Narcisismo



INTRODUÇÃO

Em tempos de sociedade pós-moderna, tecnologias, encontro entre instâncias reais e virtuais, prolifera incontável quantidade de informações. (NASCIMENTO, 2007). Isso tem permitido uma reflexão dos conceitos fundamentados nas teorias; em um olhar mais crítico sobre a formação do conceito do narcisismo, observa-se que os encontros dessas informações produzidas, em sua grande maioria, são elaborados por uma cultura intelectual, e que esse conceito está longe de ser uma consonância entre os autores.
O contexto sócio-político-econômico está diretamente relacionado com as constituição polimorfa de subjetivivação.Dessa forma, esse contexto de formas variadas, colabora para a realidade atual de um sujeito que não consegue manter um suporte para a demanda do outro, ou seja, é um sujeito que fala de si para si, mostra-se frágil na construção de suas relações e projetos, destrói valores e crenças de maneira desequilibrada. Para Joel Birman, a sociedade pós-moderna pode ser considerada como uma cultura do narcisismo segundo considerações do norte-americano Larsch (BIRMAN, 2005; LIPOVETSKY, 1983 / 2009).
Nascimento (2007), considera que, na pós-modernidade parece existir um cuidado excessivo pelo sujeito com relação ao bem-estar, impedindo-o de conviver com suas angústias e sofrimentos e, nota-se a exacerbação dos aspectos narcísicos nos padrões da personalidade. Sendo assim, é um sujeito que carece de uma compreensão clínica diferenciada daquela existente sobre o sujeito moderno.
A contemporaneidade aumentou as possibilidades de um viver mais diversificado, mas por outro lado passou a expor o sujeito a um desamparo maior, uma solidão mais difícil de lidar. Diante do novo contexto da contemporaneidade, torna-se fundamental a compreensão do conceito de narcisismo e suas diversas implicações. Dessa forma, levantar elementos para a compreensão da evolução do conceito de narcisismo na obra de Freud e, buscar relações de aproximação com a contemporaneidade, pode indicar caminhos que nos possibilite pensar o fortalecimento do indivíduo no sentido de ampliar sua autonomia, capacidade crítica e efetiva participação real, e também possibilitar um maior entendimento no processo de funcionamento psíquico humano (NASCIMENTO, 2007; BIRMAN, 2005; LIPOVETSKY, 1983 / 2009).
Freud abordou a temática do narcisismo em diversas passagens de sua obra. Este conceito vai se transformando e ampliando durante todo o percurso. Freud parte do referencial da escuta do sofrimento de seus pacientes e delineia um caminho da patologia até chegar à concepção de narcisismo como fase do desenvolvimento da libido, e caracterizá-lo pela etapa em que o si-mesmo é tomado como objeto de amor.
Holmes (2002), considera o narcisismo, mais do que uma estrutura psíquica patológica ou não, é uma forma de expressão do psiquismo humano, do inconsciente. Sendo assim, este trabalho focará então, os conteúdos psíquicos no universo do "Narcisismo" identificando as significações sobre essa estrutura.
Um primeiro caminho de investigação é investigar as várias versões do mito de narciso e levantar o significado das manifestações no psiquismo humano. "Este polimorfismo das formas de relato do mito e de suas múltiplas compreensões parece refletir a própria indiferenciação dos estágios iniciais do desenvolvimento da mente humana e da complexidade que seu estudo oferece". (UBINHA, CASSORLA,2003) "As narrativas mitológicas demonstram a origem, o desenvolvimento e os processos intrapsíquicos que constituem a natureza humana" (MODIA, 2008, p. 101). "Todo mito traz em si mesmo a potencialidade de cura e de doença. O mito de Narciso é mobilizador de pontos de vistas discordantes entre seus comentadores, o que revela a sua dupla polaridade". (CAVALCANTE, 2003).
O presente trabalho é relevante, por abordar um tema de pouco produção na literatura brasileira, contribuindo dessa forma, para despertar o interesse dos leitores e de grupos acadêmicos para o encontro de novos campos de investigação, até então pouco considerados. O trabalho poderá ser interesante sobre a visão fragmentada que temos, com relação a campos de investigação pouco focalizados, no contexto da construção científica. Poderá funcionar também, como estimulo a pessoas que tenham interesse em conhecer o universo do narcisismo.
É importante ainda, na medida em que, a investigação do tema busca compreender a significação do narcisismo, na investigação da evolução do conceito de narcisismo na obra de Freud, buscando as relações de aproximação com a contemporaneidade. No âmbito da clínica, é importante ainda essa pesquisa, pois proporciona colocar-se no lugar de um pesquisador muito particular, que deve estar atento para refletir sobre todas essas questões singulares da cultura contemporânea e, ao mesmo tempo, refletir sobre nós mesmos, e nosso papel como profissional, ou seja, refletir a cerca do trabalho terapêutico que desenvolvemos, e a teoria que o sustenta. Portanto, o retorno a Freud, no sentido de explorar suas primícias significativas e suas contribuições (assim como de outros autores), nos coloca, com maior precisão, no caminho para nossa reflexão na profissão de psicólogos. É no confronto clínico diário com nossos pacientes que nossas reflexões ganham corpo.
A relevância da pesquisa consiste no aspecto teórico, na compreensão e explanação dos conceitos, procurando estabelecer a sistematização de um encadeamento de idéias, que possa sustentar sua prática. O trabalho está estruturado a partir de uma pesquisa bibliográfica dos textos de Freud, da psicologia e da sociologia etc e, principalmente, em torno dos termos narcisismo, sujeito, e cultura contemporânea. Fazendo um levantamento das características da contemporâneidade, trazendo como contraponto o modelo paradigmático da modernidade, e o conjunto de transformações psicológicas. (LAZZARINI, 2006)

