequent contribution to their development and their social relations. Data analysis showed that the family was instrumental in the development process of this young man with Down syndrome, for when the family accepts the child with DS and sees that she feels loved, respected and autonomy will be greater chances of developing and be accepted in society.
Keywords: Down Syndrome, Family Relations, Development, Social Relations.
LISTA DE SIGLAS
APAE ? Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais
NAERA - Núcleo de Atividades Especiais Reeducativas e Atendimentos
SD ? Síndrome de Down.
ZDP - Zona de Desenvolvimento Proximal.
1 INTRODUÇÃO
A seguinte pesquisa teve como objetivo conhecer o processo de desenvolvimento de um jovem com Síndrome de Down (SD) a partir de suas relações familiares e a correlação destas relações com seu desenvolvimento e seu meio social.
A família constitui o primeiro universo de relações sociais da criança, podendo proporcionar-lhe um ambiente de crescimento e desenvolvimento saudável, especialmente com essas crianças que apresentam deficiência mental, pois os mesmos requerem atenção e cuidados específicos. A gama de interações e relações desenvolvidas entre os membros familiares mostra que o desenvolvimento do indivíduo não pode ser isolado do da família. Essas interações irão se apresentar de formas diferentes na medida das condições e necessidades demandadas pelo indivíduo, acreditando que o papel da família é sempre importante.
O interesse pelo tema surgiu após dois anos atuando como estagiária no Núcleo de Atividades Especiais Reeducativas e Atendimentos (NAERA), instituição privada, cujo principal objetivo é a promoção dos sujeitos portadores de necessidades especiais no meio social, promovendo um ambiente adequado às suas atividades.
O capítulo primeiro discorre sobre o processo de desenvolvimento humano e da SD. Sabe-se que essa síndrome ocorre por um acidente genético ocorrido no cromossomo 21, causando além de uma deficiência mental um atraso motor, porem estes podem ser amenizados através de estímulos desde os primeiro anos de vida. O desenvolvimento de um individuo é a soma de fatores genótipos e fenótipos.
O segundo capítulo tem como foco as relações familiares, uma vez que, cada pessoa necessita de uma família, seja essa, no modelo nuclear, monoparentais, entre outras, para iniciar seu processo de desenvolvimento e de sua primeira inserção na sociedade. Quando nasce uma criança com SD, o processo de aceitação desta família é diferente, em comparação a criança sem deficiência, necessitando ainda mais de estímulos positivos para seu bom desenvolvimento.
O terceiro capítulo trata da descrição do trabalho de campo. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, em forma de estudo de caso. Através dos resultados obtidos, foi possível analisar o processo desta família em relação ao jovem com SD, observando sua trajetória desde seu nascimento até os dias atuais. Esta experiência trouxe resultados significativos de que, nossa sociedade, precisa de mais informações sobre a SD e da importância de fazer reconhecida a capacidade destas pessoas de conviverem coletivamente.
A possibilidade de uma pessoa com SD participar do meio social numa visão integradora e inclusiva, demonstra uma sociedade liberta dos seus preconceitos, tornando possível uma melhor convivência com a diversidade.
2 SÍNDROME DE DOWN E DESENVOLVIMENTO
2.1 Compreendendo a Síndrome de Down (SD)
A SD é uma condição genética caracterizada pela presença de um cromossomo a mais nas células da pessoa, e por isso é também chamada de Trissomia do Cromossomo 21. É um acidente genético que ocorre, geralmente, ao acaso, durante a divisão celular do embrião, e sua causa é até o momento desconhecida. Dessa forma, qualquer casal pode ter um filho com SD, pois isso acontece em todas as etnias e grupos socioeconômicos, não importando sua raça ou condição social.
Metade dos cromossomos de cada individuo são derivados do pai e a outra metade da mãe. As células germinativas (espermas e óvulos) têm somente metade do número de cromossomos encontrado normalmente em outras células do corpo. Assim, 23 cromossomos estão no óvulo e 23 estão no esperma. Em circunstâncias normais, quando o esperma e o óvulo se unem no momento da concepção, haverá um total de 46 cromossomos na primeira célula. No entanto, se uma célula germinativa, tiver um cromossomo a mais, ou seja, 24 cromossomos em uma célula e 23 na outra, essa célula será composta por 47 cromossomos, e sendo esse o 21, o feto se não sofrer um aborto natural, nascerá com SD. (PUESCHEL , 1993).
Na manifestação da SD além da Trissomia (mais comum), podemos encontrar outras possíveis etiologias: Mosaicismo e Translocação. Em aproximadamente 92% dos portadores da SD observa-se um cromossomo 21 extra em todas as células, resultando num cariótipo constituído por 47 cromossomos, devido à trissomia do 21. Em 3 a 4% dos casos de SD, o cromossomo 21 extra está ligado a outro cromossomo, freqüentemente ao 14. Este rearranjo cromossômico é denominado translocação. O mosaicismo do cromossomo 21 é responsável pela SD em 2 a 4% dos afetados. Estes apresentam dois tipos de células, um com número normal de cromossomos (46) e outro com 47 cromossomos devido à trissomia do cromossomo 21. A causa principal do mosaicismo é a não disjunção do cromossomo 21 durante o processo da mitose (divisão das células somáticas) no embrião. (PUESCHEL, 1993, p52).
Segundo Pueschel (1993), a SD é uma condição genética conhecida há mais de um século, descrita por Jhon Langdon Down e constituiu uma das causas mais freqüentes de deficiência mental. No Brasil estima-se que a incidência seja de uma criança com SD a cada 600/700 nascimentos, elevando esse número com o aumento da idade materna. A SD é essencialmente um atraso global do desenvolvimento motor e mental da criança.
