MOTIVOS QUE LEVARAM À DERROTA SOVIÉTICA NA CORRIDA ESPACIAL



Palavras-chave: União Soviética. Estados Unidos. Corrida Espacial. Sergei Korolev. Lua.

INTRODUÇÃO
Em outubro de 1957 a Guerra Fria mal tinha completado sua primeira década de existência, mas já se fazia sentir com firmeza. A disputa velada, mas exibicionista entre União Soviética e Estados Unidos tivera início em vários campos. Em breve esta disputa ganharia corpo e se faria presente também nos projetos para a conquista do espaço, ganhando o nome específico de Corrida Espacial (NOGUEIRA, 2005; MORENO, 2008).
No âmbito desta concorrência a União Soviética colocou em órbita o primeiro satélite artificial do mundo (CHRISTY, 2008). Antes mesmo que os norte-americanos conseguissem se refazer do golpe e lançar qualquer objeto além da atmosfera terrestre, os soviéticos lançaram o primeiro animal ao espaço. A primeira tentativa norte-americana de colocar um satélite em órbita redundou em ignominioso fracasso. Pouco depois os soviéticos conseguiam colocar o primeiro ser humano no espaço em um voo de 1h48min. Quando, um mês depois, os norte-americanos conseguiram colocar seu primeiro homem no espaço, o voo teve apenas 15 minutos de duração (CLARKE, 1968; OBERG, 1981).
O segundo soviético (e quarto ser humano) no espaço foi também o primeiro homem a passar mais de 24 horas fora da atmosfera terrestre (e o primeiro a dormir no espaço). Somente no ano seguinte é que os norte-americanos conseguiriam manter um homem por meras três horas no espaço. Pouco depois os soviéticos conseguiram, em duas ocasiões diferentes, manter duas naves tripuladas ao mesmo tempo em órbita. Eram as primeiras ocasiões em que dois seres humanos eram simultaneamente colocados no espaço. Em uma destas ocasiões subiu ao espaço uma soviética que tornou-se a primeira mulher no espaço. Em 1964 os soviéticos lançaram a primeira espaçonave tripulada por três homens e no início do ano seguinte um soviético tornou-se o primeiro ser humano a caminhar no espaço (OBERG, 1981; ABRIL, 1990).
Enquanto isso as conquistas norte-americanas eram aparentemente pequenas. Enquanto os soviéticos figuravam em manchetes ao redor do mundo realizando feitos memoráveis, tudo o que os norte-americanos conseguiam eram manter seus homens no espaço dentro de naves, realizando apenas algumas experiências nada impactantes e, no máximo, aumentando seu tempo de permanência no espaço, ainda que o tempo dos soviéticos em órbita fosse muito superior (OBERG, 1981). No imaginário popular a Lua estava fixada como o prêmio à nação que venceria a Corrida Espacial, suplantando a rival (SHEPARD & SLAYTON, 1994). Nesta época, se alguém tivesse de apostar em qual das duas nações seria a que colocaria o primeiro homem na Lua, muito provavelmente sustentaria que a União Soviética conseguiria tal façanha.
Porém, algo aconteceu. Repentinamente os feitos soviéticos desapareceram das manchetes e alguns anos se passariam até que eles reaparecessem (SPACEFACTS, 2010). Enquanto isso os norte-americanos passaram à frente na Corrida Espacial. Mesmo quando os soviéticos voltaram a participar da disputa, enfrentaram desastres e outros problemas diversos. Isso os colocou ainda mais para trás na competição.
Quando os soviéticos voltaram a voar regularmente ao espaço, já não podiam fazer nada para alcançar seus rivais norte-americanos. Tiveram de assistir, atônitos, aos estadunidenses Neil Armstrong e Edwin Aldrin tornarem-se respectivamente o primeiro e segundo homem a caminhar na Lua, em 1969 (ALDRIN & MCCONNELL, 1989). Posteriormente outras cinco missões americanas foram realizadas com êxito ao solo lunar. Os soviéticos, por sua vez, não apenas nunca colocaram homens na Lua como passaram a negar publicamente que sequer o tenham desejado em algum momento.
Com o fim da União Soviética, porém, vieram a público inúmeras evidências de que, na realidade, os soviéticos desejaram ardentemente, em dado momento, chegar à Lua antes dos Estados Unidos. Desenvolveram um foguete tão potente quanto o que foi construído pelos Estados Unidos para colocar seus astronautas na Lua, desenvolveram um módulo lunar, a nave que efetivamente levaria seres humanos ao solo lunar, e a nave Soyuz era a equivalente americana da Apolo (SHEPARD & SLAYTON, 1994; NOGUEIRA, 2005). Entretanto, por algum motivo, um russo nunca colocou os pés na Lua.

OBJETIVOS
? Analisar aspectos específicos da história do programa espacial soviético;
? Realizar comparações entre o programa espacial norte-americano e o soviético em suas décadas iniciais;
? Descrever a forma como desenvolveram-se os programas espaciais dos países envolvidos na Corrida Espacial;
? Assinalar as causas que ocasionaram a derrota soviética na Corrida Espacial.

METODOLOGIA
Os objetivos deste estudo somente foram atingidos graças à pesquisa bibliográfica de extenso material referente ao tema. Os materiais e atividades incluem:
? Consulta a livros, materiais impressos, publicações na Internet, dissertações, etc.;
? Realização de debates sobre a história da exploração espacial, em eventos do GEDAL (Grupo de Estudos e Divulgação de Astronomia de Londrina);
? Realização de consultas a livros publicados por especialistas sobre Astronáutica ou que tenham capítulos abordando o tema. Endereços eletrônicos de agências espaciais como a NASA (www.nasa.gov), Canadian Space Agency (www.space.csa.gc.ca), Rosaviakosmos (www.roscosmos.ru), Japan Aerospace Exploration Agency (www.jaxa.jp), Agência Espacial Brasileira (www.aeb.gov.br) e European Space Agency (www.esa.int) foram também consultados e explorados.

1. HISTÓRICO
O decepcionante para nós é que eles costumavam dizer, anos atrás: "Estamos lendo sobre vocês na aula de ciências". Agora eles dizem: "Estamos lendo sobre vocês na aula de história".

