Seu Manoel é um cara rancoroso.



Seu Manoel é um cara rancoroso, trabalha em sua venda com total desgosto. Vive no balneário da Ponta da Fruta a anos, chegou ali por engano, começou seu comércio na vazia região daquele tempo. Por isso tanto rancor. Viu os turistas chegarem, irem e virem, sempre lhe acenando com a mão, não paravam em sua venda a não ser por obrigação. Seu Manoel não vai à praia por irritação, a lagoa não é longe de sua loja. Sua ocupação não o impede de um mergulho refrescante. É rancoroso de coração.
Seu estabelecimento fica na estrada de barro no caminho da Lagoa Preta, no verão a poeira vermelha do barro da pista, não para de o irritar. Aquele monte de carro a passando e muita poeira levantando, Manoel sempre com a vassoura a varrer, sem nunca conseguir acabar com poeira vermelha. Com isso sua raiva só aumenta, e na baixa estação pensa: se vingar, de quem não tem do que reclamar!
O tempo passa e sua raiva só aumenta, pensa, pensa e pensa, até que uma forma de se vingar encontra.
Decide que pelo menos de um turista vai se vingar, no outono vai montar uma armadilha fatal, não sabe o que é mais já planeja o final: amaldiçoar o local. Sua vida vai levando, sem ninguém perceber, o plano vai estudando, resolve aprisionar alguém, e com a sua prisão, afastar todos que passeiam por ali. Macabra intenção de propagar uma maldição.
Devagar constrói a arapuca, tipo aquela em que se aprisiona o passarinho na pausa de seu vôo, decide uma pessoa aprisionar. Ao invés de colocá-la em uma gaiola para cantar, resolve colocá-la numa gaiola para assustar. Estuda física, matemática e metalurgia, pesquisa até anatomia, calcula, desenha e por fim resolve,
O melhor alçapão desenvolve.
Começa a construir uma gaiola para ser submersa na água, desenvolve um sistema de trava na porta que, uma vez aberta, fecha-se na hora, e depois, só com solda. Estuda ainda como atrair a presa para seu souvenir. Lembra dos inúmeros acenos que recebe e vê. No balançar das mãos sua alegria. Estabelece o aceno de mão como chamariz de qualquer uma atenção. O problema é realizar um aceno submerso com perfeição, utiliza o conhecimento da mecânica como solução, pesquisa sobre os pêndulos dos relógios e fabrica o movimento constante de oscilação. Dentro da gaiola solda um corpo de metal que balança sem parar, uma haste, também de metal, de um lado para o outro. A haste transpassa o topo da arapuca, sem encontrar com as grades da gaiola, assim não atrapalha o balançar ritmado da sua estrutura de metal.
Falta agora o grande final: concretizar o aceno da mão falsa, de uma forma natural. Pega todas as suas economias e encomenda do exterior uma prótese de braço feminino, paga caro na que acha mais divinamente perfeita. Silicone e pele sintética de um realismo assustador. Na haste de metal, a prótese espeta. Coloca o pêndulo para funcionar e observa. Sua engenhoca o impressiona, sente-se inteligente e se satisfaz em ver um acenar tão real. Retira o anel de seu dedo e coloca na mão artificial para demonstrar sua realização.
Em uma madrugada chuvosa de inverno, acorda e arrasta, sozinho, a armadilha para a margem da Lagoa Preta, constrói uma jangada de bananeira e conduz a engenhoca até o meio da lagoa. Mergulha a gaiola na água e estabelece suas profundidades ideais, baseando-se no braço balançante fora da gaiola. Encontra a medida ideal, fixa a gaiola no fundo d?água com cabos de aço, movimenta a engrenagem pendular, aciona o sistema de travamento da porta, volta à margem da lagoa e fica acenando com a mão, em resposta ao aceno de metal que criara tão fielmente. É a única vez que seu Manoel responde a um aceno de mão.

Autor: Mateus Guimarães Alves


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