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Essa divisão celular falha pode ocorrer em três lugares: no espermatozóide, no óvulo ou durante a primeira divisão da célula após a fertilização. A última possibilidade é muito rara. Estima-se que em 20% a 30% dos casos, o cromossomo 21 extra resultou de divisão celular falha do espermatozóide e que em 70% a 80% dos casos, o cromossomo extra vem da mãe. (PUESCHEL, 1993, p54).
Sabe-se que a deficiência metal está presente no quadro da SD e que os atrasos motores são corrigidos se bem estimulados desde cedo, mas este trabalho precisa deixar a criança desenvolver-se de maneira espontânea, criativa e afetiva. Assim, elas estarão prontas para entrar em contato com o mundo para uma inclusão mais ampla na sociedade e com uma possibilidade maior de sucesso, pois para Pueschel (1993), em um mundo que pouco se respeita as diferenças individuais, a criança portadora da SD como qualquer outra, precisa ter certo "jogo de cintura" e uma dose de segurança para se lançar ao comércio social, deixando inclusive os pais mais tranqüilos e seguros.
De acordo com Buckley (2010), a SD trará ao individuo um comprometimento cognitivo e, eventualmente, físico, porém, ela não impede o desenvolvimento de muitas potencialidades afetivas e intelectuais.
Em virtude do material genético adicional no cromossomo 21 extra, crianças com SD tem características corporais que lhes conferem uma aparência diferente da de seus pais, irmãos ou outras crianças sem deficiência. Como o cromossomo 21 extra se encontra nas células de pessoas com SD, ele exerce uma influência na formação do corpo de forma semelhante. Assim, essas crianças apresentam muitas características comuns e se assemelham entre si. Embora algumas das características ocorram com grande freqüência e sejam consideradas típicas da síndrome, deve ser enfatizado que se trata de fatores menores e geralmente não interferem no funcionamento da criança nem a tornam menos atraente. (CASARIN, 2003).
Para Melero, citado por Storer e Voivodic (1999), a pessoa com SD é muito mais que sua carga genética, é um organismo que funciona como um todo, principalmente quando melhoram os contextos em que a pessoa vive, sejam eles: familiar, social e escolar.
Para todas as crianças, o desenvolvimento é um processo interativo e contínuo não é totalmente determinado por genes no nascimento. Genes podem influenciar a habilidade de uma criança para aprender, mas eles não determinam as oportunidades para aprender. Desde o nascimento, todos os relacionamentos no mundo de um bebê com aqueles que estão à sua volta influenciam profundamente seu desenvolvimento. O funcionamento e estrutura do cérebro depois do nascimento é profundamente influenciado por informação e atividade. (BUCKLEY, 2010).
2.2 Desenvolvimento Humano
Pensamos o desenvolvimento humano desde os sistemas fisiológicos e bioquímicos até as relações compostas por seqüencias de interações entre indivíduos, grupos e sociedade. Segundo Dessen e Costa Junior (2005), o desenvolvimento humano representa uma reorganização continua dentro da unidade tempo-espaço, que opera no nível das ações, percepções, atividades e interações com diferentes participantes no ambiente da pessoa.
Uma das tarefas básicas da ciência do desenvolvimento é compreender como o comportamento individual entra em contato com outras dimensões significativas do seu encontro, além de descrever as características desses contatos que são relevantes para o desenvolvimento, pois sua compreensão requer, sobretudo, pensar no estabelecimento de relações que o individuo mantém com seus contextos próximos, isto é, a família, o local de trabalho, a escola, a comunidade, os valores, as crenças e a cultura em geral. (DESSEN e COSTA JUNIOR, 2005).
Para Vygotsky (1988), o homem é herdeiro tanto da evolução de sua espécie como cultural, e seu desenvolvimento dar-se em função de características do meio social em que vive. A partir daí, é que surge o termo sócio-cultural ou histórico. Ele traz a concepção das funções psicológicas como sistema complexo e dinâmico, submetidos a varias transformações em seu contexto cultural, como exemplo, o controle consciente do comportamento, a capacidade de planejamento e previsões, atenção e memória voluntária, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo e imaginação. A cultura é, neste paradigma, parte constitutiva da natureza humana, já que a formação das características psicológicas individuais se dá através da internalização dos modos e atividades psíquicas historicamente determinadas e culturalmente organizadas. O sujeito intervém em seu meio, com movimento de recriação e interpretação de informações, conceitos e significados.
Segundo Vygotsky , citado por Oliveira (2002), temos dois tipos de desenvolvimento: o real e o potencial. O desenvolvimento real é aquele que já foi consolidado pelo indivíduo, de forma a torná-lo capaz de resolver situações utilizando seu conhecimento de forma autônoma. O nível de desenvolvimento real é dinâmico, aumenta dialeticamente com os movimentos do processo de aprendizagem. Já o potencial é determinado pelas habilidades que o indivíduo já construiu, porém encontra-se em processo.
Isto significa que a dialética da aprendizagem que gerou o desenvolvimento real, gerou também habilidades que se encontram em um nível menos elaborado que o já consolidado. Desta forma, o desenvolvimento potencial é aquele que o sujeito poderá construir, sendo o nosso potencial chamado de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Se uma pessoa chega a 100 % de seu desenvolvimento potencial, sua ZDP será ampliada, porque estamos sempre adquirindo novos conceitos através do meio no qual estamos inseridos (REGO, 2007).