NEIL A. ARMSTRONG, comandante da Apolo-11.

Em 4 de outubro de 1957 a União Soviética colocou em órbita da Terra o primeiro satélite artificial da história, o Sputnik-1 ou Prostveishiy Sputnik (Satélite Simples PS-1). Foi o início daquilo que se transformaria na chamada Corrida Espacial, uma batalha dentro da Guerra Fria, disputa esta que seria o mais caro, audacioso e inspirador empreendimento científico da história. O satélite soviético tinha apenas 84 quilos de peso e nem sequer possuía equipamentos científicos (dias após ser lançado ele ajudou na identificação das altas camadas da atmosfera, mas isto aconteceu de modo casual, devido às interferências na órbita do aparelho). Apesar de pequeno e simples, seu lançamento serviu para mostrar ao resto do mundo que os comunistas possuíam um programa espacial capaz de colocar equipamentos orbitando a Terra (SIDDIQI, 1997). O feito também mostrava aos Estados Unidos a superioridade soviética na construção de foguetes.
Antes mesmo que os Estados Unidos tivessem tempo de reagir e lançar seu próprio equipamento no espaço, a União Soviética lançou, em novembro de 1957, seu Sputnik-2, com a cadela Kudriavka (conhecida no Ocidente como Laika) a bordo. Apesar de ter morrido durante o voo, a cachorra tornou-se o primeiro ser vivo a viajar pelo espaço (MORENO, 2008). Já começando a Corrida Espacial em segundo lugar os Estados Unidos tentaram o lançamento de seu primeiro satélite artificial, o Vanguard, somente em 6 de dezembro de 1957. Além de acontecer com meses de atraso em relação aos soviéticos, o lançamento terminou em fracasso, com a explosão do foguete ainda na plataforma. Somente em 31 de janeiro do ano seguinte é que os norte-americanos conseguiram lançar seu primeiro satélite, o Explorer-1, mas com mais alguns meses de atraso em relação aos soviéticos (CLARKE, 1968; WHITE, 2003; NOGUEIRA, 2005).
Outros sucessos soviéticos ainda viriam. Em janeiro de 1959 a sonda não-tripulada Luna-1 passou a 6.000 km da Lua e transformou-se na primeira nave espacial a cair na órbita em torno do Sol. No mesmo ano, em 14 de setembro, a Luna-2 tornou-se o primeiro objeto feito pelo homem a atingir a Lua, embora tenha sido destruída no impacto com o solo lunar. Em 4 de outubro foi lançada a Luna-3, que tornou-se a primeira sonda a conseguir imagens da face oculta da Lua, aquela que nunca volta-se para a Terra. Cada sucesso soviético era ovacionado pela imprensa mundial (CLARKE, 1968). Enquanto isso, embora os Estados Unidos tivessem superado os soviéticos na quantidade de satélites lançados ao espaço, nenhum de seus feitos se igualava aos dos comunistas.
Ainda em 1959 os Estados Unidos selecionaram sua primeira equipe de astronautas, em 9 de abril, num total de sete homens, todos egressos das forças armadas. A resposta soviética veio em 25 de fevereiro do ano seguinte, quando escolheram vinte homens, todos pilotos da força aérea, como a primeira turma de cosmonautas da União Soviética (SPACEFACTS, 2010).
Embora os norte-americanos tenham selecionado seus astronautas quase um ano antes dos soviéticos escolherem seus cosmonautas, em 12 de abril de 1961 a União Soviética voltou a surpreender o mundo ao lançar a nave espacial Vostok-1 com o jovem Yuri Gagarin a bordo. Ele tornou-se o primeiro homem a viajar ao espaço e, ao fim de uma hora e meia, tendo completado uma volta em torno da Terra, retornou em segurança (GREENE, 2008).
Somente em 5 de maio é que os norte-americanos lançaram Alan Shepard, seu primeiro homem ao espaço, a bordo da nave Mercury-1 e, ainda assim, num voo de apenas 15 minutos de duração, pois o pequeno foguete Redstone utilizado não tinha potência para impulsionar a nave a altitudes maiores, de modo a mantê-la em órbita (SHEPARD & SLAYTON, 1994). Apesar deste voo espacial tímido e de pouca duração o presidente John F. Kennedy animou-se de tal modo que dias depois proferiu um de seus mais famosos discursos, afirmando que era imperioso que os Estados Unidos se tornassem a primeira nação a colocar homens na Lua e prometendo que antes do final da década de 1960 eles conseguiriam tal feito. Estava, desta forma, iniciada a corrida à Lua entre Estados Unidos e União Soviética (GAVIN, 2008).
Poucos meses depois subiu ao espaço o cosmonauta soviético Gherman Titov, que tornou-se o primeiro homem a permanecer mais de 24 horas no espaço (e também o primeiro a dormir no espaço). Em 1962, ano em que os americanos conseguiram colocar seu primeiro homem em órbita, os russos lançaram ao espaço as naves Vostok-3 e 4, respectivamente com Adrian Nikolayev e Pavel Popovich a bordo. Estas foram as primeiras naves tripuladas a realizar voos simultâneos no espaço, fato também ovacionado pela imprensa mundial. Somente em 1963 é que um americano, o astronauta Gordon Cooper, permaneceu por mais de 24 horas no espaço, a bordo de sua nave Mercury-9. No mesmo ano a União Soviética enviou Valentina Tereshkova a bordo da nave Vostok-6, tornando-a a primeira mulher a viajar ao espaço (SPACEFACTS, 2010).
Durante todo o ano de 1964 a única nave tripulada a voar foi a soviética Voskhod-1 com Vladimir Komarov, Boris Iegorov e Konstantin Feoktstov a bordo, sendo esta a primeira espaçonave a conduzir três homens ao espaço. Poucos meses depois, em março de 1965, a nave Voskhod-2 levou Pavel Belyayev e Aleksey Leonov para um voo de 26 horas pelo espaço. Durante esta missão Leonov tornou-se o primeiro homem a realizar uma caminhada espacial, permanecendo 12 minutos fora de sua nave, em um traje espacial (SPACEFACTS, 2010).
Não resta dúvida de que até a missão da Voskhod-2 os soviéticos lideravam a corrida espacial. Seus feitos no espaço eram aplaudidos pela imprensa e serviam como ótima propaganda em prol do comunismo. Em março de 1965 os soviéticos detinham os recordes de permanência no espaço, haviam enviado a única mulher ao espaço e ainda tinham realizado a primeira caminhada espacial (SPACEFACTS, 2010). Eles lideravam a Corrida Espacial, pelo menos aos olhos do mundo.
Mas repentinamente algo aconteceu. Logo após a missão Voskhod-2 os feitos soviéticos no espaço simplesmente sumiram das manchetes dos jornais. Durante todo o resto de 1965 e durante todo o ano de 1966 nenhum cosmonauta soviético subiu ao espaço. Enquanto isso os norte-americanos mantiveram-se voando ao espaço e conseguiram quebrar todos os recordes quantitativos soviéticos e ainda criaram outros. Somente em 1967 um soviético voltou ao espaço e, ainda assim, o voo terminou em tragédia, com a morte de Vladimir Komarov ao final da missão, quando os pára-quedas que deveriam frear a nave não se abriram (SPACEFACTS, 2010). Com o acidente o programa espacial soviético perdeu 18 meses em investigações e mudanças no desenho da nave. Neste período os norte-americanos fizeram grandes progressos, criaram e testaram as naves que os levariam à Lua (WHITE, 2003; NOGUEIRA, 2005).
Quando os soviéticos voltaram a voar ao espaço, já não podiam mais alcançar os norte-americanos. Em julho de 1969 os Estados Unidos lançaram a nave Apolo-11 e esta levou os primeiros homens a colocar os pés na Lua (GRINTER, 2008; SPACEFACTS, 2010). Desta forma, a União Soviética, que iniciara a Corrida Espacial com grandes vantagens, era definitivamente derrotada nesta batalha.