O MITO DE NARCISO

Será tecidas breves considerações sobre o mito de Narciso, sem adentrar nas questões mitológicas, por ser o interesse da ordem psicológica. Irá Também, compilar aspectos que interessam diretamente à abordagem psicanalítica.
NARCISO, em grego Nárkissos, não é uma palavra de etiologia grega, talvez um empréstimo mediterrâneo da ilha de Creta, contudo tem uma aproximação com o elemento (nárke), que, em grego, significa "entorpecimento, torpor", com este sentido de tarpor, nárke já era empregado por Aristófanes em 713. Relacionando-se, com a flor narciso, foram possíveis várias associações: bonita, inútil; fenece, tem um perfume sedativo. (BRANDÃO, 2003).
O mito de Narciso adquire na pós modernidade a sua maior importância, por se tratar de um mito que traz na sua narrativa a difícil tarefa do relacionamento com o outro, e a sua importância na constituição do ser, nos vários estágios do desenvolvimento, contribuindo dessa forma, para a formação da personalidade desde as primeiras relações objetais até o nível mais elevado dos relacionamentos. Falhas nessas relações objetais podem constituir os distúrbios clássicos da personalidade (CAVALCANTE, 2003).
Ubinha e Cassorla (2003), em seu artigo - Narciso: polimorfismo das versões e das interpretações psicanalíticas do mito - cita Azoubel Neto (1993) dizendo: a psicanálise redescobriu o mito, retomou o seu estudo, e localizou-o como uma condição real, atuante e atual no inconsciente. Os autores dizem ainda, que as várias formas de relato do mito e de suas múltiplas compreensões, parecem refletir a própria indiferenciação dos estágios iniciais do desenvolvimento, e a complexidade da mente humana. O que vem corroborar com Holmes (2002) que afirma: " muitas das ideias comtemporâneas relativas ao narcisismo podem ser descobertas em estado embrionário no mito clássico de Narciso".
Há vários registros literários do mito de Narciso o mais antigo narrador é Ovídio (séc. VIII) em seu poema Metamorfoses ele conta a história do mito. Cânon, também é um narrador do mito e contemporâneo de Ovídio, outras duas versões do mito também foram contadas depois de Ovídio por Pausânias . (CAVALCANTE, 2003).

