Ponderação dos Princípios Constitucionais e o Uso do Bafômetro



Caterina Abatemarco Munaier

1. Introdução:

O presente artigo discorre sobre a ponderação entre princípios constitucionais para eficácia da Lei Seca e uso do etilômetro, conhecido como "bafômetro". O uso do bafômetro, que serve para medir o teor alcoólico no sangue do motorista, não é obrigatório, embora seja necessário para verificar se o motorista está alcoolizado e, consequentemente, se está infringindo a lei.

Palavras-chave: lei-seca, bafômetro, princípios constitucionais.

2.A Lei Seca

Muito se ouve falar da importância da Lei n. 11.705/2008, conhecida como Lei Seca, para a minimização dos acidentes de trânsito em decorrência de uso de bebidas e outras substâncias pelo motorista, mas sua aplicação é polêmica e poderia ser ainda mais eficaz se o uso do bafômetro fosse, de fato, usado obrigatoriamente.

A lei seca, sancionada dia 19/06/2008, veio com o propósito de alterar o Código de Trânsito Brasileiro, modificando seu artigo 306, que passou a exigir a comprovação da concentração de álcool/litro de sangue igual ou superior a 06 miligramas para a configuração do crime de trânsito e, para isso, o uso do etilômetro (bafômetro) é necessário. Dispõe o artigo:

"conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6(seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer substância psicoativa que determine dependência".

Essa lei prevê tratamento mais rigoroso para o motorista que ingerir bebidas alcoólicas e, desde que entrou em vigor, têm sido divulgado pelos diversos meios de comunicação os índices que comprovam a diminuição dos acidentes, das mortes, internações e das despesas dos hospitais públicos com feridos envolvidos em acidentes de trânsito, segundo as informações fornecidas pelas entidades responsáveis pela segurança de tráfego e dados oficiais. Porém, muito se discute a respeito dos critérios de averiguação realizada pela polícia e também o uso do bafômetro, que é imprescindível para comprovação da embriaguez. Com relação ao primeiro ponto aqui colocado, a crítica é em relação à forma de fiscalização que é feita através de "blitz" pela polícia, pois, embora talvez seja a única forma de fiscalização, é feita de forma aleatória, quer dizer, incide no crime aquele que estiver no local e no horário da blitz, ser "escolhido para averiguação" e ficar comprovada a presença de álcool no organismo do condutor. E é aí que está o segundo e principal ponto aqui analisado e objeto do presente artigo: a forma de avaliação do teor alcoólico.

Embora o artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro determine que o condutor sob suspeita de estar embriagado deva ser submetido ao teste do bafômetro, o entendimento que se prevaleceu no judiciário é que o uso dele não é obrigatório, sob o princípio constitucional de que "ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo". Mas, caso o motorista se recuse a fazer o teste do bafômetro, como a autoridade irá constatar se foi ingerida bebida alcoólica e, se foi, qual foi a quantidade, uma vez que o teste não pode ser feito coercitivamente? De acordo com a legislação vigente, aquele que se recusar a fazer exame de sangue ou teste do etilômetro para verificação da concentração de álcool no sangue, será multado, terá sua CNH (carteira de habilitação) suspensa por um ano, incorrendo em infração gravíssima, com sete pontos na carteira, conforme estabelece o artigo 165, § 3º do CTB, mas se o condutor for obrigado a realizar o teste, o resultado será inútil, pois será considerado prova ilícita, prevista no art. 5º, LVI da CF/88, que declara a inadmissibilidade de todo e qualquer meio de prova ilícita.


3. Princípios relacionados ao teste do bafômetro

Nessa discussão, alguns princípios norteadores de nosso ordenamento devem ser verificados. O primeiro princípio é o da anterioridade, que está presente no artigo 5º, XXXIX, também da CF/88, bem como no artigo 1º do Código Penal, que tem mesmo texto, que afirmam que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Outro princípio importante é o da legalidade, previsto no art. 5º, II, da CF/88, que dispõe que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Esse princípio existe para vedar condutas arbitrárias do poder público em relação ao cidadão comum. De acordo com esse princípio, se a lei estabelece que, no caso de suspeita de embriaguez deve haver o teste de alcoolemia e o condutor ser recusar, ele estará infringindo a lei, e a ele deverá ser aplicada a sanção administrativa prevista.

O princípio da autodefesa, previsto no art. 5º, LXIII da CF/88, estabelece o direito ao silêncio quando diz que o individuo acusado não está obrigado a praticar qualquer ato que possa produzir prova contra si mesmo e que seu silêncio não pode ser interpretado como confissão. Esse princípio decorre de outros princípios, como o da ampla defesa, o de permanecer calado e o da presunção de inocência.