2. POR TRÁS DA MÁSCARA SOVIÉTICA
O segredo na ciência rouba-lhe o principal elemento que a mantém saudável: a opinião pública científica.

Peter Kapitza

Embora os primeiros anos da Corrida Espacial tenham sido favoráveis aos soviéticos, vários motivos levaram a uma gradativa degeneração de seu programa espacial, culminando com sua derrota na disputa pela conquista da Lua.
Desde o início o programa espacial soviético enfrentava crises e problemas internos. Mas como o caráter do mesmo era militar, praticamente todos os seus fracassos eram escondidos até mesmo do próprio povo soviético. Apenas os êxitos eram divulgados. Mesmo na época dos sucessos dos satélites Sputnik, cada lançamento soviético bem sucedido acontecia sob o peso de outros três ou quatro lançamentos fracassados. Os Estados Unidos tinham uma média menor de fracassos, mas como seu programa espacial era público, a imprensa tomava conhecimento tanto de seus fracassos quanto dos sucessos. Ficava a falsa impressão de que apenas os norte-americanos tinham fracassos (WHITE, 2003). Para ilustrar esta situação, basta dizer que a morte do cosmonauta soviético Valentin Bondarenko durante treinos para uma missão, em 1961, foi mantida em segredo até 1985, bem como a explosão de um foguete que matou dezenas de técnicos e cientistas, entre eles o marechal Mitrofan Nedelin, que chefiava o programa espacial soviético um ano antes.
Havia, desde o início, graves problemas financeiros dentro do programa espacial da União Soviética. Primeiramente o governo russo prometeu apoio financeiro a Sergei Korolev, o projetista-chefe do programa espacial soviético (HARFORD, 1997). Mas os recursos fornecidos sempre estiveram aquém do necessário. Assim, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, a maior preocupação eram os problemas militares, de modo que um eventual objetivo de enviar homens à Lua teria de ficar em segundo plano.
Outro problema enfrentado pelos engenheiros russos foi a constante necessidade de lutar contra o complicado sistema burocrático da União Soviética. Nos Estados Unidos a NASA, sua agência espacial, gozava de certo grau de autonomia e somente dependia do governo para suporte financeiro. Na União Soviética todas as decisões de Korolev tinham de ser aprovadas por funcionários do governo, mesmo que a maioria deles pouco entendesse de ciência ou tecnologia (HARFORD, 1997).
A rivalidade existente dentro do programa espacial soviético também era um grave obstáculo. Embora Sergei Korolev fosse o engenheiro mais capacitado, enfrentava a competição de outros nomes fortes e tão dedicados à exploração espacial quanto ele próprio. Os quatro mais destacados destes engenheiros eram Vladimir Chelomei, Valentin Glushko, Vassily Mishin e Mikhail Yangel. Cada um deles chefiava sua própria divisão e trabalhavam em projetos que não tinham relação com o de Korolev ou com os demais. Isso representava uma crucial divisão de esforços (WHITE, 2003).
Para ilustrar como os demais engenheiros mais dividiam do que somavam ao programa espacial soviético, basta dizer que o engenheiro Vladimir Chelomei projetou um foguete de três estágios que mais tarde seria conhecido como Proton, e que seria capaz de levar um homem a orbitar a Lua (WHITE, 2003). Mesmo Korolev insistindo que a ideia de orbitar a Lua era perda de tempo e de dinheiro que poderiam ser empregados para colocar homens diretamente na superfície lunar, Chelomei conseguiu verbas e apoio para seu projeto (HARFORD, 1997), centenas de milhões de rublos que poderiam ter sido direcionados para o programa de Korolev.
Embora Korolev tivesse boas ideias, fosse considerado o pai da cosmonáutica na União Soviética, estando à frente de seu tempo e tivesse projetado vários foguetes e cápsulas, muitas de suas ideias iniciais foram postas de lado por inimigos influentes dentro do Kremlin (WHITE, 2003). Em setembro de 1956, antes do lançamento do Sputnik, Korolev teria esboçado os planos para uma viagem tripulada soviética à Lua, mas a proposta foi sumariamente rejeitada por assessores científicos do Kremlin. Somente com o tempo e com muito esforço Sergei Korolev conseguiu estabelecer seu nome. Quando a Corrida Espacial ganhou corpo o Kremlin deu-se conta de que precisava de Korolev (HARFORD, 1997; WHITE, 2003).
Mesmo na época das grandes conquistas dos soviéticos, no início da década de 1960, eles nunca estiveram tão avançados quanto pareciam estar e, além disso, o governo comunista sempre encarou a exploração do espaço apenas como mais um arma, não tendo nenhum interesse nos aspectos científico e cultural ou no valor econômico das viagens espaciais. O programa espacial criou vários empregos, mas, posteriormente, sob o sistema soviético, técnicos empregados no programa espacial podiam ser removidos para o trabalho em fazendas coletivas ou em fábricas de tratores, deixando seu trabalho na área espacial sem continuidade (WHITE, 2003).
Alguns dos propalados êxitos soviéticos na exploração espacial nada mais eram que grandes blefes. Isso ficou claro quando anos depois foi revelado que o presidente Kennedy por duas vezes, entre 1961 e 1963 sugeriu ao premiê russo Nikita Kruchev que Estados Unidos e União Soviética deveriam trabalhar juntos para colocar homens na Lua (KHRUSHCHEV, 1990). A sugestão foi rejeitada por Kruchev nas duas ocasiões e hoje parece óbvio que isto aconteceu para que os soviéticos não acabassem revelando aos americanos que na verdade não eram tão desenvolvidos em cosmonáutica e na produção de mísseis. Curiosamente duas décadas depois foi a vez de os Estados Unidos se negarem a uma missão tripulada conjunta com os soviéticos a Marte (SAGAN, 1996).
