DA COMPETÊNCIA PELA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO FRENTE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA



DA COMPETÊNCIA PELA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO FRENTE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Daniela Aparecida Faustino

RESUMO:

O presente artigo tem por escopo a análise do inciso VII do art. 69 do Código de Processo Penal que determina a competência jurisdicional pela prerrogativa de função. Analisando tal instituto frente ao principio da isonomia previsto no inciso III do art. 5º da Constituição Federal de 1988.

PALAVRA CHAVE: Prerrogativa de Função- Privilégio- Isonomia

INTRODUÇÃO

O Código de Processo Penal no Título V art. 69 estabelece quais os critérios deverão ser utilizados para determinar a competência jurisdicional para julgamento do delito. Sendo esta estabelecida pelo lugar da infração;o domicílio ou residencial do réu; a natureza da infração; a distribuição; a conexão ou continência; a prevenção e pela prerrogativa de função. Tal previsão é fundamental para evitar conflitos de competência e facilitar o andamento processual.
Podemos observar que os critérios utilizados nos seis primeiros incisos deste artigo não tendem a beneficiar o sujeito do delito, mas sim ao processo tornando-o mais célere e eficiente. Porém o que dizer do critério do inciso VII "por prerrogativa de função"?
Este critério esta presente no código de Processo Penal devido a previsão constitucional que concede a determinadas pessoas em face da relevância do cargo ou da função exercida o direito de serem julgadas originalmente por órgãos superiores da jurisdição e não por órgãos comuns. Logo, a estes não se aplica nenhum dos demais critérios utilizados para definir a competência quando a parte é um " cidadão comum", ou seja, aquele que não possui poder político.
Aqueles que defendem esta previsão constitucional, o faz utilizando-se do argumento que não se trata de foro privilegiado, pois não é um privilégio, uma vez que a norma não se aplica em benefício à pessoa, mas sim ao cargo ou função por ela exercida. Tratando-se inclusive de garantia a sociedade e a justiça, no sentido de se evitar que o detentor de cargo ou função relevante exerça pressão sobre os juízes das comarcas. Sendo este indispensável para a garantia da governabilidade.
Neste sentido temos o pensamento de Júlio Fabbrini Mirabete:

" Há pessoas que exercem cargos e funções de especial relevância para o Estado e em atenção a eles é necessário que sejam processadas por órgãos superiores, de instância mais elevada. O foro por prerrogativa de independência dos Tribunais Superiores".1

Também comenta Tourinho Filho, a respeito do tema:

"Poderia parecer, a primeira vista, que esse tratamento especial conflitaria com o princípio de que todos são iguais perante a lei, inserto no limiar do capitulo destinado aos direitos e garantias individuais ( Magna Carta, art.5.º), e, ao mesmo tempo, entraria em choque com aquele outro que proíbe o foro privilegiado. (?) O que a Constituição veda e proíbe, como consequência do princípio de que todos são iguais perante a lei é o foro privilegiado e não o foro especial em atenção à relevância, a majestade, à importância do cargo ou função que essa ou aquela pessoa desempenhe. (?) O privilégio decorre de benefício a pessoa, ao passo que a prerrogativa envolve a função."2
Porém, este principio não é válido, pois os atos ilícitos são praticados pela pessoa (sujeito ativo) e não pela função que este exerce. Logo, difícil não considerar que o constituinte, ao editar esta norma, resguardou seus próprios interesses. Afinal o foro por prerrogativa de função garante aos deputados federais e senadores o direito de serem julgados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, ministros estes que ocupam tal cargo devido a indicação do Presidente da República e a aprovação das casas legislativas.
Importante ressaltar que a prerrogativa de função prevalece ainda que o sujeito tenha cometido crime doloso contra a vida, hipótese na qual deveria ser julgado pelo tribunal do juri, que é composto por pessoas leigas.