A visão de desenvolvimento de Dessen e Costa Junior corrobora com a teoria de Vygotsky, pois ele enfatiza o papel da interação social ao longo do desenvolvimento do ser humano. Desta forma, ninguém nasce rebelde ou disciplinado, pois esta característica não é inata. O comportamento indisciplinado estaria ligado a uma série de fatores que influenciam a criança e o adolescente ao longo do seu desenvolvimento. O ser humano é então, constantemente influenciado por diferentes elementos que existem nas interações sociais.
O indivíduo carregará consigo marcas de sua relação com seu meio onde seu comportamento mais ou menos indisciplinado será resultado de suas experiências, fazendo com que o mesmo tenha características de seu grupo social. Vygotsky ainda vai abordar a linguagem como um signo mediador por excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana que permitem a comunicação entre os indivíduos e o estabelecimento de significados comuns aos diferentes membros de um grupo social (VYGOTSKY, 1998).
Para Voivodic e Storer (2002), o desenvolvimento das crianças com deficiência mental não depende apenas do grau em que são afetadas intelectualmente, pois numa visão mais sistêmica consideram-se vários fatores afetando o desenvolvimento, dos quais o principal é o ambiente familiar, sendo a família que reconhece a dependência da criança e se adapta às suas necessidades, oferece oportunidade para o bebê progredir no sentido da integração do acúmulo de experiências, enfim, de seu desenvolvimento.
3. RELAÇÕES FAMILIARES
Para Casarin (2003), desde as primeiras semanas de vida, o ser humano apresenta uma tendência a manter ligações afetivas. Essa tendência se mantém por toda a vida, mostrando necessidades diferentes durante o ciclo evolutivo. É a partir de uma ligação afetiva estável, de apego seguro, que uma pessoa constrói sua autonomia.
O homem não se caracteriza por seu corpo, nem por determinadas propriedades físicas, mas por sua maneira de existir diferente dos outros entes. Desse lugar, onde está localizada a família, poderemos inferir que a essência é a sua existência, diferente de outros grupos humanos. A família se vivencia a si mesma como algo único, integrada por projetos, expectativas, frustrações, dificuldades, reflexões e alegrias. (DELGADO, 2003 p. 98).
Quando surge a família, casal, pai ou mãe/substituto e filho/a, cada membro que a constitui está buscando tornar possível sua existência. Para cada integrante que a funda, é uma etapa nova em sua vida pessoal e ao mesmo tempo um novo sistema de relações dá início à vida familiar.
De acordo com Delgado (2003), os membros participam com seus modos de ser e de viver aprendidos e desenvolvidos em sua família de origem biológica, adotiva, substituta ou grupos extensos, que a pessoa reconhece como sua. Essa história de vida familiar torna-se possível porque seus integrantes compartilham um mundo onde podem perceber membros trocando experiências e vivências do cotidiano familiar.
O nascimento de uma criança no seio familiar quase sempre é esperado com muita expectativa, visto que os sonhos ainda não realizados pelos membros da família, freqüentemente são projetados para este bebê, por vezes, antes mesmo de nascer.
Segundo Dessen (2002), o nascimento do bebê com SD consiste em um golpe narcísico para seus familiares, não atendendo as expectativas anteriores dos pais, causando reações diversas em torno desta criança, como o sentimento de culpa, perda, isolamento, depressão, entre outros.
Silva e Dessen (2003) relatam que, desde o momento do diagnóstico, até a aceitação da criança com SD, a família vive um longo processo. Os sentimentos vão desde o choque, negação, raiva, revolta e rejeição, até a construção de um ambiente familiar mais preparado para incluir essa criança. Após o choque inicial, a família precisa refletir sobre sua tarefa de fazer o melhor para seu filho com SD.
O momento de luto do "bebê perfeito" e adaptação são mais difíceis e dolorosos para essa família, pois o luto enquanto processo envolve quatro fases. Primeiro existe o momento do choque e descrença, na segunda fase há anseio e protesto com manifestações de emoções fortes e desejo de recuperar a pessoa perdida. Na fase seguinte há desesperança pelo reconhecimento da imutabilidade da perda e, finalmente, na última fase ocorre o momento de aceitação, onde envolve a reorganização da família, com a inclusão da criança portadora da SD. (CASARIN, 2003).
Para Melero, citado por Voivodic e Storer (2002), no caso das crianças com SD, as primeiras experiências podem ficar comprometidas pelo impacto que a noticia de ter um filho com essa síndrome produz na família. Esse estranhamento pode dificultar que a mãe tenha relações de acordo com sua sensibilidade natural, impedindo que as primeiras experiências ocorram satisfatoriamente.
A chegada de uma criança com SD na família pode causar certo desconforto, pois um de seus membros tem uma deficiência e, sendo a família um sistema, qualquer mudança em um de seus integrantes poderá afetar os outros.
Sabe-se que é na família onde as primeiras e mais importantes relações interpessoais são vivenciadas pela criança, sem sacrificar os outros membros em prol do bem-estar da criança com deficiência.
Dessen (1998) compreende a família como a primeira instituição ao qual o indivíduo é inserido no contexto de socialização. A prática de criação e educação advindas dos pais influenciará no seu desenvolvimento individual e, conseqüentemente, no seu comportamento em grupo. Dentro deste contexto, Casarin (2003) acredita ser necessário um processo de adaptação muito maior por parte dos pais, pois a criança apresenta atraso em seu desenvolvimento e limitações em suas aquisições.
A aprendizagem depende da integração dos processos neurológicos e da evolução de funções especificas como a linguagem, percepção, esquema corporal, orientação têmporo-espacial e lateralidade, lembrando que essa criança vai demandar de mais tempo para desenvolver habilidades tais como andar, controlar o esfíncterer e falar. Desse modo, cada momento terá suas peculiaridades, o que pode exercer impacto sobre a família, em especial sobre os pais. (CASARIN, 2003).
