Mal de Alzeimer: meu pai tinha...



SOMBRAS DA MEMÓRIA.

Eu vi um velho sentado. Olhar perdido... Eu vi um velho!Debruçado sobre si mesmo. Vergado pelo peso dos anos. Eu o vi... Quanto a ele?Acho que não me viu. Não hoje; não agora! Abandonado pela sua memória, teima em saber-se. Eu vi um velho sentado...
Numa sala, uma cadeira e um homem... O grito, o choro, o tempo... CHOREI!Mergulhado o rosto na pia lacrimal, deixei-me inundar. O vento brincava com minhas lágrimas. E ali, entre coisas e COISAS, estava eu. Aprendendo a chorar com um velho que não chora... Não esperneia... Apenas envelheceu!
Ah!Em outros tempos esse ?velho farol? alumiava meus caminhos. Trazia sobre seus ombros a responsabilidade de gerir para além da subsistência. Apontava-me estradas. Simplesmente; apontava-as. Nessa época o vi de pé... Artífice obreiro do nicho familial. Obstinado, sagaz e célere em sua missão. Hoje já não anda; não fala; não sorri... Debate-se na demência cáustica do ?cavaleiro tempo?. No dizer de Machado de Assis: ?O Químico Invisível?. Eu vi um velho... Eu vi meu PAI!!!
Como queria falar ao mundo: Amem seus velhos!Abraçai-os!Embalai-os em suas histórias!Escutai-os!Sobretudo; parem defronte a eles e digam aos seus ouvidos: Você não está só... Eu estou aqui... Eu cuido de você hoje, em tributo ao ontem. Ah!Eles precisam saber de você.
Ensinai seus filhos a amarem seus velhos, amando-os. Ensinai seus filhos a abraçá-los, abraçando-os. A beijá-los, beijando-os. O futuro agradecerá!Amanhã, eles podem; a pretexto de não terem vivenciado, ignorar a tua velhice.
Ontem os vi juntos. Foi lindo!Meu filho e meu pai. Neto feito avô... Avô feito neto... Pensei: Eis uma preciosa lição. Sempre que posso derramo meu filho sobre ele. Deixo-os conjugando o verbo aprender... Afastando-me um pouco, admiro a cadência do caminhar lento. O ritmo da pressa do presente; embalado na prudência da experiência do passado. Adoro perceber meu filho vendo o mundo com os olhos do tempo. Lendo no livro da vida, escrito com o suor da lide.
Mal de Alzeimer.Este é o nome do seu algoz.Silencioso e devastador;transporta meu velho ao berço.Reduz ?lhe a capacidade de expressar-se.Embala-o na posição fetal;ao som da mesma nota.Triste melodia,ecoando no vazio de um mundo mudo.Vazio de cores,de cheiro,de gente...Um mundo de sombras;encharcado no lodo do esquecimento.Uma vida de imagens sem nexo.Um vernáculo de uma só palavra:Quem s...Quem so...Quem sou eu.... Atirado para fora de si; absorto a tudo e a todos. Voraz verdugo que se alimenta de neurônios e vomita o bagaço, através do olhar interrogativo. Tira-lhe o que tem de mais precioso: sua identidade. Mina-lhe as forças. Rouba-o desveladamente de nós. Lança-o num vazio de fazer dó. Nega-lhe a voz. A pergunta não sai. Interrogações... Interrogações...Interrogações....
Preciso de forças para continuar. Eis que recordo seu sorriso num daqueles lapsos de memória. Enlevado por esse momento disparo minha metralhadora de palavras. Peço que fique mais um pouco. Digo-o que o amo. Que ele é muito importante. E falo... E falo... E falo... Nem percebo a sua ausência. Já foi; constato. As reações desaparecem... Os reflexos sumem... Foi para o mundo das sombras. Vagar feito bicho na floresta em chamas. Acuar-se... Cá estou novamente, só... Sozinho... De repente rebelo-me e grito: devolva meu pai. Devolva meu pai... Silêncio. Nem uma resposta. Aproximo-me e olhando-o bem de perto, percebo um brilho em seu olhar. E digo para mim: Ele me ouve. E fico eu a esperar um novo lapso de memória. Muitos sofrem do mal e não sabem... Você tem lembrado do seu pai?

Autor: Afonso Rocha Sombra


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