Culto consumista 2: o valor do alimento no culto aos Orissás



Continuando a abordagem sobre a questão da ralação dos praticantes de Candomblé e Umbanda com o uso de alimentos em oferendas e sacrifícios é importante esclarecermos o valor do alimento, seja animal ou vegetal para os africanos que trouxeram o culto aos Orissás para o Brasil, e que posteriormente constituíram o Candomblé.

O alimento é o principal fator de perpetuação da vida para todos os seres vivos deste planeta. Toda matéria orgânica serve como alimento de todo organismo vivo. Os seres humanos como um dos mais complexos organismos vivos do planeta não foge a essa regra. Quando os seres humanos, no seu processo de evolução, começaram a adquirir a idéia de Deus e assim criar uma relação sagrada com a natureza, o alimento foi o primeiro "objeto" ou matéria a ser colocado como fator central dos cultos.

Os povos Yorubanos, Bantos e Jejes fazem parte desses primeiros povos. E se destacam por conservar essas tradições primórdias. A tentativa de conservar tais tradições se depara com muitos problemas atualmente, aos quais poderíamos nos estender por muitas páginas. Porém vamos nos limitar a falar dos alimentos.

O continente africano, de um modo geral, é um dos ambientes mais inóspitos do planeta. As populações do centro-oeste africano (de onde vieram os africanos para o Brasil) sempre conviveram com a natural escassez de alimento, tanto por questões climáticas e geográficas quanto por questões de disputas territoriais e guerras. Dessa forma além do teor sagrado natural aos alimentos, a disponibilidade era um problema.

Atualmente os praticantes do culto aos Orissás praticam um crime contra a tradição. O alto desperdício já citado no outro artigo (Culto Consumista) é a prova concreta de tal crime.

Nos sacrifícios em África era impensável se descartar carne, frutas, grãos e outros como algo sagrado. Sacrifícios de animais eram muito conscientes. Eram realizados esporadicamente, pois tais animais eram a fonte de sustento com ovos, leite e com o próprio comércio.

Uma pessoa comum das terras yorubanas gastava meses, às vezes anos de economia para sacrificar um animal. Sacrifícios eram esporádicos. As iniciações eram processos em que a essência era aprendizado, a reclusão para concentração e não uma chacina com vários animais e muitos quilos de alimentos para cada iniciado como acontece hoje. Os usos das plantas, da água, dos locais sagrados eram muito mais importantes do que o sangue de animais.

Os próprios sacrifícios e oferendas aos Orissás eram de forma única. Não se oferecia ou se sacrificava para o Orissá de cada membro da aldeia ou cidade. Para os africanos o Orissá é único. Não existem vários Ogums, Sangos, Yemanjás e Ossalás. Cada um é um. Uma energia.

Hoje, a idéia de quantidade como qualidade que faz parte de todas as relações humanas do mundo consumista, também permeia o culto aos Orissás no Brasil. Os praticantes deveriam ser mais conscientes do que é o culto aos Orissás. Da essência e da origem desse culto. Não é aceitável que a "religião" da natureza desperdice tanto. Que a religião dos povos que mais sofrem com a miséria e fome atualmente pratique tal absurdo com o alimento. No Candomblé o alimento é o centro, a base, a matéria-prima de todo o culto. Por isso deve ser praticado com muita consciência.

Autor: Alan Geraldo Myleô


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