A qualidade da interação pais-filhos produz efeitos importantes no desenvolvimento da criança com deficiência mental.
A exploração do ambiente faz parte da construção do mundo da criança, e o conhecimento que ela obtém por esse meio formará sua bagagem para se relacionar com o ambiente. A criança com SD utiliza comportamentos repetitivos e estereotipados. Dessa forma, as crianças tendem a apresentar menor envolvimento nas atividades, com carência de respostas e de iniciativas. (VOIVODIC e STORER, 2002, p36).
Alguns ambientes familiares oferecem maiores oportunidades para um desenvolvimento harmônico das habilidades comunicativas e lingüísticas do que os outros. Nesse sentido, algumas crianças são expostas a experiências comunicativas muito pobres e limitadas. Os ambientes familiares superprotetores e patológicos podem influenciar no processo de desenvolvimento citados acima. (COLL; PALACIOS; MARCHESI, 2004).
Conforme Cyreno (2007), as atividades da vida cotidiana na família possibilitam à criança aprender e desenvolver-se por meio do modelo, da participação conjunta, da realização assistida e de tantas outras formas de melhorar sua aprendizagem. Por isso a importância da família com crianças portadoras da SD de recorrer a diferentes profissionais, seja para o diagnóstico, a intervenção ou a busca de suporte. Esses contatos podem constituir uma fonte de apoio e compreensão para a família e principalmente para a criança.
A forma com que os pais falam com a criança, explicando certas atividades e eventos ou lendo historias, estimulará, suas habilidades de comunicação. Na área dos cuidados pessoais, muito se aprende ao vestir e tirar a roupa, principalmente quando a criança consegue manipulá-las. As crianças também necessitam ser instruídas na higiene pessoal de escovar diariamente os dentes, lavar as mãos, pentear ou escovar os cabelos e limpar ou engraxar seus sapatos. Além disso, os pais podem ajudar seus filhos com SD com suas necessidades emocionais, necessitando de um ambiente no qual possam crescer com segurança, desenvolvendo sua auto-estima e independência.
Compartilhando do mesmo pensamento de Casarin, Pueschel (1993), acredita que as crianças se sentem bem sobre elas mesmas, quando possuem autoconfiança e se vivenciam o sucesso, por menor e mais insignificante que possa parecer, sua auto-imagem será fortalecida. Se os pais demonstram uma concepção positiva sobre seus filhos, estes, por sua vez, perceberão e se sentirão amados e aceitos. Ainda para o mesmo autor, outra ocasião que favorece o aprendizado, principalmente na área de comportamentos sociais, é o de comer num restaurante. No começo, será preciso preparar a criança para estas situações. Quando os membros da família fornecem bons exemplos, a criança seguirá o modelo, imitando seu comportamento.
Para Buckley (2010), muitos pais recebem o diagnóstico após o parto e muitas vezes, o médico diz que esta criança será uma eterna dependente dos genitores. A tendência diante desse relato é que os pais se sintam desmotivados a participar do processo de desenvolvimento de seu filho.
Segundo Coll; Palácios; Marchesi (2004), diante de todas essas dificuldades, é preciso ressaltar que muitas famílias conseguem altos níveis de adaptação e de satisfação. São muitos os pais que acompanham o crescimento de seus filhos com necessidades especiais com verdadeiro entusiasmo, embora sempre exista um fundo de preocupação. Ainda segundo os mesmos autores, alguns pais afirmam que vivem com intensidade pequenos avanços, valorizando o esforço de seu filho para aprender e superar suas dificuldades.
A família é um dos grupos primários da nossa sociedade, em que o ser humano vive e se desenvolve. Nessa interação familiar, configura-se precocemente a personalidade com suas características sociais, éticas, morais e cíveis. (KNOBEL, apud VOIVODIC e STORER, 2002, p38).
3.1 As relações sociais e os direitos do jovem com SD
A idéia de igualdade se vincula intimamente com a de democracia. Ela não pode ser reduzida a um fato físico, por assim dizer. Trata-se de uma compreensão cultural que se baseia na intuição de que todos os seres humanos têm uma condição em comum: todos são humanos, detêm certas potencialidades e devem ser tratados com dignidade e de maneira a estimular a expressão destas potencialidades. A igualdade está fundada no altruísmo, e não no egoísmo, isto é, existe solidariedade, pois os seres humanos são capazes de enxergar o outro e suas diferenças (QUARESMA , 2002).
A igualdade, diferentemente da liberdade, é conceito eminentemente relativo. Uma pessoa só é igual (ou desigual) se houver outra a ser comparada com ela. Ninguém é absolutamente igual ou desigual, apenas relativamente. A igualdade pressupõe a existência do outro, o seu reconhecimento enquanto pessoa, enquanto ser humano. Podemos afirmar, portanto, que o princípio da igualdade está intimamente vinculado à idéia de solidariedade; exatamente neste sentido dispôs a Constituição Federal de 1988. Ao dizer, em seu art. 3°, I que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, entende-se que na justiça e solidariedade se encontram os pressupostos para se efetivar a igualdade, que será mencionada no caput do art. 5°. Sem compreensão de justiça que carregue em si a necessidade da igualdade e sem solidariedade, não se estrutura uma sociedade igualitária (QUARESMA, 2002, p 04, 05).
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e seu sanciono a seguinte lei da constituição de 1999 decreto n.º 3.298, consagrando como princípios da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...). Cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; (...).
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...). XIV proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; (...) (PLANALTO DO GOVERNO).
