Reflexões sobre Educação em Direitos Humanos



Reflexões sobre Educação em Direitos Humanos



Eliana Freire do Nascimento




O presente trabalho tem o objetivo de proporcionar uma reflexão acerca da educação em direitos humanos e da necessidade de um novo paradigma para transformação da sociedade nos moldes da delineados pela Constituição Federal de 1988. Primeiro serão apresentadas aspectos relacionados à uma pedagogia autônoma e construtivista. No segundo momento discutiremos a educação superior brasileira, apontando aspectos relevantes para uma mudança de paradigmas em prol de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária.
Educar-se para os direitos humanos requer o cultivo diário de valores e princípios, que dentre muitos outros envolvem a ética coletiva. Nesse aspecto a educação em direitos humanos não pode ser um tema simplesmente introduzido nos programas escolares ou universitários, mas uma ferramenta capaz de construir uma sociedade cidadã ativa em nosso país, o que se torna um desafio enorme, principalmente quando se está inserido num processo consolidado de educação bancária, inclusive na própria formação do docente.
A Carta Magna de 1988 propõe uma sociedade justa e solidária, cujo fim natural é a realização do bem comum, devendo criar todas as condições para que os indivíduos possam desenvolver-se plenamente, atendidos os fundamentos da República Federativa do Brasil consagrados no art. 1º da Constituição Federal.
Dentre os princípios fundamentais da República está a dignidade da pessoa humana, intimamente ligado à natureza do homem. Nesse contexto, a educação vem para orientar o agir, o sentir e o pensar do homem em suas relações sociais, sem, contudo impor fórmulas prontas e definidas, a fim de possibilitar que o indivíduo possa compreender o mundo de forma autônoma e nele interferir de forma positiva. Esse é o mundo ideal.
Uma sociedade com preceitos arraigados na educação bancária e que aliena o indivíduo no meio em que vive e o docente, elemento fundamental nesse processo, perpetua a condição de passividade do aluno, a pretexto da falta de reconhecimento social ou por baixos salários não gera mudanças. Essa frustração em nada contribui para a mudança de perspectiva. Ao contrário apenas consolida o problema educacional precário.
Com efeito, o processo de democratização da educação requer inexoravelmente a democratização da sociedade, envolvendo políticas educacionais afetas à cultura, ao sistema econômico e político do país objetivando formar cidadãos conscientes de seu papel social, em prol da coletividade.
O processo educacional deve contribuir para que os indivíduos sejam capazes de pensar e transformar o próprio meio em que vivem, sendo que esta realidade, infelizmente, ainda não é possível, pois ainda se presencia hodiernamente um descaso com o sistema educacional brasileiro, que pode ser constatado, inclusive, na própria atuação do docente, que leva para sala de aula a sua frustração e descrença no sistema, não incentivando a produção autônoma do conhecimento de forma criativa.
Contudo, a docência, aos poucos, vem se transformando paulatinamente, posto que a sociedade vem exigindo do docente a oferta de novas sistemáticas de aprendizagem, que devem contribuir para que o discente possa aproveitá-la para a vida, a fim de atender aos anseios dessa sociedade intensiva do conhecimento.
Segundo Demo (2009, p.09) aprender confunde-se com a vida, em sentido mais bem específico, pois na era do conhecimento, a sociedade não pode descartar os indivíduos e estes não podem se colocar à margem da sociedade ? daí a razão exponencial do profissional docente.
Demo (2007, p. 50) afirma que a aprendizagem é um "fenômeno reconstrutivo, jamais pode ser reduzido a reproduzir conhecimento, mesmo que compareçam sempre e naturalmente componentes imitativos." Nesse contexto, estudar os direitos fundamentais humanos requer uma visão politizada da educação, o que implica a promoção de habilidades de intervenção no destino das pessoas e da sociedade, na medida em que formam sujeitos capazes de história própria.
Educar-se para os direitos humanos, envolve muitos aspectos, dentre eles a prática docente em sala de aula, pois é nessa célula que se exercita a democracia, onde se pode libertar o indivíduo de suas amarras e onde ele pode e deve refletir o cotidiano e perceber-se como ator social transformador.
Leite (2010, p. 141) afirma que

o ensino jurídico vem passando por várias crises e críticas, dentre as quais se destacam a ausência de uma formação humanística de docentes e discentes, o que certamente decorre da educação bancária, em que o aluno é mero depositário de informações acríticas produzidas em aulas-conferências sem diálogo ou reflexão sobre a estreita relação entre a teoria e a prática jurídica ou entre o direito e a realidade dos problemas políticos, sociais e econômicos em que o futuro profissional irá atuar. A educação bancária prestigia o método decoreba de transmissão de conhecimento e não contribui para a autonomia do graduando em direito, uma vez que está impregnada de conservadorismo e tecnicismo metodológico curricular.