O princípio que veda a autoincriminaçao está presente expressamente na Convenção Interamericana de Direitos do Homem, de 1969, conhecido como Pacto San Jose da Costa Rica, que em seu artigo 8º diz que o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem confessar-se culpado é uma das garantias processuais a que o indivíduo tem direito.

Com base nesses princípios é que o uso do bafômetro se tornou uma "opção" do condutor. Portanto, há para o motorista, duas opções: fazer o teste do bafômetro e, comprovada a embriaguez, responder ao crime previsto no artigo 306 do CTB mais as sanções administrativas previstas (ou seja, se sujeitar às sanções penais e administrativas) ou não fazer o teste e, como não haverá prova, mas somente a presunção, e responder apenas administrativamente. A objeção do condutor em se submeter ao teste do bafômetro não pode resultar em prisão em flagrante por crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal, uma vez que o §3º do CTB determina a aplicação do art.165 do mesmo diploma, ou seja, determina apenas medidas administrativas. Quer dizer, ele não pode ser preso em flagrante por que está exercendo um direito, o direito de manter-se em silêncio para não produzir prova contra si mesmo.

Importante saber que a prova da embriaguez pode ser feita por outros meio que não o teste de alcoolemia, como o exame de sangue, exame clínico e prova testemunhal do agente de trânsito (este, em casos excepcionais, quando a direção demonstrar perigo potencial), mas o bafômetro é o meio mais rápido e mais seguro para a verificação do real estado do condutor.

Há outro princípio de nosso sistema jurídico que deve ser avaliado: o princípio da ponderação de interesses. Diante de normas que sustentam os dois lados do litígio, no caso, a constitucionalidade ou não da obrigatoriedade, é necessária a ponderação delas para solução do conflito, e dessa forma, definir como deverá ser oferecido o teste do bafômetro: como opção ou obrigação. Deve prevalecer o interesse de maior relevância. De um lado, há o direito particular já discutido, baseado, entre outros princípios, no princípio da "não autoincriminaçao" e, de outro, o direito de toda a sociedade: direito à vida e à segurança.

Assim, considerando que a vida é um bem jurídico amplamente tutelado em nosso ordenamento, que o interesse público deve se sobrepor ao interesse particular, e que, prevalecendo o direito à vida e à segurança, todos, inclusive o condutor e sua família estarão protegidos, é melhor que seja este direito o mais importante e, portanto, o que deve prevalecer no caso aqui abordado.

Deve a polícia, portanto, investida de seu poder de polícia, submeter o condutor irresponsável e conseqüente ao teste de alcoolemia, aplicá-lo as sanções previstas em lei quando necessário e, sobretudo fiscalizar rigorosamente o cumprimento da lei, para que ela não seja mais uma dentre tantas que não "pegaram".

4. Conclusão

Após a avaliação de princípios que norteiam nosso direito e a ponderação deles, o mais interessante à sociedade é que se prevaleça o direito de toda a sociedade à vida e à segurança, afinal, dessa forma, inclusive o condutor e seus entes queridos também estarão protegidos de pessoas irresponsáveis que põem em risco a si mesmo e a outras pessoas.

É importante que o uso do bafômetro seja imposto ao condutor suspeito de embriaguez e aplicadas a ele as sanções penais e administrativas previstas, para que iniba a intenção de burlar a lei do condutor e para punir aquele que, além de desrespeitar a lei, põe em risco toda a sociedade.


5. Bibliografia

- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
- Código Penal Brasileiro;
- Código de Trânsito Brasileiro;
- Lei 11.705/2008;
- Beatriz, Ester. "Lei Seca. Inconstitucional, radical ou necessária?". Disponível na internet www.saberebomdemais.com
- Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22ª ed.; Rio de Janeiro/2009.Editora Lúmen Júris.
- Jesus, Damásio Evangelista. Delitos de Trânsito: aspectos penais e processuais do Código de Trânsito Brasileiro. 8ª ed. São Paulo/2009. Editora Saraiva.
- Sarapu, Paula e Pedro Rocha Franco ? Estado de Minas. Disponível na internet
http://jogodopoder.wordpress.com/2011/02/11/tolerancia-zero-governo-anastasia-vai-intensificar-fiscalizacao-da-lei-seca-para-reduzir-mortes-no-transito-blitz-recomeca-no-carnaval/
"Tolerância zero: Governo Anastasia vai intensificar fiscalização da lei seca para reduzir mortes no trânsito ? blitz recomeça no carnaval".
Autor: Caterina Abatemarco Munaier


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