O convívio com o social facilita a adaptação e a inclusão de qualquer pessoa, inclusive da com SD. Dessa forma, uma vez aceitas na sociedade, elas começam a fazer parte do mundo exterior, relacionando com as pessoas, quer seja no restaurante, no parque, no clube, entre outros locais públicos. Esse avanço para a criança vai ocorrer de forma tranqüila, a partir do apoio que ela recebeu de sua família. As primeiras atividades recreativas da criança têm inicio com essa socialização, através de seu contato com outras crianças em momentos de brincadeiras.
Já de acordo com Edwards, citado por Pueschel (1993), a adolescência é um período de transição que indica a finalização da infância e o inicio de uma etapa desconhecida da vida adulta. Para jovens com SD, os desafios da adolescência se intensificam, pois as mudanças físicas são muitas vezes dramáticas, à medida que estas crianças vivenciam esse crescimento e um despertar da sexualidade. Na adolescência é manifestada pela maior exploração dos órgãos genitais, interesse pelo sexo oposto e pelo conhecimento do corpo do outro.
Em se tratando de educação, é importante que a criança com síndrome de Down seja encaminhada para a escola comum (ensino público ou particular) assim que adquirir certa independência. A escola terá um papel fundamental na formação e socialização da criança com SD. Ela propicia tanto a aprendizagem da leitura, de escrita, da matemática, como também prepara a criança para uma vida independente. Algumas crianças podem ter dificuldades para se adaptar à escola. Neste caso, é fundamental que tanto os pais como os professores as ajudem para que aos poucos possam ir se adaptando.
Já na vida adulta, os pais e familiares exercem um papel fundamental. Eles são os principais agentes estimuladores desta integração e independência. É no convívio direto com as pessoas com síndrome de Down, que os familiares podem colaborar, acreditando sempre nas suas possibilidades e fornecendo oportunidades para que vençam suas limitações. (SILVA e DESSEN 2003).
Para Ferreira, citado por Casarin (2003), o termo deficiência significa falta, falha, imperfeição, defeito, insuficiência. Numa sociedade competitiva que prioriza a produção, o insuficiente não tem lugar. Por isso, a dificuldade inicial dos pais em aceitar essa criança deficiente, pois os mesmos estão aceitando aquilo que a sociedade não aceita. No entanto, a sociedade vem demonstrado avanços na aceitação da convivência com pessoas com SD. Já é possível observar crianças e jovens com SD em escolas comuns, em ambientes públicos, entre outros.
De acordo com Batista e Mantoan (2005), a deficiência mental tem colocado em xeque a função primordial da escola comum, que é a produção do conhecimento, pois o aluno com deficiência tem uma maneira própria de lidar com o saber, que não corresponde ao ideal da escola. Por isso, é preciso uma reinterpretação e reestruturação desse projeto de inclusão, para impedir a exclusão na inclusão.
No mercado de trabalho também é grande o aumento de pessoas com deficiências, inclusive com SD atuando em diversos segmentos. Trabalhar é um dos melhores instrumentos de que dispomos enquanto seres humanos, para nos realizarmos como pessoas, para manifestarmos operativamente nossas necessidades e nossa obrigação de servir os demais. Depois vem a satisfação pessoal que o emprego nos reporta, a criatividade do trabalho realizado, o retorno financeiro, nos permitindo cobrir nossas necessidades e nossos gostos pessoais, motivos esses todos legítimos que engrandecem a realidade humana e o que implica em trabalhar.
A pessoa com SD tem as mesmas oportunidades para obter seu emprego, porém dentro de sua singularidade deverá ser respeitado suas necessidades por meio dos níveis de apoio necessários para sua efetiva inserção no mercado de trabalho e redes de apoio necessárias para promover sua autonomia. A abertura social facilita a adaptação e a inclusão de qualquer criança, inclusive a que tem SD. Um aspecto fundamental em todo o processo é o estímulo e a crença da família na pessoa com SD. Mostrar à criança, jovem ou adulta, que todos acreditam em seu potencial é um fundamental para seu desenvolvimento e para suas relações no meio social (QUARESMA, 2002).
4 METODOLOGIA
O objeto do presente estudo é o processo de desenvolvimento de um portador com SD e as relações com sua família e seu meio, onde buscou conhecer momentos da vida diária dos sujeitos envolvidos nesta relação
Para conhecer e analisar as relações familiares no processo de desenvolvimento de um jovem com SD foram enfocados aspectos que evidenciam a assistência da família à criança e a conseqüente contribuição para o seu desenvolvimento. A escolha por uma pesquisa qualitativa deve ao seu caráter descritivo, que possibilita o conhecimento aprofundado de dados, contribuindo assim para a construção de novos significados sobre o fenômeno em questão.
Neste caso, a exploração qualitativa foi direcionada à família escolhida e a técnica utilizada foi o estudo de caso. O estudo de caso é um dos tipos de pesquisa qualitativa que vêm ganhando crescente aceitação na área da educação. É uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente (MINAYO e SANCHES, 1993).
O estudo de caso pode ser caracterizado por uma entidade bem definida, como um programa, uma instituição, um sistema educativo, uma pessoa ou uma unidade social, visando conhecer o seu "como" e os seus "porquês", evidenciando a sua unidade e identidade próprias, debruçando-se sobre uma situação específica, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e característico. Trata-se de um tipo de pesquisa que tem sempre um forte cunho descritivo. O pesquisador não pretende intervir sobre a situação, mas dá-la a conhecer tal como ela lhe surge (MARTINS , 2002).
O estudo de caso foi aplicado em uma família que é composta por cinco indivíduos: o jovem com SD do sexo masculino com idade de 30 anos, seus pais e dois irmãos mais novos. A escolha desta família se deu pelo conhecimento anterior com o portador da SD durante o estágio realizado no NAERA.