O cancelamento da súmula 364 do STF e a edição da lei 10.628/2002

No texto constitucional no art. 102, I, b, há a previsão do foro privilegiado apenas para aqueles que estão desempenho da função, não alcançando aqueles que não mais exercem mandato ou cargo (ainda que o delito tenha sido cometido anteriormente). Mas a súmula 364 do STF de 1964 prévia que; " cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício". Em sabia decisão em 1999 este mesmo tribunal cancelou tal súmula sendo aplicado o texto constitucional de forma estrita.
Em contra partida a decisão do STF o legislativo aprovou e sancionou a lei 10.628/2002 que acrescentou dois parágrafos ao art. 84 do CPP; o parágrafo 1º estabelecia a prorrogação da prerrogativa de função após a cessação do exercício da função pública, e o paragrafo 2º previa o foro especial para as ações de improbidade administrativa.
Como a prerrogativa de função tem previsão constitucional, inúmeros juristas preconizaram a inconstitucionalidade desta lei por tratar-se de uma lei ordinária. Tão logo foram ajuizadas ações indiretas de inconstitucionalidade pela Associação Nacional dos membros do Ministério público CONAMP ( ADI 2797) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros ? AMB ( ADI 2860). O STF, por maioria de voto, declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do CPP , acrescidos por força da Lei nº 10.628 /02. Assim novamente o ex-ocupante de cargo ou mandato não tem direito ao foro por prerrogativa de função.
No julgamento do STF, ponderou o Ministro Sidney Sanshes que " a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo. (?) as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliadamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os ex-ocupantes de tais cargos ou mandatos."
Ora, imprescindível considerarmos que apesar da lei ter sido considerada inconstitucional por não ser fruto de emenda constitucional, mesmo que o fosse ainda violaria a constituição, por ofender ao principio da isonomia. Se esta fosse uma prerrogativa essencial para a governabilidade como é defendido por alguns ministros do STF, como justificar sua extensão para ex- ocupante de cargo a não ser por privilégio pessoal, o que seria inaceitável em um países democrático de direito. Difícil percebermos ofensa maior ao principio da isonomia. Pertinente a postura do senado e a Assembleia é a critica formulada por Dalmo de Abreu Dallari:

"..Tudo isso deve ser lembrado agora, para barrar a pretensão de se criar no Brasil uma nova categoria de lordes. Por absurdo que pareça, isso é o que está sendo proposto através de um projeto de lei sustentado por parlamentares que apóiam o Governo Federal. Embora seja escandalosamente inconstitucional, esse projeto, que é o de número 6295/02, foi, estranhamente , aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de deputados, onde se supõe que haja conhecedores da Constituição....
....Obviamente, o que se pretende é a criação de um privilégio para cidadãos comuns, uma prerrogativa de ex-funcionários, criando-se uma espécie de cidadania de primeira classe. Além de ser ilógico e injusto o estabelecimento desse privilégio só pelo fato de que alguém exerceu ma função pública , aquele projeto de lei é inconstitucional porque a Constituição estabelece expressamente a competência dos tribunais superiores e só por meio de emenda constitucional isso poderá ser modificado...
...A par dessa evidente inconstitucionalidade, o privilégio que se quer conceder a certas pessoas, pelo fato de terem exercido certas funções públicas, contraria também o art. 5º da Constituição, onde se estabelece que ´todos são iguais perante a lei´ ..."3


CONCLUSÃO

Não podemos considerar que a nossa jurisdição de primeiro grau não seja preparada para julgar com imparcialidade determinadas autoridades sem sentir-se pressionados a tomarem certas decisões ou que o julgamentos dessas pessoas, de acordo com os demais requisitos do Art. 69 do CPP, seja um empecilho a governabilidade. Lembrando que nos casos em que a justiça comum profira uma decisão injusta estes possuem o direito de ter tal decisão reformada pelos tribunais superiores como qualquer outro cidadão .
Diante disto considerarmos que o inciso VII do art. 69 do CPP, que determina a competência por prerrogativa de função, não fere o principio constitucional da isonomia é admitirmos que todos são iguais porém alguns são mais iguais que os outros.

REFERÊNCIAS

Dallari, Dalmo de abreu. Privilégios antidemocráticos, pag. 26/28


Mirabete, Julio Fabbrini. Processo Penal, 7ª ed., São Paulo, 1977,. 187.


Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, 12ª ed., São Paulo, Saraiva, 1990, v.2, p.109



Autor: Daniela Aparecida Faustino


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