O MITO DE NARCISO SEGUNDO OVÍDIO

Ovídio, narra à versão mais conhecida e mais extensa do mito de Narciso. Ele conta que Narciso é fruto da união forçada pelo deus-rio Céfíso com a ninfa Liríope, esta, foi violada por este deus-rio, veio a dar à luz um menino de extraordinária beleza, a quem deu o nome de Narciso. Perturbarda com a estonteante formosura do filho, e preocupada com seu destino, Liríope foi consultar o adivinho Tirésias que indagado se Narciso teria vida longa, ele responde: "Sim, se ele não se conhecer".
Ovídio também liga o destino de Narciso ao da ninfa Eco e diz que na adolescência ele seria desejado pelas deusas, pelas ninfas e pelos jovens da Grécia inteira. Entretanto a grande beleza do filho, preocupava o espírito de Liríope. Quantos anos viveria o mais belo dos mortais? Conforme previsto, a ninfa Eco fica perdidamente apaixonada por Narciso e o segue de longe em suas caçadas, mas sem expressar o seu amor. Na descrição do autor, Eco não possui voz própria; ela só repete as últimas palavras pronunciadas por Narciso devido a um castigo que lhe aplicou Hera, a esposa de Zeus. Hera a pune, condenando-a a repetir as últimas sílabas das palavras que ouvia. Enamorada, Eco desejava transmitir ao seu amado tudo o que sentia, mas não podia fazê-lo, por força do castigo sofrido (BRANDÃO, 2002).
Um dia Narciso consegue perceber que alguém repete suas ultimas palavras, indagou: "Há alguém aqui?", apenas ecoou: "Aqui!". Mas o que ouve de volta é apenas o eco de suas próprias palavras. Desesperada, Eco tenta abraçar Narciso, que a repele dizendo: "Para longe com seus braços, eu prefiro morrer a deixar que você me toque". Sentindo-se rejeitada, Eco esconde sua face envergonhada entre as folhagens, e a partir desse dia passa a viver sozinha nas cavernas, até que, sofrendo as torturas do amor rejeitado, se transformara em pedra e somente o lamento de sua voz permanece.
As pessoas rejeitadas por Narciso invocam justiça aos céus, e imploram que Narciso se apaixone e que também seja rejeitado no seu amor. A deusa Nêmesis ouviu suas suplicas atende a esses pedidos. Um dia quando Narciso está caçando, sente sede e se debruça sobre a fonte de águas cristalinas. Após saciar-se fica encantado pelo belo reflexo que vê, enamora-se perdidamente pela bela imagem que vê de si mesmo refletida na água. Por um momento, ele acredita estar apaixonado por alguém divinamente belo. Ele tenta abraçar e beijar essa imagem, mas não consegue. Em outro momento ele reconhece que essa imagem é um reflexo dele mesmo: "Oh! Sou eu, ele!". Percebe o absurdo dessa paixão, mas essa revelação não é suficiente para afastá-lo da fonte. Ele permanece fixado em seu próprio reflexo. Narciso morre na fonte. E, no lugar do seu corpo, nasce uma flor de pétalas brancas com um centro amarelo, o narciso. (CAVALCANTE, 2003).
A análise psicológica do mito de Narciso, vê-se que ele se apaixona sem saber, pela própria imagem refletida na fonte de Téspias. Entretanto, no momento em que se encontra, ele se perde, pois não se vê, não foi capaz de distinguir a si mesmo. Ou seja, ele se engana, escolhe a si mesmo como o objeto do amor. Quando ficou paralizado à imagem refletida na fonte, dessa forma, a libido deixa de se dirigir ao objeto, ao "outro", e volta para si mesmo, por não possuir uma representação do outro internalizada, Narciso não conquista sua subjetividade. Tal descoberta leva-o ao desespero e à morte (BRANDÃO, 2002; MODIA,2008).
Brandão (2002,p.183, itálico e aspa do autor),considera que:
O engano fatal do jovem tebano foi a escolha errada do objeto de amor. Tratar-se-ia, no caso, de uma espécie de advertencia à violação dos impulsos do amor, que deve ser dirigido ao outro. Nesse caso, a libido deixa de se dirigir ao objeto, ao "outro", e retroage a uma atividade endo-psiquica: assim, Narciso teria cometido uma como que incesto intrapsíquico. Do ponto de vista subjetivo de Narciso, seu amor é realmente orientado para um objeto, pois ele descobriu uma face humana de uma beleza arrebatadora e por ela se apaixonou. O desenlace trágico, todavia, no relato de Ovídio, (...) é a conscientização de Narciso de que está perdidamente apaixonado por sua própria imagem; de que sua paixão é um auto-amor, um amor do self e não um amor pelo outro.
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Narciso foi enganado pela imagem humana, fantasiada, idealizada da belaza esplendoraosa no espelho d?àgua. Por isso não percebeu que o seu objeto de amor não existia. O mito revela-nos que Narciso, ao fixar em sua imagem e apaixonar-se, não conseguiu conquistar a individualidade, não faz interação com o entorno, não desenvolveu a afetividade, não conseguiu internalizar uma representação do outro. Tudo isso não seria possível, se Narciso se vinculasse afetivamente, fora, no externo , buscando o objeto do seu amor e não internamente com uma atitude onipotente, solitária voltada para si mesmo, ou seja, uma atitude narcisista.
Sendo assim, a subjetividade constituida de maneira narcisísica, ou seja, egóica, voltada para dentro de si mesmo é primitiva. Contudo, podemos contituir nossa subjetividade na busca no externo, fora de nós mesmo, adquirndo, conhecimento, transcendência, religiosidade e altruísmo. (BRANDÃO, 2002; MODIA,2008).

BREVE EVOLUÇÂO DO CONCEITO DE NARCISISMO NA OBRA DE FREUD

Miguelez (2007) afirma que o termo narcisismo em psicanálise é comum, entretanto, analistas de outras tendências o empregam sem dispensar definição, ou seja, todo analista "sabe" o seu significado e entende o que o outro quer dizer. Ainda segundo o autor, jornais, revistas e a mídia utilizam o termo de forma negativa dizendo: "narcisista é sempre alguém desagradável, inconveniente, que só fala de si mesmo e não tem consideração nem respeito por ninguém" (MIGUELEZ, 2007, p. 09).
Para MIGUELEZ (2007, p. 10).
Uma análise mais apurada permite perceber que o conceito de narcisismo está longe de ser uma clara unanimidade. Um dos mais complexos da psicanálise, resulta da articulação de vários termos: pulsão, objeto de pulsão, libido, eu, auto-erotismo, outro ? para mencionar apenas alguns. Mais do que um simples conceito "narcisismo" é o resultado de uma complexa articulação conceitual.

Ainda para o autor, apesar do termo estar sendo banalizado e achatado reduzindo-o a sinônimos de "egoísmo" e "egocentrismos", contudo, ele é constituinte da tópica e pilar na constituição subjetiva na teoria freudiana.
Corrobora com as considerações do autor, (GAY, 1989, p.315), dizendo que:
A esfera de significações da palavra se ampliou com rapidez, primeiro nas mão de Freud e a seguir, de modo muito mais irresponsável, no uso geral, para grande prejuízo dela enquanto expressão diagnóstica. Quando o narcisismo entrou no discurso culto dos anos de 1920 em diante, ele passou a ser utilizado de maneira descuidada, não só como rótulo de uma perversão sexual ou de uma fase do desenvolvimento, mas também de um sintoma psicótico e uma variedade de relações de objeto. Algus, de fato, empregaram-no como um termo pejorativo fácil contra a cultura moderna ou um sinônimo vago par uma vaidade enfatuada.

