ADMISSIBILIDADE DA REVISÃO CRIMINAL NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JÚRI



ADMISSIBILIDADE DA REVISÃO CRIMINAL NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JÚRI

Introdução


Consoante disposto no artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, o Tribunal do Júri tem competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, tendo como princípios basilares a plenitude de defesa, o sigilo das votações, e a soberania dos veredictos. Deste último princípio, depreende-se que a decisão do conselho de sentença é suprema.
No que concerne à revisão criminal, ela também é considerada como uma garantia constitucional, que tem cabimento nos processos findos, nas hipóteses taxativamente elencadas pelo artigo 621 do Código de Processo Penal, e pode ser requerida em qualquer tempo, seja antes da extinção da pena, ou após.
Sendo estas duas garantias fundamentais estatuídas pela Constituição Federal, discute-se sobre a possibilidade de se revisar uma decisão condenatória oriunda do Tribunal do Júri.

A revisão criminal

Dispõe a norma do Código de Processo Penal:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Dessa forma, preenchidos tais requisitos, será admitida a revisão criminal com o intuito de que seja estabelecida uma nova decisão sobre o caso. Ressalta-se que tal instituto é uma ação de impugnação, e a competência é originária dos tribunais. Também, é uma ação exclusiva da defesa, podendo ser utilizada para revisar sentenças penais condenatórias ou absolutórias impróprias.
Nesse sentido é posicionamento da jurisprudência:

REVISÃO CRIMINAL. PETIÇÃO MANUSCRITA. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO QUE SE PRETENDE REVISAR. INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE ELENCADOS NO ART. 621. NÃO-CONHECIMENTO.
Na espécie, o pedido não deve ser conhecido, porque ausente requisito de admissibilidade no juízo revisional, consoante o disposto no artigo 621 do CPP, qual seja, o trânsito em julgado da decisão que se pretende revisar.
REVISÃO CRIMINAL NÃO CONHECIDA. (Revisão Criminal Nº 70036618130, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laís Rogéria Alves Barbosa, Julgado em 11/02/2011)

HABEAS CORPUS. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. ERRO NA DOSIMETRIA DA PENA. REINCIDÊNCIA. Matéria que deve ser resolvida na via adequada, mediante interposição de ação de revisão criminal, pois o remédio heróico não pode ser utilizado como sucedâneo revisional. HC não conhecido. (Habeas Corpus Nº 70040244493, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Julgado em 25/01/2011)

Aury Lopes Jr., sobre revisão criminal, caracteriza que:
Trata-se de um meio extraordinário de impugnação, não submetida a prazos, que se destina a rescindir uma sentença transitada em julgado, exercendo por vezes papel similar ao de uma ação de anulação, ou constitutiva negativa no léxico ponteando, sem ver-se obstaculizada pela coisa julgada. (Lopes Jr., página 633, 2010)

Na Carta Magna também está presente a garantia constitucional da revisão criminal, segundo o artigo 5º, inciso LXXV, o qual garante que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário".
Guilherme de Souza Nucci, ao conceituar a revisão criminal, assevera que:
É uma ação penal de natureza constitutiva e sui generis, de competência originária dos tribunais, destinada a rever a decisão condenatória, com trânsito em julgado, quando ocorreu erro judiciário. Trata-se de autêntica ação rescisória na esfera criminal, indevidamente colocada como recurso no Código de Processo Penal. É ação sui generis, pois não possui pólo passivo, mas somente o autor, questionando um erro judiciário que o vitimou. (Nucci, páginas 928/929, 2008)

O Tribunal do Júri e a possibilidade da impugnação através da revisão criminal
No que concerne ao Tribunal do Júri, como já referido anteriormente, possui a soberania dos veredictos, que é uma garantia constitucional.
Surge, então, um questionamento: seria possível utilizar-se da revisão criminal para rever uma decisão do Tribunal do Júri?
Como resposta, tem-se um conflito de princípios, visto que, sendo a soberania dos veredictos um princípio basilar do conselho de sentença, como se poderia revisar sua decisão? Entretanto, a garantia de indenização por erro judiciário também está presente na Constituição Federal, como direito fundamental da pessoa humana, onde, utiliza-se como remédio para as condenações criminais injustas, a revisão criminal.
Nucci (2008) diz que "por inexistir, no contexto constitucional, hierarquia de normas, mormente quando se tratam de duas garantias fundamentais, é preciso harmonizá-las, evitando que uma prevaleça integralmente sobre a outra".
Ou seja, existe, indubitavelmente, possibilidade de ser revista, na instância superior, a decisão condenatória do Tribunal do Júri. Tendo em vista que as duas garantias são direitos fundamentais da pessoa humana, não seria viável que uma tivesse prioridade para a aplicação, e a outra fosse excluída do mundo jurídico.
Apesar da decisão do conselho de sentença ser soberana, entendida esta no sentindo etimológico como sendo a autoridade suprema, a qual possui poder supremo, não se pode olvidar que coadunado com a garantia de indenização por erro judiciário, a qual assegura a revisão criminal, está o direito a liberdade, o qual se lê no "caput" do artigo 5º da Constituição Federal. Dessa forma, se as decisões do Tribunal do Júri não fossem alvo de revisão criminal, haveria um atentado a garantia de liberdade que todas as pessoas possuem.
Guilherme de Souza Nucci narra sobre o assunto:
Caso, pois, entenda o réu ter sido indevidamente condenado, poderá ingressar com a revisão criminal, mas apenas para que o tribunal togado proceda ao juízo rescindente, devolvendo ao júri o juízo rescisório. Cabe a este último a decisão de mérito, avaliando se houve ou não o mencionado erro judiciário. Levemos sempre em conta que a análise das provas do processo é relativa e ninguém pode garantir que o tribunal togado seja o único habilitado a procedê-la com sucesso. Diante disso, para compatibilizar a revisão criminal com a soberania dos veredictos, sem que uma garantia supere a outra, pois estabeleceria indevida hierarquia entre normas constitucionais, é preciso encaminhar o julgamento ao Tribunal Popular.