Refletindo sobre isso, tem-se que uma prática autoritária não estimula a liberdade do educando para que ele amadureça; liberdade esta que pode proporcionar a autonomia que é um processo de vir a ser e que não ocorre com hora marcada e nem aos 25 anos, pontualmente. (Freire, 1996, p. 107).
Assim, a mudança de paradigma da prática docente pode repercutir na formação dos indivíduos, pois saindo do processo reprodutivo, tem condição de produzir por si mesmos os próprios conhecimentos que é o que de fato importa no processo de ensino e aprendizagem e para a própria sociedade.
Freire (1996, p. 109) entende que a educação é um ato de intervenção no mundo e que

aspira mudanças na sociedade, na economia, das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto à que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar a História e manter a ordem justa.

Atentar para a mudança no processo educacional faz refletir ainda que o profissionalizar hoje não pode mais ser somente instrucionista, pois segundo DEMO (2007,p.50) os conteúdos "envelhecem e se desfazem rapidamente, urgindo sempre o refazer, renovar, reconstruir. Essa habilidade que podemos sumariar em saber pensar, é componente não menos central na profissionalização de hoje."
Perceber a educação em direitos humanos como uma possibilidade de transformação social exige que reflita sobre o processo ensino e aprendizagem, para que os discentes possam se perceber como parte ativa nesse processo, não meramente receptor das informações transmitidas pelo docente.
Para Demo (2007, p. 50)

Já não seria possível resumir a aprendizagem a procedimentos apenas técnicos e formais, sobretudo a procedimentos instrucionais, porque, enquanto os aprendizes se restringirem a seguir ordens, não se farão sujeitos capazes de fazer e sobretudo fazer-se oportunidade. O esforço reconstrutivo torna-se decisivo sobe a presença maiêutica do professor.

Segundo Bahrens (1998, p.66) o professor necessita ser crítico, reflexivo pesquisador, criativo, articulador, interdisciplinar e saber praticar efetivamente as teorias que propõe aos seus alunos. Por outro lado, os alunos devem buscar a inovação e questionar, ter o hábito da leitura das informações seja pelos livros ou por meios informatizados, devendo ser capaz de analisá-las, criticá-las e refletir sobre elas e ter competência de elaboração própria com os referenciais pesquisados. Elaborar projetos criativos e saber defendê-los.
Tal perspectiva para os direitos humanos reflete de forma positiva, tendo em vista que na medida em que o discente analisa o mundo em que está inserido tem a possibilidade de questionar, refletir e modificar o seu meio, desde que considere os indivíduos como sujeitos de direitos, titulares de direito ao respeito, à dignidade e liberdade; enfim, pessoas com condição peculiar ao desenvolvimento e proteção integral. (Rutkoski, 2006, p. 370).
Com essa formação, os discentes poderão atuar de forma mais humanizada e menos cética quanto à possibilidade de se consolidar uma sociedade mais justa e solidária, pautada na ética.
Portanto, a educação para os direitos humanos deve ser instrumento com objetivo de consagrar e efetivar os princípios e valores constitucionais, para que um dia se possa alcançar o dever ser proposto por ela.


BIBLIOGRAFIA

DEMO, Pedro. In Saber pensar. 5ª ed.- São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2007

DEMO, Pedro. In Professor do futuro e reconstrução do conhecimento. 6ª ed.Petropólis, RJ: Vozes, 2009.

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos. In Arquivos do Ministério da Justiça. Brasília, v. 46, n 182, p. 52-53, jul/dez. 1993.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra, in Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.

OLIVEIRA, Erival da Silva, in Direitos Humanos. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2009 (Elementos do Direito, v.12).

PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. Ed. Atlas. 2009


PIOVESAN, Flávia (org.) Direitos Humanos, Volume I. Ed. Juruá. 2006.

FREIRE, Paulo. A pedagogia da Autonomia ? saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


Autor: Eliana Freire Do Nascimento


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