Sendo assim, é pertinente uma reflexão à luz da evolução do conceito de narcisismo embasado na obra de Freud, dessa forma, buscando rastrear suas origens, identificar conceitos que deu suporte e sustentação a personalidade narcísica, como sendo uma representação da subjetividade humana, e como essa subjetividade interfere na contemporaneidade, em sua multiplicidade de conceitos.
A ideia de narcisismo surgiu nos estudos de Freud prematuramente na CARTA 125 datada de Viena, 9 de dezembro de 1899 onde diz: Nesse ponto, o fio se interrompe. Em nota de rodapé nº5 informa que com essa aparente previsão do narcisismo, Freud estava ingressando numa área de idéias completamente nova. (FREUD, 2006 Vol.l, p. 331).
O tema do narcisismo se "situa no intervalo entre a assim chamada primeira e segunda tópica e nasceu da interlocução de Freud com Jung e os psiquiatras do hospital Burgholzli, de Zurique" (MIGUELEZ, 2007, p. 10-13). Pau Nacke em 1899 foi o primeiro a cunhar o termo narcisismo na psiquiatria para explicar fenômenos psíquicos humanos, e "descrever um estado de auto-erotismo no qual a pessoa toma o próprio corpo como objeto de interesse e gratificação". (FREUD,1914, p. 81). Freud consagra o mito de Narciso inserindo-o na Psicanálise como elemento estruturante do desenvolvimento da personalidade em várias passagens de sua obra; através das pesquisar realizadas nas perversões e outras patologias. Essas observações possibilitou a Freud uma evlução do conceito de narcisismo em sua obra; o que é permitindo sintetizar o conceito: como uma atitude resultante da transposição, para o eu, dos investimentos libidinais, antes dirigidos aos objetos externos e uma complementação da teoria da libido. (MODIA, 2008)

Primeiramente Freud vê o narcisismo como uma "perversão que absorveu a totalidade da vida sexual do individuo", (FREUD, 2006, p. 81). Em toda a extensão da teoria sexual de 1905 . Na perversão o próprio corpo é tomado como um objeto de amor, investe-se no Eu como só se investiria em um objeto.
No capítulo sobre a teoria da libido Freud, diz:
[...] no tocante aos destinos da libido, de que ela é retirada dos objetos,... É trazida de volta para o interior do ego, assim se reconvertendo em libido do ego. Em contraste com a libido do objeto, também chamamos a libido do ego de libido narcísica... A movimentação da libido narcísica, formando assim uma idéia da relação entre ela e a libido objetal (FREUD, 2006, p.206).

Posteriormente o narcisismo é retomado em 1910 com o artigo Leonardo da Vinci, uma lembrança de sua infância, no qual Freud formará a hipótese do narcisismo, designando o homossexualismo como um determinado tipo de escolha narcísica de objeto e dando relevância à introjeção das figuras parentais na formação da identidade sexual. Freud diz:
O que de fato aconteceu foi um retorno ao auto ? erotismo, pois os meninos que ele agora ama à medida que cresce, são, apenas, figuras substitutivas e lembranças de si próprio durante sua infância ? meninos que ele ama da maneira que sua mãe o amava quando era criança. Encontram seus objetos de amor segundo o modelo do narcisismo. (FREUD, 2006, p. 106).

No Caso Schreber (1911), Freud coloca o narcisismo entre o amor do objeto e o auto-erotismo , em que o sujeito toma o próprio corpo como objeto de amor, nesse momento ele considera o narcisismo como uma etapa normal do desenvolvimento. Freud diz:
Pesquisas recentes dirigiram nossa atenção para um estádio de desenvolvimento da libido, entre o auto-erotismo e o amor objetal. Este estádio recebeu o nome de narcisismo. O que acontece é o seguinte: chega uma ocasião, no desenvolvimento do individuo, em que ele reúne seus instintos sexuais (que até aqui haviam estado empenhados em atividades auto-eróticas), a fim de conseguir um objeto amoroso; e começa por tomar a si próprio, seu próprio corpo, como objeto amoroso... Essa fase eqüidistante entre o auto-erotismo e o amor objetal pode, talvez, ser indispensável normalmente. (FREUD, 2006, p. 68)

Em O Totem e Tabu (1913) Freud confirma o que tinha escrito anteriormente no caso Schreber sobre o narcisismo. Ele vê como um estado primitivo psíquico, definindo-o como etapa nornal do desnvolvimento, e faz uma distinção entre o estado narcísico normal, como etapa evolutiva, e um narcisismo patológico como estado regressivo, que pode perdurar como resultado de uma fixação em uma etapa precoce do desenvolvimento, quando ele diz:
Embora ainda não estejamos em posição de descrever com exatidão suficiente as características dessa fase narcisista, na qual os instintos sexuais até então dissociados se reúnem numa unidade isolada e catexizam o ego como objeto, já temos motivos para suspeitar que essa organização narcisista, mesmo depois de ter encontrado objetos externos para sua libido. As catexias de objetos que efetua são, por assim dizer, emanações da libido que ainda permanece no ego e pode ser novamente arrastada para ele. A condição de apaixonado, que é psicologicamente tão notável e é o protótipo normal das psicoses, mostra essas emanações ao máximo, comparadas com o nível do amor a si mesmo (FREUD, 1996, p. 99).