Os norte-americanos estenderam seu programa Mercury de 1961 a 1963 e durante o mesmo seis astronautas realizaram voos cada vez mais longos. Suas missões eram mais tímidas que as dos soviéticos. Enquanto estes mantiveram um homem por mais de 24 horas no espaço já em 1961, os americanos somente conseguiram semelhante feito em 1963. Porém, algumas missões soviéticas eram nada mais que meras propagandas. Em 1962, quando lançaram duas naves ao espaço ao mesmo tempo, uma passou a 5 quilômetros da outra mas isso nada trouxe de prático além do fato de Moscou poder se vangloriar de conseguir manter duas naves em órbita ao mesmo tempo. Em 1963, quando os soviéticos colocaram a primeira mulher no espaço, ela apenas efetuou o mesmo que os homens já estavam realizando e também sua missão nada trouxe de prático além de um estudo do organismo feminino no espaço. Posteriormente esta mulher, Valentina Tereshkova, casou-se com o cosmonauta Adrian Nikolayev e seus filhos foram mantidos em observação durante anos para se saber quais seriam os efeitos das viagens espaciais de seus pais sobre os organismos das crianças (SPACEFACTS, 2010).
Enquanto os soviéticos realizavam estas missões que serviam mais para chamar a atenção do público, os norte-americanos realizavam ciência experimental no espaço, submetendo seus astronautas a diversos exames e testes e levando-os a efetuar diferentes manobras em órbita (em contrapartida as primeiras espaçonaves soviéticas eram controladas a partir do solo, pois temia-se que algum cosmonauta pudesse não resistir ao desejo de desertar para o Ocidente com o veículo). Os resultados de tais missões seriam futuramente utilizados durante os voos para se chegar à Lua (WHITE, 2003; NOGUEIRA, 2005).
Embora os Estados Unidos estivessem na época se igualando à União Soviética, e em termos reais superando-a, muitos ainda viam os americanos como meras sombras dos cientistas soviéticos. Entretanto, os críticos estavam errados. Em fins de 1963, quando foi encerrado o Projeto Mercury os Estados Unidos haviam organizado planos de chegar à Lua no final da década, como era a vontade de Kennedy (SHEPARD & SLAYTON, 1994; MORENO, 2008). Os soviéticos, por sua vez, nem tinham ainda projetado naves ou um foguete capaz de levar seus homens sequer para orbitar a Lua (WHITE, 2003).
Sendo seu programa espacial público e aberto os norte-americanos já no início de 1964 anunciaram o próximo passo de sua exploração no espaço: o Projeto Gemini. As naves Gemini levariam ao espaço não apenas um, mas dois astronautas ao mesmo tempo (COLLINS, 1975). Cientes dos planos de seus rivais os soviéticos se apressaram em criar algo semelhante e mostrar primazia aos olhos do mundo mais uma vez. Em uma corrida contra o tempo e sem ter projetado uma nave correspondente à Gemini americana os soviéticos precariamente redesenharam sua Vostok, incluíram mais dois acentos, rebatizaram-na como Voskhod e em outubro de 1964 ela subiu ao espaço tornando-se a primeira espaçonave a conduzir três homens (ABRIL, 1990; NOGUEIRA, 2005).
Contudo, mesmo esta missão foi apenas propaganda em prol do comunismo. Os três homens mantiveram-se em órbita por pouco mais de 24 horas, mas nada realizaram de prático. E, pior ainda, devido às limitações de espaço a bordo a tripulação mal tinha sequer espaço para se movimentar e muito menos para realizar experiências relevantes. Também devido à falta de espaço interno nem tiveram como utilizar trajes espaciais, o que aumentou os riscos durante o voo (SPACEFACTS, 2010). A missão, entretanto, foi divulgada como tendo sido completada com êxito espetacular (WHITE, 2003).
Como ficara evidente que haveria grandes problemas em colocar três homens naquele veículo, a segunda missão Voskhod levou apenas dois cosmonautas. Um deles, Aleksey Leonov, tornou-se o primeiro humano a flutuar no espaço fora da nave. Durante 12 minutos ele permaneceu no vácuo e ao tentar retornar para o interior da nave constatou-se que a pressão no interior do traje era tamanha que Leonov mal conseguia se mover. Como não conseguia voltar para o interior da nave teve de diminuir a pressão interna do traje por meio de uma válvula. No retorno à Terra a nave apresentou problemas em seu sistema de orientação e acabou pousando totalmente fora do alvo, em meio aos Montes Urais, à noite. A Voskhod com os cosmonautas a bordo somente foi localizada na manhã seguinte. Mas estes problemas ficaram anos fora do conhecimento público, como segredos de estado. Os problemas enfrentados pela tripulação da Voskhod-2 foram considerados tão sérios que as missões seguintes da série foram adiadas por tempo indeterminado (mais tarde estas missões seriam definitivamente canceladas) até que a nave passasse por modificações (SPACEFACTS, 2010).
Na época já era evidente que a hierarquia soviética criara um sistema sem eficiência, caro e complicado. O programa espacial via-se prejudicado pela implementação de projetos paralelos, mas desconexos, que drenavam verbas preciosas. Todo o sentido de objetivo ou solidariedade estava perdido e o programa espacial soviético vivia apenas da imagem. Embora eles se esforçassem ao máximo para esconder mesmo da própria população soviética, haviam entrado na Corrida Espacial com uma atitude irrealista. A capacidade de desenvolver, organizar e sustentar um programa para levar homens à Lua estava além dos seus recursos (HARFORD, 1997).