A análise dos processos sócio-culturais do desenvolvimento se fez com base, nas idéias de Vygotsky e sua teoria sócio-histórica. As entrevistas semi-estruturas foram realizadas em dois momentos: inicialmente com os pais, para que fosse possível estabelecer um diálogo desde o nascimento do filho com SD até os dias atuais e no segundo momento com os irmãos mais novos e, por último, com o próprio portador da SD. As entrevistas foram direcionadas para obter informações sobre a interação deste jovem com sua família e com seu meio social, tendo como principal objetivo, identificar os papéis desses membros em relação ao portador da SD, buscando reconhecer as ações e significados destes em relação à síndrome e conseqüentemente sua contribuição ao desenvolvimento do portador.
4.1 Coleta de dados
Ø Concepções em relação ao desenvolvimento.
A partir dos dados obtidos através desta pesquisa, é possível destacar que cada sujeito tem suas características próprias, que o distingue de outras pessoas. Por sua vez, as pessoas com Síndrome de Down (SD) também tem características distintas, que vão influenciar em seu desenvolvimento.
Nos primeiros anos de vida o bebê descobre o mundo e, nesta fase ele precisa da intermediação do adulto. Por isso, é muito importante saber estimular o bebê, incentivando-o de forma adequada à sua faixa etária.
Nos capítulos anteriores, foi discutida a importância da família no processo de desenvolvimento de pessoas com SD, principalmente quando criança. É essencial que nesta fase, na qual há maior independência motora, a criança tenha espaço para correr e brincar. A brincadeira deve estar presente em qualquer proposta de trabalho infantil, pois é a partir dela que a criança explora e internaliza conceitos, sempre aliados inicialmente à movimentação do corpo, fazendo com que a mesma tenha mais autonomia e confiança com seu corpo e com o meio em que está inserida.
Observa-se nas falas abaixo que essa família, pôde proporcionar a João este período de estimulação.
Os desafios eram na hora de pronunciar alguma palavra, de vestir roupa sozinho, mas sempre deixamos ele tentar resolver essas situações, caso ele não conseguia, daí sim, iríamos orientar. Na fala também, do mesmo jeito, corrigíamos e ensinávamos a pronuncia certa. (Mãe).
João sempre foi estimulado em casa, nós sempre compramos livros de leitura, revistas, jogos, tudo que possa estimular cada vez mais seu raciocínio. E até hoje fazemos isso com ele, às vezes, quando ele fala ou escuta alguma palavra que ele não sabe o significado ou esqueceu, ele nos pergunta e falamos com ele, lembra porque você já sabe, ou pega o dicionário e procura. (Pai).
Sempre tentávamos ensinar, às vezes de uma maneira mais fácil para ele aprender, "é assim que faz, não e assim, pensa melhor", sempre ajudando de uma forma que ele se tornasse cada vez mais independente. (Irmão Lucas).
Vejo hoje como essa prática ajudou em seu desenvolvimento, pois hoje ele tem a autonomia de chegar e procurar as coisas que ele não sabe. Ele é minha companhia na hora de jogar, temos vários jogos aqui em casa e passamos boa parte do tempo jogando e ele é bom, ganha quase sempre. (Pai).
Enquanto se é criança, é importante que a pessoa com SD, não sofra dentro de casa com limitações quanto ao que pode ou não dar conta de executar. É normal que em algumas famílias, esse cuidado acabe limitando as condições de desenvolvimento do filho, pois a superproteção dos pais pode influenciar de forma negativa no processo de desenvolvimento. Normalmente nestes casos, as atenções dos pais são concentradas nas deficiências da criança, de modo que os fracassos acabam recebendo mais atenção que os sucessos, limitando assim as possibilidades de promover sua independência e interação social.
As habilidades de autonomia pessoal e social proporcionam melhor qualidade de vida, pois favorecem a relação, a independência, a interação, a satisfação pessoal e atitudes consideradas positivas. É possível perceber que os pais de João, sempre que possível, cobravam dele da mesma maneira que dos outros filhos, estendendo essa relação para o ambiente social.
Nunca separamos as coisas e nem as atividades dos nossos filhos, tudo que era para um era para o outro também. Quando tínhamos que chamar a atenção era da mesma forma. (Pai).
É engraçado que João era corrigido pelo irmão quando ele pronunciava alguma palavra errada, o irmão vinha e o corrigia. (Mãe).
Foi normal, brincávamos muito, ele sempre participou como uma pessoa normal, a gente nunca deixou que as pessoas deixassem ou falassem mal dele. Sempre estava com a gente em todos os lugares como cinemas, festas, viagens, shoppings fazendo as mesmas coisas que nós. (Irmão Marcos).
Graças a Deus, posso dizer que nunca sofremos com nenhum tipo de brincadeira ou pré-conceito com João, mesmo porque não o privamos de nenhum ambiente que freqüentávamos e por ele ser muito amável e agradável, todos em qualquer lugar, sempre o tratava de uma forma natural. (Mãe).
O desenvolvimento das crianças com deficiência mental não depende apenas do grau em que são afetadas intelectualmente, pois, numa visão mais sistêmica, considera que vários fatores influenciam no desenvolvimento, sendo o ambiente familiar, o principal.
A família que reconhece a dependência da criança e se adapta às suas necessidades, oferece oportunidade para a criança progredir no sentido da integração do acúmulo de experiências, enfim, do desenvolvimento. (Voivodic & Storer, 2002, p. 32).