Freud observou ainda em Totem e Tabu, "que o estágio narcisista nunca é totalmente superado e atribui ser um fenômeno muito generalizado e esmiuçava as implicações de suas ideias fragmentadas".( PETER GAY, 2010,p.315). Considera que o termo narcisismo origialmente era aplicado a uma perversão. Entretanto, ele observa que não só os pervertidos, mas também os esquizofrênicos possuia esse estado de amor por si mesmo. Então ele conclui no sentido mais abrangente do termo "narcisismo não é uma perversão, mas um complemento libidinal do egotismo da pulsão de autopreservação". ( PETER GAY, 2010,p.315).
A discussão mais significativa foi em Sobre o narcisismo: uma introdução (1914). É um dos trabalhos mais importante Freud, "podendo ser considerado como um dos fatores centrais na evolução de seus conceitos, analisa o lugar ocupado pelo narcisismo no desenvolvimento sexual" (FREUD,1996, p. 78), colocando o narcisismo dentro da teoria psicanalítica e faz a distinção entre narcisismo primário e secundário.
Para ele o narcisismo primário, a "libido afastada do mundo externo é dirigida para o ego" (FREUD, 1996, p. 81), é considerada uma etapa normal do desenvolvimento, não existindo representações mentais do objeto, explica que nessa fase narcísica primária a criança não é capaz de fazer uma distinção entre o seio materno que a alimento e o seu próprio corpo, entretanto, no momento em que ocorre essa distinção a libido se diferencia entre libido narcísica e libido do objeto (CAVALCANTE, 2003). Segundo Nasio (1997), enquanto o eu como tal ainda não se constituiu. Os objetos estão investidos pelas pulsões são as próprias partes do corpo.(p.49).
Freud considera sobre o narcisismo primário, que o amor dos pais, tão comovedor e no fundo tão infantil, nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido e diz que:
Se prestarmos atenção à atitude de pais afetuosos para com os filhos, temos que reconhecer que ela é uma revivescência e reprodução de seu próprio narcisismo, que há muito abandonaram. (...) Assim eles (os pais) se acham sob a compulsão de atribuir todas as perfeições ao filho (...) Além disso, sentem-se inclinados a suspender, em favor da criança, o funcionamento de todas as aquisições culturais que seu próprio narcisismo foi forçado a respeitar (...) A doença, a morte, a renúncia ao prazer, restrições à sua vontade própria não a atingirão; as leis da natureza e da sociedade serão abrogadas em seu favor; ela será mais uma vez realmente o centro e o âmago da criação ? "Sua majestade o bebê", como outrora nós mesmo nos imaginávamos (FREUD, 1996, p.97-98).

"O narcisismo primário representa, de certa forma, uma espécie de onipotência que se cria no encontro entre o narcisismo nascente do bebê e o narcisismo renascente dos pais". (NASIO, 1997, p. 49).
Nesse sentido (MIGUELEZ, 2009, p. 43) considera:
Freud assinalou que a formação de um ideal do eu, quer dizer, de um conjunto de normas e valores que orientam as ações de um sujeito, dependia da existência de um eu ideal narcisista. Sabemos que para Freud o eu ideal é o produto do olhar libidinoso dos pais, em especial da mãe, que transforma o desamparo em onipotência narcisista.

O narcismo primário se constitui no inicio de vida. Ao nascer, o ego do bebê ainda não está totalmente formado, vai se constituido de maneira garadativa, pois, nesse momento da vida, o ego está voltado para atender as suas necessidades de conforto e bem estar. Sua libido se encarrega das pulsões que vão satisfazer esse estado de conforto e bem estar, isto é, voltado para as próprias necessidades. Sendo assim, o auto-erotismo é a primeira maneira de satisfação da libido, ou seja,os objetos investido pelas pulsões são as próprias partes do corpo.
O amor dos pais devotado ao bebê, também contribui para a constituição do narcisismo primário. Os pais vêem no bebê a realização dos seua próprios sonhos e atribuem a eles qualidades de perfeição. Por isso, "sua magestade o bebê" tem uma sensação de onipotência, e é nesse momento que as imagens e as palavras dos pais são percebida pelo bebê como palavras mágicas.(MODIA, 2008; FREUD, 2006)
Como explana (Modia, 2008, p. 103)
A vida mental do bebê ancora-se no instinto de preservação e de sobrevivência, ativados por energia libidinal e se direcionam ao objeto que falta para obter prazer e, assim, reparar a tensão gerada pela privação, assinalando, na primeira tópica de Freud, a motivação hedonista do ser humano que busca priorizar o prazer e afastar-se do sofrimento.

A superação do narcisismo primário, pela criança, perpassa pela percepção que ela tem da mãe, e pelos desejos que a mãe tem e não se referem a ela. A criança passa a não ser tudo para ela. Existem outras pessoas no entorno. Por isso, a criança percebe que o auto-erotismo não garante o amor de sua mãe. Ela tem que amar e, experenciar-se através do outro também.
Para Freud o importante, para a criança, na ruptura com o narcisismo primário, é a experiencia pisíquica do complexo de castração, em que a criança reconhece uma incompletude que desperta o desejo de recuperar o perfeição narcisíca. Quando a criança se compara a alguém que ela admira e almeja ser, então, emerge o narcisismo secundário, que corresponde ao seu ideal do ego. O ideal do ego ferudiano é construído pelo superego e as normas culturais. O ego identifica-se com a imagem de um objeto desejado e perdido. Como diz (NASIO 1997, p. 55. Aspas do autor),
A transformação dos investimentos de objeto em identificaçãoes contribui com uma parcela importante para a formação do eu. O eu resulta, pois, da ?sedimentação dos investimentos de objetos abandonados?; contém de certa maneira., ?a história de suas escolhas objetais?. Nessa medida, podemos considerar que o eu resulta de uma série de ?traços? do objeto que se inscreve inconscientemente: o eu assume traços do objeto.(...) No final das contas,o narcisismo secundário se define como o investimento libidinal (sexual)da imagem do eu, sendo essa imagem constituída pelas identificações do eu com as imagem do objeto.