Enquanto as naves soviéticas Voskhod mantinham-se no chão, nos Estados Unidos as naves Gemini fortaleciam a imagem da NASA e seus engenheiros espaciais exercitavam as técnicas que iriam ser empregadas durante as complexas missões à Lua ? como construir naves mais seguras, como acoplar no espaço, como manobrar em órbita ? e ainda criavam novos recordes no espaço ou quebravam alguns dos soviéticos ? como maior altitude (pela Gemini-11, com Charles Conrad e Richard Gordon a bordo), maior tempo em órbita (14 dias pelos astronautas Frank Borman e James Lovell na Gemini-7) e maior permanência fora da nave (5h30min pelo astronauta Edwin Aldrin na Gemini-12). Outros fatos também constituíam problemas para os soviéticos. Em outubro de 1964 o premiê Nikita Krushev foi deposto e substituído por Leonid Brejnev. Krushev não entendia quase nada a respeito de ciência e de tecnologia mas ao menos existia uma relação amistosa entre ele e Sergei Korolev. Brejnev, por sua vez, era muito menos receptivo e nunca houve uma relação fácil entre ele e Korolev (WHITE, 2003). E justamente no momento em que Korolev perdia seu suporte político o programa espacial estadunidense preparava-se para um grande salto com o seu projeto Gemini.
Com a queda do comunismo no início da década de 1990, os planos e projetos de Korolev para uma missão soviética à Lua ficaram à disposição dos pesquisadores (WHITE, 2003), e o que mais surpreende à primeira vista é sua grande semelhança com os planos da NASA e o fato de terem se desenvolvido de modo quase idêntico.
Tanto Sergei Korolev quanto Wernher Von Braun (este era o famoso alemão criador dos foguetes-bomba V-2 da Segunda Guerra Mundial, capturado pelos Estados Unidos ao fim do conflito e levado a trabalhar para a NASA), o responsável pelos projetos espaciais norte-americanos, conceberam originalmente uma missão em que um enorme foguete seria construído numa plataforma em órbita da Terra (CLARKE, 1968; DICK, 2008). Após ser finalizado, este veículo viajaria até a Lua e entraria em órbita lunar, de onde uma nave menor sairia para a viagem à superfície lunar. Isto era chamado de "método do encontro em órbita da Terra" (sigla em inglês EOR; NASA, 2010).
Na NASA, porém, esse esquema encontrou de imediato uma forte oposição. Era excessivamente dispendioso, por demais complicado e criava uma série de problemas técnicos, muitos dos quais eram considerados insolúveis dentro do tempo disponível. Felizmente para os americanos, um jovem engenheiro chamado John Houbolt, que então trabalhava com Von Braun, tinha um plano radicalmente diferente, que chamava de "método do encontro em órbita lunar" (sigla em inglês LOR; NASA, 2010).
Neste esquema, um único foguete de grandes proporções iria lançar todo o equipamento necessário à missão, que incluía dois compartimentos para os astronautas, um módulo de comando e um módulo lunar, que ficavam acoplados no bojo do foguete. Uma vez em órbita, essas cápsulas se destacariam dos propulsores principais e voariam para a Lua com três astronautas no módulo de comando. Assim que entrassem em órbita lunar, dois dos astronautas passariam para o módulo lunar e nele desceriam para a Lua. No final da missão, a parte superior do módulo lunar decolaria e voltaria a unir-se ao módulo de comando, que era pilotado pelo terceiro membro da tripulação. Depois do acoplamento os dois homens que haviam descido à superfície lunar iriam juntar-se ao piloto do módulo de comando, o módulo lunar seria descartado, e os propulsores do módulo de comando acionados para o retorno à Terra. Embora tenha inicialmente enfrentado mais oposição ainda que o método anterior, o LOR acabou saindo vencedor.
Na União Soviética o trabalho de Sergei Korolev avançou de modo menos brando. O projetista perdeu um tempo precioso tentando desenvolver o método EOR. Quando percebeu que o mesmo era inadequado ao propósito de enviar homens à Lua, havia perdido dois longos anos. Quando passou a perseguir um equivalente soviético ao LOR, Korolev deparou-se com uma série de problemas técnicos. O problema mais grave era que o foguete N-1 que ele estivera desenvolvendo para levar cosmonautas à Lua usando o método EOR era inadequado para levantar todo o equipamento necessário para se chegar à Lua seguindo o método LOR (WHITE, 2003).
O grande concorrente do foguete N-1 era o foguete Saturno-5 de Wernher Von Braun nos Estados Unidos (NOGUEIRA, 2005). Este foguete utilizava um conjunto de 5 motores F-1 semelhantes aos que haviam individualmente impulsionado os primeiros voos espaciais americanos. Juntos, estes motores produziam mais de 3,5 milhões de quilogramas-força de empuxo (CLARKE, 1968). O foguete N-1 de Korolev não atingia semelhante potência e, para aumentar os problemas soviéticos seu módulo lunar, apesar de projetado para levar um único homem, era mais pesado que o equivalente americano. Outro problema é que enquanto o foguete Saturno-5 americano utilizava apenas cinco motores em seu primeiro estágio, o N-1 soviético valia-se de mais de trinta motores. As chances de pelo menos um motor em tamanha quantidade vir a falhar eram grandes. Além disso, havia grande dificuldade em fazer com que todos eles funcionassem de modo perfeitamente sincronizados (HARFORD, 1997).
Outro problema enfrentado pelos soviéticos era de ordem pecuniária. Para desenvolver a potência de seu foguete lançador as sutilezas do projeto e os complexos sistemas de comunicação e orientação que permitiriam a Neil Armstrong e Edwin Aldrin tornarem-se os primeiros homens a caminhar na Lua, os norte-americanos estavam investindo quantias que pareciam aos soviéticos somas quase ilimitadas de dinheiro (COLLINS, 1975; ALDRIN & MCCONNELL, 1989; WHITE, 2003). Para piorar, a administração soviética preferia tentar vários projetos espaciais simultâneos, de modo que apenas uma fração dos recursos disponíveis foi direcionada especificamente para o equivalente russo do Projeto Apolo ? o programa N-1/L-3, de Korolev (WHITE, 2003).