João iniciou no tempo certo em escolinhas particulares e chegou até a freqüentar um escola regular, só que começamos a sentir que ele não estava sendo alfabetizado. Resolvemos então tirá-lo dessa escola, pois queríamos que ele fosse alfabetizado, que pudesse ler e escrever, pois acreditávamos em seu potencial. (Mãe).
Ficamos sabendo então de uma professora que dava aulas particulares para pequenos grupos de pessoas com algum tipo de deficiência. Foi ai que resolvemos colocar João para estudar com ela. Ele ficou com essa professora durante 12 anos, aprendeu a ler e a escrever. (Pai).
Quando João saiu do NAERA, ele começou a realizar algumas atividades na unidade da APAE. Daí eles faziam alguns encaminhamentos de emprego para empresas de todos os ramos. Decidimos então estender os contatos de João, foi então que no segundo encaminhamento oferecido para ele, fomos conhecer a empresa e resolvemos apostar nesta oportunidade. João está lá já há dois anos. Hoje ele trabalha na parte administrativa, separando algumas notas e cuidando do arquivo. Todo mês seu salário é depositado em uma conta e vai direto para sua poupança. Tiramos apenas para pagar sua academia. (Mãe).
Ø Concepções Sobre as relações familiares e sociais.
O momento do nascimento de um bebê, em uma família, quase sempre é carregado de muita emoção e desejos, tanto dos pais como dos outros membros que ficam ansiosos aguardando a chegada dessa criança. No entanto, quando esse bebê nasce com alguma deficiência, no caso a SD, dizer aos pais que seu filho não é "normal" é uma tarefa angustiante. Por isso, é importante o conhecimento técnico de profissionais neste momento, para que a informação do diagnóstico possa chegar até estes pais, com o objetivo de amenizar o choque inicial vivenciado, pois se o nascimento não atende as expectativas dos pais, pode desencadear reações diversas em torno desta criança, como o sentimento de culpa, perda, isolamento, depressão, dentre outros.
Após o choque inicial, a família precisa refletir sobre sua tarefa de fazer o melhor pelo filho com deficiência, uma vez que é na família que as primeiras e mais importantes relações interpessoais são vivenciadas pela criança, bem como na busca de uma vida familiar normal, sem sacrificar os outros membros em prol do bem-estar da criança com deficiência.
Fizemos uma viagem com alguns parentes e na volta descobrimos que eu estava grávida. Quando recebi a notícia, corri até uma loja de brinquedos e comprei um trem de ferro, mesmo sem saber o sexo do bebê. Ficamos muito felizes com a noticia. (Pai).
Só ficamos sabendo da síndrome um mês após o nascimento de João. Quando ele nasceu de 8 meses, achávamos que ele tinha alguma coisa, mas não tínhamos certeza e também não queríamos nos deparar com alguma noticia inesperada. Eu achávamos ele uma criança muito "mole"".
"Fomos a um bom Pediatra e foi ele quem falou que João era portador da Síndrome de Down. (Mãe).
Foi um choque para nós, eu chequei em casa dando soco na parede, não querendo acreditar no diagnóstico que o Médico havia nos passado. (Pai).
Ficamos questionando o que tinha acontecido de errado, porque isso estava acontecendo com a gente. Foi um momento muito difícil, não tínhamos informação sobre essa síndrome, pois naquela época, em 1979, não se falava muito desse assunto. Fomos a outro profissional e o mesmo nos disse que a SD de João era um nível mais leve, que ele não iria ter tantas características físicas de um portador com uma síndrome mais forte. Que se ele fosse bem trabalhado poderia se desenvolver bem. (Mãe).
Começamos então a pesquisar tudo sobre SD para que pudéssemos cuidar da melhor forma possível de João. Diante do meu filho, eu prometi que iria fazer tudo para que ele pudesse ter uma vida normal como a de qualquer outra pessoa. (Pai).
A qualidade da interação pais-filhos produz efeitos importantes no desenvolvimento das áreas cognitivas, lingüísticas e socioemocionais da criança com deficiência mental. A criança com SD têm possibilidades de se desenvolver e executar atividades diárias e até mesmo adquirir formação profissional. No enfoque evolutivo, a linguagem e as atividades como leitura e escrita podem ser desenvolvidas a partir das experiências da própria criança. Por isso, é importante que a criança participe de momentos sociais junto a seus familiares, para que ao se tornar jovem ou adulto, possa conquistar, aos poucos, seu espaço na sociedade.
A partir das idéias dos autores citados neste trabalho e com os dados obtidos com as entrevistas, sabe-se que o primeiro lugar que essa criança deverá conquistar é o ambiente familiar, pois quando a família aceita essa criança com SD e cuida para que ela se sinta amada, respeitada e com autonomia, serão maiores as possibilidades desta se desenvolver e ser aceita na sociedade.
Como já havíamos falado João foi cedo para profissionais que poderiam auxiliar em seu desenvolvimento como Fono, TO. Queríamos que ele fosse uma criança e um futuro adulto com independência, queríamos que como qualquer outra criança, João brincasse, fosse à padaria sozinho, trabalhasse, tivesse uma vida normal. (Mãe).
Morávamos num bairro tranqüilo, jogávamos bola, vídeo game, natação, participávamos juntos de tudo, vôlei, basquete. Hoje ficamos em casa, assistindo TV, jogos, futebol, saímos às vezes com alguns amigos, com nossos pais, viajamos nas férias. (Irmão Lucas).
Quero casar com ela, ter filhos, vejo ela, meu sogro, sou muito feliz de ir a casa dela, trabalhar, conseguir um estágio no meu trabalho, ajudar as pessoas, fico muito bem em casa e no trabalho. (João).