Corrobora ainda com essa mesma ideia (CAVALCANTE, 2003, p. 30). Que diz: o narcisismo secundário, consiste na "retirada da libido dos objetos e investido no ego, essa retirada da libido pode ser para propósitos sadios ou patológicos". Entretanto Freud viu essa retirada, ou seja, o narcisismo secundário de forma negativa, embora afirme que a retirada da libido objetal é necessária para o desenvolvimento do ideal de ego e a construção do superego.
Para Cavalcante (2003), Freud descreve a libido como uma energia que pode ser deslocado do sujeito para o objeto, tornando-se libido do objeto, e do sujeito, tornando-se narcísica. Dessa forma ele estabelece a distinção entre libido do ego e libido objetal, levantando a questão da libidinização ou sexualização do ego.
Ainda no texto, Sobre o narcisismo: uma introdução, Freud vê as psicoses, "neuroses narcísicas", como investimento da totalidade da libido no ego e ausência de investimento nos objetos, e estudou o narcisismo não só através das patologias mas, também, pela observação da vida erótica. (CAVALCANTE, 2003).
Em 1915 ele acrescenta nota de rodapé aos Três ensaios sobre a sexualidade (1905), afirmando que "a escolha de objeto nos homossexuais já constitui o início da escolha narcísica do objeto" (CAVALCANTE, 2003, p. 31), o que Freud definiu de "amar a si mesmo através de um semelhante" , e que essa "imagem amada constitui uma imagem sexualmente invertida." (NASIO, 1997, p. 53); Ainda em 1915 em Pulsão e destinos da pulsão, ele vê o amor como derivado da capacidade do ego de satisfazer, de formar os impulsos auto-eróticos passando depois aos objetos incorporados ao ego. "O narcisismo é então entendido como investimento da própria imagem de si sob a forma de um falo". (NASIO, 1997, p. 53);
Em 1917, em Um suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos, Freud vê o narcisismo como complemento libidinal do egoísmo. No estado de sono a libido se dirige ao narcisismo primário, o ego regride ao estado de satisfação alucinatória do desejo pelo sono. (CAVALCANTE, 2003).
Em Luto e melancolia ainda em 1917, Freud concebeu a identificação narcísica a partir do estudo do luto e da melancolia e faz uma diferenciação entre eles. Luto o "eu se identifica com a imagem de um objeto desejado e perdido" (NASIO, 1997, p. 53); ou seja, é um estado doloroso pela perda de um ser amado ou de um equivalente. Supõe que "a melancolia poderia estar relacionada com a predominância do tipo narcísico de escolha de objeto" (CAVALCANTE, 2003). Miguelez (2009), afirma que o narcisismo está ao lado da melancolia e não do luto, e que, "todo luto é sempre um luto pelo objeto e pelo eu" (MIGUELEZ, 2009, p. 121). E segundo Freud, na melancolia o narcisismo está presente como identificação narcísica, resultado de escolha narcísica anterior do objeto, ou seja, o objeto perdido não pode ser abandonado, e no lugar do abandono surge uma identificação narcísica com ele. Identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa (MIGUELEZ, 2009).
Em 1918, em O tabu da virgindade (contribuições à Psicologia do Amor III) a perda da virgindade da mulher é associada a uma perda narcísica, uma vez que, essa perda diminui seu valor sexualmente.
Em Além do princípio do prazer (1920), a libido narcísica é entendida como uma manifestação da força da pulsão sexual, e é relacionada às pulsões de autopreservação.
Em 1921, em Psicologia das massas e análise do ego, Freud percebeu que o narcisismo pode se manifestar através dos fenômenos sociais: o individuo e a massa (MIGUELEZ, 2009). Também através da aversão e antipatia a estranhos, o ego ideal é a instância que toma para si as demandas do ambiente. E continua dizendo que, ao ego ideal são atribuídas as funções de auto-observação, de consciência moral, de censura de sonhos e de órgão repressor e vê o narcisismo como obstáculo à civilização (CAVALCANTE, 2003).
Ainda em 1923, em O ego e o id, faz diferenciação entre ambos e que o ego se coloca perante o id como objeto de amor a ser investido libidinalmente. Nesse trabalho afirma que, no início, toda a libido está acumulada no id, enquanto o ego ainda está em processo de formação (CAVALCANTE, 2003).
O narcisismo foi tema amplamente discorrido por Freud e muitos foram os seus seguidores. Citamos Lacan, psicanalista pós freudiano, que em 1936 desnvolve a teoria "estádio do espelho" que representa o próprio nascimento do eu e faz uma releitura do narcisismo freudiano como sendo um dos pilares de sua obra ( MIGUELEZ, 2007.