3. REVESES SOVIÉTICOS
Isto é absolutamente intolerável. Derrotamos os exércitos nazistas; ocupamos Berlim e Peenemünde ? mas os americanos capturaram os engenheiros de foguetes. Que poderia ser mais revoltante e indesculpável? Como e por que se permitiu que isso acontecesse?

JOSEPH STALIN ao General Ivan A. Serov

Em janeiro de 1966 o programa espacial soviético sofreu um revés inesperado e de graves consequências. Seu projetista-chefe, Sergei Korolev, internou-se em um hospital para a retirada de pólipos hemorrágicos de seus intestinos. Seu corpo, debilitado pelos anos de trabalho forçado em um gulag anos antes, não suportou a cirurgia e ele veio a falecer na mesa de operações.
Após a morte de Korolev não havia, no programa espacial soviético, ninguém que fosse equivalente a ele em genialidade e capacidade. E após sua morte alguns dos principais engenheiros espaciais do programa soviético lançaram-se em uma disputa pelo cargo de projetista-chefe. Para descontentamento de muitos, o escolhido para ocupar o posto foi Vassily Mishin. Sua primeira atitude foi dar continuidade ao projeto de Korolev para uma missão tripulada à Lua, mas também ao projeto Proton de Vladimir Chelomei, cujo objetivo era apenas fazer uma nave circular em torno da Lua. Isto foi um erro, pois manter os dois programas fazia com que verbas continuassem a ser direcionadas apenas aos poucos tanto para um objetivo quanto para outro (WHITE, 2003).
A nomeação de Mishin para o antigo cargo de Korolev pode não ter sido uma decisão acertada. Na época havia nada menos que 26 divisões dentro do programa espacial soviético, a maioria das quais não apenas rejeitava a ideia de cooperação como preferia não se comunicar com as demais. Korolev possuía a capacidade de trabalhar simultaneamente com todas estas divisões. A Mishin parecia faltar esta capacidade.
Pouco menos de um ano antes da morte de Korolev os soviéticos conseguiram realizar uma missão praticamente bem sucedida ao levar a cabo a primeira caminhada espacial da história durante a missão Voskhod-2. Mas esta seria a última aparição dos cosmonautas soviéticos na imprensa mundial por alguns anos. Ao fim da missão a nave Voskhod-2 enfrentou tantos problemas que as missões seguintes foram adiadas até que os sistemas de navegação fossem redesenhados. Com a morte de Korolev as missões Voskhod posteriores acabaram definitivamente canceladas. Enquanto os soviéticos mantinham-se sem voar ao espaço os norte-americanos lançaram nove espaçonaves Gemini tripuladas. Praticamente todas estas missões terminaram em êxitos animadores.
Somente em abril de 1967 os soviéticos voltaram ao espaço, desta vez para testar sua nave Soyuz-1. O cosmonauta Vladimir Komarov foi lançado ao espaço a bordo desta nave e desde o início o voo apresentou problemas. Um coletor de energia solar não se abriu e a nave enfrentou problemas em seu abastecimento elétrico. No retorno à Terra os pára-quedas não se abriram e a nave espatifou-se no solo, matando Komarov (SPACEFACTS, 2010). Foi o primeiro homem a morrer durante um voo espacial ? em janeiro do mesmo ano três astronautas americanos morreram queimados na nave Apolo-1, mas esta se incendiou ainda na plataforma de lançamento (ALDRIN & MCCONNELL, 1989). Enquanto as investigações sobre o acidente eram realizadas, os soviéticos mantiveram-se sem voar ao espaço por mais dezoito meses (WHITE, 2003; SPACEFACTS, 2010).
Quando outra missão tripulada soviética pôde ser montada, os astronautas norte-americanos estavam a menos de dois meses de decolar para girar em torno da Lua com a Apolo-8 (COLLINS, 1975; SPACEFACTS, 2010). Com o estrondoso sucesso desta missão o objetivo do projeto de Vladimir Chelomei, que era levar uma nave soviética a orbitar em torno da Lua perdeu totalmente o sentido e as três missões programadas foram canceladas (SPACEFACTS, 2010).
Por aquela época o programa espacial soviético não apenas estava definitivamente em segundo lugar na Corrida Espacial como suas missões normalmente enfrentavam problemas técnicos diversos. Pouco antes da Apolo-11 pousar na Lua a segunda missão soviética em 1969 foi a da nave Soyuz-5 em janeiro (MOURÃO, 1995). Seu voo em órbita foi perfeito e esta nave realizou com êxito a primeira acoplagem entre duas naves tripuladas (com a nave Soyuz-4). Mas no retorno à Terra a nave não conseguiu separar-se de seu módulo de serviço antes da reentrada na atmosfera, resultando num pouso totalmente sem controle. A aterrissagem foi tão violenta e desgovernada que Boris Volynov, seu único tripulante, terminou com vários dentes quebrados (SPACEFACTS, 2010).
Mas o maior dos reveses soviéticos ainda estava por vir. Em 21 de fevereiro de 1969 os fizeram uma tentativa de lançar seu gigantesco foguete N-1 sem tripulantes. Como o N-1 seria o único foguete soviético com capacidade de levar uma nave tripulada à Lua, era imprescindível que seus testes fossem concluídos com êxito. Apenas 70 segundos após a decolagem o foguete explodiu no ar, provocando a maior explosão da história espacial. A segunda tentativa de lançar o foguete aconteceu no dia 03 de julho de 1969 e meio segundo após a ignição de seus motores o N-1 desfez-se numa explosão tão violenta que lançou destroços do foguete a vários quilômetros, destruindo a plataforma de lançamento. O terceiro N-1, em outra plataforma, a 500 metros de distância, chegou a ser seriamente danificado. Com estes dois fracassos estavam definitivamente enterrados os sonhos soviéticos de chegar à Lua antes dos norte-americanos. Apenas 17 dias após a explosão do segundo foguete N-1 os Estados Unidos venceram a Corrida Espacial ao colocar na Lua Neil Armstrong e Edwin Aldrin, os primeiros homens a caminhar em outro corpo celeste (WHITE, 2003).
Outros foguetes N-1 chegaram a ser construídos, mas falharam igualmente. Outros nem chegaram a ser lançados. Havia ainda outros problemas que continuaram a atormentar o programa espacial soviético. O financiamento sofreu cortes seguidos. Contudo, ainda levaria cinco anos para que os soviéticos desistissem de tentar chegar à Lua. Embora tenham conseguido êxito em lançar a primeira estação espacial da História, a Salyut-1 (NOGUEIRA, 2006), sua estreia terminou em tragédia. A primeira tripulação a habitar o complexo morreu no retorno à Terra, quando a cabine onde estavam sofreu uma súbita descompressão (NOGUEIRA, 2005). Um ano depois mais um foguete N-1 não-tripulado explodiu um minuto e meio após decolar. Poucos dias antes de os soviéticos tentarem uma missão tripulada à Lua em agosto de 1974, todo o programa N-1 foi descartado e Vassily Mishin foi demitido do cargo de projetista-chefe (WHITE, 2003).
