O que é Candomblé?



A trajetória humana no planeta terra é marcada pela constituição de etnias e posteriormente de nações. Mas não necessariamente, as nações seguiram o critério étnico de suas etnias. Como no caso do Brasil. Isso quer dizer que em uma nação pode haver várias etnias.
O Brasil é marcado pela fusão de três etnias básicas. Ameríndios, Europeus e Africanos. Cada um desses dividi-se, ainda, em muitas outras etnias. O caso africano é especial. Sua vinda e participação na formação do povo brasileiro foram forçadas.
Na condição de escravos, milhares de africanos de diferentes etnias vieram para o Brasil, Antilhas e Cuba. O que trouxeram? Sua fé. O culto aos Orissás. Não trouxeram bens materiais, livros sagrados, ou nada parecido. Trouxeram a memória dos ancestrais como maior e mais forte herança e forma de resistência.
Para qualquer brasileiro que ouviu falar, conhece e/ou pratica alguma religião afro-brasileira é importante entender o que é o culto aos Orissás.
Orissá é uma variação da palavra Ori Assé. Ori = Mente, cabeça. Assé = força. Ou seja, aquele que tem a mente forte, ou aquele que foi muito forte. E são esses os Orissás, os ancestrais.
O culto aos ancestrais, ou os Orissás, era a base da organização social. Nos reinos e cidades africanas de onde vieram as pessoas na condição de escravos, eles se organizavam a partir de uma hierarquia religiosa. A autoridade era sagrada e ancestral e todos respeitavam, pois o sagrado não era algo separado de nenhuma das relações sociais. Tudo era sagrado. A comida, o acordar, o dormir, a água, os animais, a chuva, os rios, a montanha, o sexo, os filhos, a morte e a vida. Tudo carregava um sentido e significado sagrado. Religioso.
Ao mesmo tempo, essa noção de sagrado era diferente da noção hebraica-cristã, em que o bem e mal, o bom e o ruim são manifestações de Deus ou o Diabo. Tudo que existe faz parte de um todo criado por Olodumáre (Deus). O "bem" e o "mal" são manifestações de ações humanas e não da natureza ou de Deus. Na concepção do culto aos Orissás, não existe bem ou mal enquanto ações. Existem aquilo que fortalece e é positivo, o asse. E existe aquilo que enfraquece e é negativo, o ewó, ou em português contra-assé.
Ao longo de mais de 200 anos de constante chegada de africanos no Brasil, eles perceberam que precisavam (re)organizar o culto aos Orissás aqui no Novo Mundo. Isso porque várias etnias, como os Bantos, os Yorubás, os Jêjes e os Fons cultuavam Orissás em diferentes formas com diferentes nomes. Assim na Bahia, e depois no Rio de Janeiro, onde houveram maiores aglomerações de negros libertos, ex-quilombolas e irmandades negras, organizou-se e constituiu-se os Candomblés de Nação. Ou seja, Candomblé é uma organização religiosa brasileira. Construída por descendentes de africanos e africanos que representavam diretamente os reinos que ainda existiam e existem na África até os dias de hoje. Vieram para cá sacerdotes e representantes diretos do culto africano dos Yorubá para realizar essa (re) organização entre os descendentes Yorubás que se concentravam em Salvador. Daí surgiu a Nação Ketu que estabeleceu um panteão de Orissás determinado e que se canta, reza e pratica todas as louvações na língua Yorubá.
Mesmo depois de séculos de perseguição de opressão pela igreja e pelo Estado, os cultos africanos ainda vivem. Com muitas formas de sincretismo e sem se reunir em uma grande instituição, porém com associações e federações que lutam para a permanência de luta contra a discriminação étnica-religiosa.

A hierarquia religiosa e a organização "monárquica" é uma das bases dessas organizações atuais. O sacerdote ocupa uma posição hierárquica que reproduz as mesmas estruturas dos mini-Estados africanos. O poder é absoluto, soberano e (espiritualmente) hereditário. O conhecimento é transmitido oralmente.
O "segredo" é o fator chave da resistência do culto. Por manter-se a tradição do "segredo" dos ritos e sacramentos, a religião dos Orissás permanece e perpetua-se com muita força e legitimidade.
O sincretismo da Umbanda não deve ser confundido com a tradição africana, apesar de acontecer com freqüência. Candomblé e Umbanda são praticas muito diferentes, e que de certa forma, o Candomblé poder considerado umas das bases da Umbanda, mas não a principal. Sendo que a ética, a essência do pensamento e a visão de mundo que permeiam os cultos umbandistas seguem concepções mais ligadas ao cristianismo ocidental do que as concepções Yorubás africanas.
Autor: Alan Geraldo Myleô


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