NARCISISMO UM CONCEITO ATEMPORAL

A ideia primária de narcisismo surgiu nos estudos de Freud datado do ano 1899, perpassado mais de um século, o conceito continua sucitanto discussão entre os estudiosos. Observou-se que não só a psicologia estudou o conceito e formulou questionamentos, outros autores postulam sobre o sujeito narcísico na sociedade ocidental contemporânea.
Autores preocupados com as questões da comtemporâneidade, Salis e Salem (2010), afirmam que: após o final da Segunda Guerra Mundial, a cultura que emergente é originária de muita destruição, e oriunda de duas grandes guerras. Após a 2a Guerra, o homem se depara com a falta de sentido e o sentimento de vazio, a vida sem sentido e sem causa se instaura no mundo ocidental.
O autor continua dizendo que um grande marco é o filme Juventude Transviada de Elia Kazan, tendo James Dean no papel principal: "Já que nada tem sentido, o sentido sou eu". Agora é tudo pelo prazer, pela satisfação imediata, pelo divertimento máximo do eu, e que de uma forma ou de outra, viver o momento é a paixão que prevalece, viver para si mesmo, não para o passado ou para a posteridade.
Consideram ainda, que essa chamada Cultura do Narcisismo que vemos surgir, foi berço das relações sem vínculo afetivo e da permissividade e que as estatisticas corraboram essa afirmação quando:
[...] "em 1938 houve um divórcio para cada 58 casamentos, mas em meados da década de 1980, a proporção era de um divór¬cio para cada.2,2 casamentos. [ ... ] As mulheres que procuravam clínicas ginecológicas na década de 1970 mostravam uma substancial diminuição no casamento for-mal, uma redução no desejo de ter filhos e uma mudança de atitude para a aceitação de uma relação bissexual. [ ... ] O número de pessoas vivendo sós [...] também começou a disparar para cima. (SALIS e SALEM, 2010, p.72).

O comportamento narcisista deu impulso às tendên¬cias de culto ao corpo e da aparência em todas as suas vertentes. Estamos vendo "explodir" o mercado das academias de ginástica, dos "personal trainers", dos produtos espor¬tivos, dos suplementos alimentares, das cirurgias plásticas, das lipos, dos dermatologistas, dos cosméticos; emerge a divinização das marcas, a supervalorização da moda e de seus acessórios; as práticas orientais; a loga, o Tai Chi Chuan, as alimentações naturais, macro¬bióticas, etc.
Diz ainda, esta forma de narcisismo tem como interesse coletivo conservar o corpo tão jovem quanto possível. Todos esses elementos são sinais de que a vaidade tornou conta da civilização ocidental; por isso, não é de se estranhar que na virada do milênio o ideal de homem tenha se tomado o metrosexual, personalizado no jogador de futebol inglês David Beckham: jovem, belo, próspero, atlético, preocupado à aparência, consumidor de cosméticos, de cirurgias estéticas, de produtos de design e de marcas que anunciam o seu "life style".
Continua dizendo, que atendendo à necessidade narcísica da constante admiração, surgem em nossa época a mídia das massas e a "sociedade do espetáculo", com os paparazzi perseguindo celebridades, dando vazão a seus delírios estapafúrdios de sucesso e fama. Do outro lado, surge urna imensa platéia voraz e curiosa, querendo saber detalhes íntimos da vida privada dos famosos. O narcisista necessita de platéia, ex. Big Brother, etc..
E que, a psicologia é usada para orientar campanhas publicitárias manipulando a mente das pessoas. Se não há necessidades, vamos criá-Ias!. Con¬vencendo as pessoas de que precisam de coisas, criando desejos e convencê-Ias disso, dizendo que sem essas coisas a vida delas não faz sentido; associando produtos ao glamour, ao sucesso e à felicidade. As empresas encon¬traram uma maneira de criar necessidades ocupando espaços na mente das pessoas com marcas desejosas. A carga de informação que rece¬bem desde pequenos é imensa. Com ela, passam a valorizar de tal maneira a riqueza e o sucesso, que os produtos acabaram se caracterizando como símbolos fundamentais de êxito e prestígio, ou seja, foram confun¬didos com a Virtude. Chegamos com isso a trocar o Ser pelo Ter. (SALIS e SALEM, 2010).
Podemos observar que no artigo recente publicado no Huffington Post de Rob Asghar, ensaísta e articulista norte-americano. Ele aponta o surgimento do que chama de "geração N", formada por jovens narcisistas. O texto é interessante, mas merece registro a parte em que ele aborda, que os pais norte-americanos atormentados pela culpa por trabalhar muito ou por optar pelo divórcio, estão criando filhos sem limite algum. E continua dizendo, o resultado é uma geração que se sente no direito de tudo. Ele cita ainda, uma pesquisa desenvolvida em conjunto pela San Diego State University e pela University of South Alabama, que concluiu que o narcisismo dos jovens norte-americanos cresceu nos últimos 15 anos. Toda via, aqui no Brasil a especialista em Psicopedagogia e em Educação Especial, Maria Irene Maluf, diz que esse cenário é comum aqui também.
Sennett (2010), enfatiza a ausência de autoridade e de orientação firme dos pais na criação dos os filhos, e que muitos deles discutem as questão familiar até a exautão, por receio de dizer não. Considera ainda, que o comportamento que traz sucesso ou apenas sobrevivência no trabalho, não dá para oferecer como modelo paterno, e que em lugar dos valores de camaleão da nova economia, a familia deve enfatizar, as virtudes de longo prazo como a obrigação formal, a confiança, o compromisso mútuo e o senso de objetivo. Entretanto, gera um conflito, como se pode buscar objetivo de longo prazo em uma sociedade de curto prazo, composta de epsódios e fragmentos? Diz o autor, o capitalismo de curto prazo corroí o carater, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável.
A relação entre as gerações é modulada por uma cultura narcisista implícito, e mais ainda, que o sujeito produto desta cultura se caracteriza por possuir uma superficialidade emocional, um medo da intimidade, hipocondria, uma falsa percepção, promiscuidade sexual, medo da velhice e da morte e não acreditam na possibilidade de transformação do futuro, desprezam o passado e vivem para o momento, e ausência de valores. Na era contemporânea tudo parece ser mais rápido: o imediatismo toma conta dos movimentos. A ética da sobrevivência constitui a marca do narcisismo. (NASCIMENTO, 2007)
O homem narcísico se diz liberado, permissivo e tolerante ao invés de culpado, moralista ou reprimido,. Entretanto, buscando ir contra os valores tradicionais, e a emancipação de antigos tabus esse comportamentos não lhe traz nem paz sexual nem a espiritual, ao contrário, a busca incessante do prazer se torna uma obsessão, seguidas de freqüentes queixas de vazio interior. (FERRY, 2007; LEBRUM, 2010 ; MARONI, 2008).
"O narcisismo é efeito do crescimento de uma lógica social individualista hedonista impulsionada pelo universo dos objetos e signos, e de uma lógica terapêutica e psicológica". (LIPOVETSKY, 1983, p.51) considera o autor, que a busca incessante por verdades psicológicas individuais, a libertação dos códigos e costumes tradicionais, fragilizam as relaçoes sociais, responsabilizando o narcisismo pela incapacidade do sujeito de lidar com a vida social.
Diz ainda, o neo-narcisimo nasce da deserção do político e nessa fórmula traduz o novo espírito do tempo. Nesse novo tempo, o sujeito viver no presente, e não em função do passado e futuro, caracterizando uma perda do sentido da continuidade histórica, é nesssa indiferença pelo tempo histórico, que instaura-se o narcisismo coletivo, por incapacidade do sujeito de enfrentar o futuro sem desespero.( LIPOVETSKY, 1983).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas reflexões sobre a simbologia do narcisismo, sua importância para o ser humano e o entendimento dos fenômenos psíquicos, preocupa-se em manter uma atitude de observador imparcial. E chegando ao final das considerações deixa-se claro o desejo de voltar ao assunto de forma mais pormenorizada.
Contudo, neste estudo, verifica-se que através do conhecimento da evolução do conceito de narcisismo e sua contextualização, é que se percebe o significado de determinadas práticas humanas, e a desintegração do homem com a sua natureza, a maior de todas as rupturas narcísicas. O homem passou de dominado para impor-se como ser superior dessa natureza, dessa forma, cria-se em uma sociedade fragmentada, insegura, em conflito.
Essa ruptura eu com mundo, que o narcisismo instaurou de forma radical, em que o sujeito afirma-se, eu sou o mundo, foi além, com a ruptura, eu com o ¬outro. Para o narcísisico, a relação que importa é a relação eu - ego ideal. O sujeito só quer transformar-se em seu ego ideal. O que predomina é uma cultura do hedonismo (o prazer como um fim em si mesmo).
Como salienta, Salis e Salem (2010, p. 79),
Se for mulher desejará ser linda e ter todos os íncones que confirmam a sua posição social: ou se transforma naquela mulher perfeita ou será melhor morrer. Se for homem ou se tornará um "self-made-man" ou será um fracassado, um "loser", e por isso se destruirá como tal. Poder, status social e dinheiro: essa é a busca do ego ideal.(...) A proliferação das drogas e da violência está nessa linha direta. Todos querem Ser, mas para Ser tem que Ter. Como vimos numa cultura narcisista em que o outro, pouco ou nada importa, criamos a situação em que se mata para Ter, ou seja, para Ter.