O sucessor de Mishin foi Valentin Glushko, que anteriormente fora um feroz opositor das ideias de Sergei Korolev e um dos seus rivais mais enérgicos. Tão logo ele assumiu o programa espacial, dedicou-se em fazer cair no esquecimento a maior parte dos projetos de Korolev. O governo soviético também fez questão de esconder durante décadas a existência de qualquer projeto para se chegar à Lua, uma forma vã e até mesmo pueril de negar a derrota na Corrida Espacial. Somente em 1989 a existência de projetos de espaçonaves para levar cosmonautas soviéticos à Lua foi oficialmente admitida pela administração Gorbatchov (WHITE, 2003).
Mesmo após os soviéticos serem superados pelos americanos em seu objetivo de chegar à Lua, seus problemas continuaram. A primeira missão espacial após o sucesso da Apolo-11 foi a soviética Soyuz-6, conduzindo Georgi Shonin e Valeri Kubasov, decolando no dia 11 de outubro de 1969. No dia seguinte decolou a Soyuz-7, com Anatoli Filipchenko, Vladislav Volkov e Viktor Gorbatko a bordo. No dia 13 decolou a nave Soyuz-8, com Vladimir Shatalov e Aleksey Yeliseiev a bordo. No espaço as três naves deveriam realizar o primeiro acoplamento triplo em órbita. Mas devido a falhas no sistema de orientação das naves, os acoplamentos não puderam ser realizados. A Soyuz-7 chegou a se aproximar a 500 metros da Soyuz-8, mas foi o máximo a que se aproximaram. Pelo menos esta foi a primeira vez na história em que sete homens estiveram juntos no espaço, o que era uma propaganda positiva para o programa espacial soviético (SPACEFACTS, 2010).
Mas outros fracassos atingiriam seu programa espacial. No dia 22 de abril de 1971 decolou a nave Soyuz-10, conduzindo Vladimir Shatalov, Aleksey Yeliseiev e Nikolay Rukavishnikov. O objetivo da Soyuz-10 era unir-se à estação espacial Salyut-1. Seus tripulantes seriam os primeiros homens a habitar uma estação espacial. A acoplagem ocorreu normalmente. Mas no momento em que os cosmonautas tentaram abrir a escotilha para adentrar a estação, constataram que a mesma encontrava-se emperrada. Por 5h30min os homens tentaram abrir a escotilha mas não obtiveram êxito. Tiveram de abortar a missão e retornar à Terra (ABRIL, 1990; SPACEFACTS, 2010).
No dia 6 de junho de 1971 decolou a nave Soyuz-11, com Georgi Dobrovolsky, Vladislav Volkov e Viktor Patsayev. A acoplagem com a Salyut-1 foi perfeita e os três cosmonautas tornaram-se os primeiros homens a viver em uma estação espacial. Permaneceram 24 dias no espaço, estabelecendo um novo recorde de permanência em órbita. Mas no retorno à Terra a nave sofreu uma súbita descompressão, devido a um vazamento de sua atmosfera interna, e isso ocasionou a morte dos três homens (ABRIL, 1990, SPACEFACTS, 2010).
Nunca a imagem do programa espacial soviético estivera tão arranhada. Perder três homens durante uma missão espacial não era nada positivo para um programa espacial que acabara de ser derrotado na corrida pela Lua. Para piorar, por ocasião deste acidente o programa espacial soviético submergiu em investigações para determinar suas causas e, até 29 de setembro de 1973 nenhuma outra nave Soyuz decolou. E quando a Soyuz-12 decolou, havia uma série de modificações estruturais. Por exemplo, a nave conduziu apenas dois homens, Vasili Lazarev e Oleg Makarov. Até 1982 as naves Soyuz levariam apenas dois homens ao invés de três. A alteração aconteceu porque antes do acidente da Soyuz-11 os cosmonautas soviéticos não utilizavam trajes espaciais dentro das naves. Mas se os homens da Soyuz-11 estivessem utilizando trajes apropriados, não teriam morrido. Com a utilização de trajes pressurizados, o espaço interno da Soyuz ficava mais restrito, de modo que o número de homens em seu interior teria de diminuir (SPACEFACTS, 2010).
Mas os problemas continuaram. Em 1974 o voo da Soyuz-15 terminou em fracasso quando a nave não conseguiu se acoplar com a estação espacial Salyut-3 devido a defeito técnico em seu sistema de orientação. Em 1976 os cosmonautas Boris Volynov e Vitali Zholobov subiram ao espaço a bordo da Soyuz-21 e permaneceram na estação espacial Salyut-5 por 49 dias. Mas a missão foi inesperadamente interrompida. Os cosmonautas alegaram a existência de gases tóxicos no interior da estação, mas até hoje pesquisadores suspeitam que a história era falsa, na verdade apenas um pretexto para voltarem à Terra, visto que o estado psicológico de ambos os cosmonautas encontrava-se por demais afetado (SPACEFACTS, 2010).
O grande marco que assinalou o fim da Corrida Espacial foi a acoplagem de uma nave russa Soyuz com uma norte-americana Apolo, em 1975. Mas os problemas ainda continuariam para os soviéticos. Os cosmonautas Vyacheslav Zudov e Valeri Rozhdestvensky, a bordo da nave Soyuz-23, enfrentaram situação ainda pior. Subiram ao espaço em 14 de outubro de 1976 para uma missão a bordo da estação espacial Salyut-5. Mas em pleno espaço falharam todas as tentativas de acoplamento com a estação. Mesmo as tentativas manuais falharam e a missão foi interrompida. No retorno à Terra a nave aterrissou à noite numa região deserta, durante uma tempestade de neve, casualmente caindo sobre um lago de gelo. A camada de gelo partiu-se e a nave, ainda presa a seus pára-quedas, foi arrastada para o fundo. Somente ao amanhecer do dia seguinte é que a nave foi localizada, a oito quilômetros de seu local de pouso. E ainda muitos outros fracassos atingiriam o programa espacial soviético nos anos posteriores, como os casos de naves que eram lançadas às estações espaciais, mas não conseguiam se unir às mesmas por defeitos em seus sistemas de navegação ou o ônibus espacial Buran, que os soviéticos construíram, mas não tiveram recursos financeiros para manter, vendo-se obrigados a aposentá-lo prematuramente após um único voo sem tripulantes (NOGUEIRA, 2005; SPACEFACTS, 2010).