Acredito que o contato de João em todos os ambientes em que ele conviveu e convive, deu a ele uma segurança, uma auto-estima e principalmente uma independência muito grande, fazendo com que ele se tornasse o que é hoje. (Pai).
Teve uma festa que levamos João e lá tinha aquela cama elástica cheio de crianças brincando, então ele como todas as outras crianças também queria brincar e entrou para se divertir com os colegas. O engraçado é que tínhamos uma conhecida que também tem um filho com SD e ela logo perguntou se iríamos deixar João brincar naquele lugar com um monte de crianças. Daí eu respondi que claro que iríamos deixá-lo se divertir. (Mãe).
Meus amigos vivem me elogiando. No serviço, falam que eu faço as coisas direito. Tenho muitos colegas da escola, APAE, academia e no trabalho. Gosto muito, lá eu separo notas, ajudo as pessoas, aprendo coisas diferentes, sou feliz lá, guardo meu salário na poupança. Eu sempre quis trabalhar. (João).
A partir dessa pequena amostragem, mostra-se que a família é um dos grupos primários da nossa sociedade, em que o ser humano vive e se desenvolve. Nessa interação familiar, configura-se precocemente a personalidade com suas características sociais, éticas, morais e civis, uma vez que a família constitui o primeiro agente de socialização da criança e é a mediadora das relações desta com seus diversos ambientes.
Ele é nosso companheiro de cinema, passeios, viagens. Ele nos ensinou a ver a vida de uma maneira diferente. Aprendemos com João todos os dias. Quando ele nasceu, fiz uma promessa de cuidar bem dele e sinto que isso foi cumprido. João é especial não pela sua síndrome, mas pelo carinho, amor, companheirismo, é um rapaz inteligente e curioso. Hoje entendemos porque isso aconteceu com a gente, ele é nossa alegria, nossa luz. (Pai).
Aprendemos que a união ajuda muito a família, um ajudando o outro, sem brigas, sendo sempre amigos, respeitando e ensinando. Aprendemos muitas coisas com ele, principalmente enxergar a vida de uma maneira mais bonita. (Irmão Marcos).
Minha família é tudo para mim. Amo meus filhos, meu marido, amo minha vida, porque tenho eles. O João veio para me ensinar a ver as coisas diferentes, a dar valor para as pequenas coisas que não percebemos no dia-a-dia. (Mãe).
Quero construir uma família para mim igual a que eu tenho, com muito amor, respeito. Amo todos e família pra mim é isso. Somos felizes, aprendemos coisas juntos e quero poder cuidar do João um dia, assim como meus pais fizeram por nós. (Irmão Lucas).
Minha família e gente boa me ajudam, dando remédio para mim, às vezes minha mãe e meus irmãos ficam com ciúmes da minha namorada, porque falo muito no telefone com ela, falamos de tudo. Ficamos duas horas no telefone, ela fala muito, (risos). È isso, sou feliz lá. (João).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise dos dados das entrevistas, evidenciou que a família tem fundamental importância no bom desenvolvimento da pessoa com Síndrome de Down (SD). Quando as crianças se sentem bem no ambiente familiar, adquirem autoconfiança e vivenciam o sucesso, pois, por menor e mais insignificante que possa parecer, sua auto-imagem será fortalecida. Se os pais (ou qualquer pessoa que ocupa esse lugar) demonstram uma percepção positiva sobre essas crianças, estas, por sua vez, perceberão e se sentirão amadas e aceitas. O esforço dos pais em lidar com a SD tem como aspecto positivo, mobilizá-los a auxiliar no desenvolvimento, mas é importante que isso não se transforme em uma obsessão que os impossibilite de perceber a realidade de seu filho.
A criança com SD, assim como qualquer outra pessoa, é carregada de seus potenciais e suas limitações, sendo esses, inerentes à humanidade. Portanto, é preciso que a sociedade se dê conta de que as pessoas com SD são dignas, independentemente de suas realizações limitadas.
Por sua vez, a família funciona como mediadora, seja promovendo uma cultura específica de comunicação e um clima emocional particular, como oferecendo suporte, ou ainda, impedindo o desenvolvimento de várias habilidades infantis.
Nesta pesquisa, observou-se o processo de desenvolvimento de João em relação à sua família. O mesmo aconteceu de forma positiva, corroborando com as idéias dos autores citados nos capítulos anteriores. Seus pais passaram pelas fases de adaptação e aceitação do bebê com SD, transitando com todos os sentimentos de frustração, angústia, medo, entre outros, sendo, inclusive, tomados pelos sentimentos de prazer e satisfação de ter uma criança feliz e amorosa.
Revela, portanto, que pais e profissionais devem trabalhar juntos para melhorar a intervenção precoce, promover o enriquecimento do ambiente, a educação apropriada e a integração da criança com SD na sociedade. Neste sentido, as famílias devem ser orientadas, a fim de melhorar a qualidade de vida de seus filhos.
O recente livro "Meu Rei Arthur", citado neste trabalho, fala da questão das diferenças e como elas fazem parte de nossa vida e que são elas, que nos tornam especiais. Afinal, a vida não teria nenhuma graça se fôssemos todos iguais.
É preciso não apenas como profissional das ciências humanas, mas como pessoa, respeitar a individualidade de cada um, aprendendo a vencer os preconceitos e sentimentos negativos, aceitar a vida como ela se apresenta e acreditar na capacidade do outro, reconhecendo seus direitos e conquistas. Assim, o sonho de uma sociedade inclusiva poderá se tornar realidade.
Assuntos relacionados à SD têm conquistado seu espaço na sociedade, por isso, o interesse em dar continuidade a essa pesquisa.
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Autor: Priscilla Vieira Leite
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