Contudo, pode-se observar que na linguagem simbólica da psicologia, na visão dos teoricos como Freud, Brandão, Cavalcante e outros, o estado narcísico primário pode significar segurança, onde as necessidades instintivas são satisfeitas sem culpa ou conflito. Entretanto, está identificado com esse estado narcísico viver nele, significa estar alienado de si mesmos em toda dimensão da personalidade, sem conhecer as limitações.
A busca do paraíso perdido, entendida por alguns como um desejo infantil de retomo ao útero matemo, é "na realidade um impulso inerente a todo ser humano pela re-ligação com a natureza e o Cosmos de onde fomos afas¬tados coletivamente em tempos imemoriais" (SALIS e SALEM 2010, p. 87).
O paraiso coletivo foi perdido pela corrupção do nosso carater, quando nos colocamos em uma psição de falsa superioridade e utilizamos nossa criatividade com interesses mesquinhos e egísta. Apesar de termos a capacidade da criação tecnológica, sempre estaremos sujeitos às leis da natureza, como o ego sempre estará sujeita as leis que governam a psique. (SALIS e SALEM, 2010).
No século XXI o culto não é mais de um ego ideal e sim o "novo culto é o abandono de si, onde a vida não vale mais nada" Salis e Salem (2010, p. 81), e se nada mais tem valor, dane-se o mundo, é uma geração que não tem o narcisimo do amor fundamental pela vida. Segundo o autor, essa nova tendência não tem nome ainda, mas essa é uma realidade que se impõe. O problema é que os valores de preservação da vida e da natureza não estão mais em lugar nenhum, todos estamos corrompidos a serviço desse sistema devorador (SALIS e SALEM, 2010).
Foi tentado demonstrar no constructo teórico o conceito de narcisismo pelos diversos recortes. Em todas as situações descritas tenta-se demonstrar que um olhar para o narcisimo pode-se perceber mais uma dimensão da emergência do simbólico e sua atemporalidade no psiquismo humano.










REFERENCIAS:


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Autor: Suzana Castro Alves


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