RESULTADOS
Certamente existiam grandes diferenças entre o programa espacial soviético e o programa espacial norte-americano durante a Corrida Espacial. Ambos encontravam-se em desesperada disputa para chegar à Lua primeiro (ALDRIN & MCCONNELL, 1989). Embora os soviéticos tenham iniciado a disputa com grandes vantagens e cheios de primazias, gradativamente foram superados pelos norte-americanos, terminando com a vitória destes. Até hoje a única nação a levar homens à Lua foram os Estados Unidos.
Para se compreender porque a União Soviética fracassou e os Estados Unidos conseguiram chegar à Lua, é preciso considerar que o programa espacial norte-americano não estava envolto em segredos, o que facilitava a livre troca de dados entre todas as organizações interessadas. Segundo WHITE (2003), no programa espacial norte-americano o fluxo de informações "era organizado não apenas verticalmente (dos organismos superiores para os inferiores e vice-versa), mas também horizontalmente entre as empresas contratadas".
Mas há outras razões. Os soviéticos mesclaram a exploração espacial civil com seus intentos militares e, portanto, viram-se obrigados a manter seu programa espacial cheio de segredos mesmo da própria população soviética. Aqueles que trabalhavam no seu programa de voos espaciais tripulados não tinham nenhuma responsabilidade pública e respondiam apenas perante seus líderes políticos e militares. Isto proporcionou aos soviéticos sua inspiração inicial e conduziu ao triunfo na mídia mundial. Mas aos poucos passou a ser uma força destrutiva. Isto fez com que ao longo de uma corrida de doze anos os soviéticos regredissem de uma liderança de três ou quatro anos para a administração de um programa espacial que estava cinco anos atrás dos Estados Unidos.
Entretanto, o principal motivo para o malogro soviético talvez tenha sido o desperdício provocado pela dispersão de esforços entre grupos rivais dentro de seu programa espacial, cada um destes grupos tentando atrair a imaginação limitada do primeiro-ministro e de seus marechais. Isto custou bilhões de rublos e milhões de preciosos homens-horas (WHITE, 2003).
Embora o esforço soviético para enviar cosmonautas à Lua tenha redundado em ignominioso fracasso, seu trabalho aplicado nos projetos do equipamento destinado a colocá-los lá não foi perdido. Tais projetos foram desenvolvidos e aperfeiçoados para serem usados em várias áreas da exploração espacial. Os russos podem ser vistos como participantes secundários da corrida à Lua, mas eles têm um histórico de grande valor em outros aspectos da exploração espacial. Foram eles os primeiros a colocar uma estação espacial em órbita, embora tal missão tenha terminado em tragédia (MOURÃO, 1984). Desde 1971 não registram acidentes com mortes em seus voos espaciais, ao contrário dos Estados Unidos, que tiveram acidentes fatais em 1986 e 2003. Enquanto os russos perderam apenas quatro homens em missões espaciais, os norte-americanos perderam quatorze astronautas (SPACEFACTS, 2010). Os russos estão agora à frente dos Estados Unidos na tecnologia necessária para sustentar longas viagens pelo espaço. Os estadunidenses estão fornecendo a maior parte dos recursos para a ISS (Estação Espacial Internacional), mas grande parte da concepção do projeto é derivada da vasta experiência que os russos acumularam desenvolvendo e vivendo em sua estação espacial, a Mir, cujo primeiro módulo foi lançado ao espaço em 1986 (NOGUEIRA, 2005).
O legado de Sergei Korolev mantém-se até hoje com os foguetes R-7 e as naves espaciais Soyuz, o maior de seus projetos, consideradas muito seguras justamente por serem veículos muito simples. Tão versáteis se mostraram estas naves, que foram copiadas em diversas situações. As sondas Zond, enviadas à Lua pelos soviéticos em fins da década de 1960 e início dos anos de 1970 eram, na verdade, naves Soyuz redesenhadas e não-tripuladas. Atualmente as naves não-tripuladas do tipo Progress, utilizadas para levar suprimentos à ISS, nada mais são que naves Soyuz com pequenas modificações. Quando o programa espacial chinês lançou seus primeiros homens ao espaço, ficou evidente que eles viajavam em uma nave que nada mais era que uma cópia da Soyuz russa. Quando Zhigang Zhai tornou-se o primeiro chinês a realizar uma caminhada espacial, em 2008, evidenciou-se também que sua vestimenta espacial era uma cópia do traje russo do tipo Orlan (SPACEFACTS, 2010).


LITERATURA CITADA

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Autor: José Sinésio Rodrigues


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