Dispõe a jurisprudência:
REVISÃO CRIMINAL. CRIMES DOLOSOS E CULPOSOS CONTRA A PESSOA. JÚRI. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO TENTADO (ARTIGO 121 - § 2° - I E IV, COMBINADO COM O ARTIGO 14-II NA FORMA DO ARTIGO 29, CAPUT, TODOS DO CP). NÃO ENQUADRAMENTO DO CASO CONCRETO NAS HIPÓTESES DO ARTIGO 621, DO CPP. O requerente foi denunciado e condenado pela prática do delito supra mencionado, tendo sido dado parcial provimento ao apelo defensivo, por maioria, tão-só para fins de fixar o regime inicial fechado para o cumprimento da pena carcerária aplicada, vencido o Revisor, que o improvia na sua totalidade. PEDIDO REVISIONAL SEM A APRESENTAÇÃO DE QUALQUER ARGUMENTO OU PROVA NOVA. Nenhum elemento novo ou prova nova foi acrescentado aos autos. Assim, a pretensão deduzida na inicial não tem o condão de retirar a força probatória do contexto que autorizou a condenação chancelada pela soberania do TRIBUNAL do JÚRI. REVISÃO CRIMINAL NÃO CONHECIDA. (Revisão Criminal Nº 70036379691, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Julgado em 05/11/2010)

Ainda, conforme expõe Guilherme de Souza Nucci:
[...] Saliente-se que, da mesma forma que a revisão criminal é uma garantia individual, também o é o Tribunal do Júri, embora a primeira seja instrumento de proteção destinado aos condenados injustamente, enquanto o segundo é garantia do devido processo legal e não da liberdade do réu. Pode o júri condenar ou absolver, sem estar vinculado ao acusado. Assim sendo, embora a revisão criminal seja uma proteção aos condenados vítimas de erro judiciário, é preciso que se preserve, igualmente, a instituição do júri, lapidada constitucionalmente para a condenação ou absolvição dos acusados da prática de crimes dolosos contra a vida. (Nucci, páginas 933/934, 2008)

Conclusão

Diante do exposto, constata-se que é admissível a impugnação por meio da revisão criminal, para que seja revista a sentença condenatória que foi contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, também, quando a mesma se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos, ou, ainda, quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Tanto o Tribunal do Júri, que é garantia ao devido processo legal, onde o autor do fato criminoso terá seu julgamento realizado por leigos, como a revisão criminal, que assegura o direito à liberdade, são direitos fundamentais de todas as pessoas. Assim sendo, injusto seria fazer com que uma garantia prevalecesse sobre a outra.
Salienta-se, ainda, que devido a previsão constitucional do Tribunal do Júri, caso a condenação por ele proferida seja revista através da revisão criminal, o processo deverá voltar para o julgamento popular, que analisará o mérito, após a revisão. Dessa forma, as duas garantias individuais terão sido efetivadas.
















REFERÊNCIAS

Nucci; Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 5. ed. Editora Revista dos Tribunais, 2008.
Lopes Jr; Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. V. 2, 6. ed. Editora Lumen Júris, 2010.
Constituição da República Federativa do Brasil
Código de Processo Penal Brasileiro
www.tjrs.jus.br

Autor: Amanda Cornelli Calvi


Artigos Relacionados


Revisão Criminal

Modelos – Peças Criminais – Defesa Penal – Criminal - Prévia

Revisão Criminal E Indenização Estatal

Constitucionalidade Da Absolvição Sumária No Sumário De Culpa

Absolvição Sumária E A Limitação Da Competência Do Tribunal Do Juri Para O Julgamento Dos Crimes Dolosos Contra A Vida

Nulidades No Tribunal Do Júri Frente à Soberania Dos Veredictos

A Condenação No Juri Popular Com Base Somente No Inquerito Policial