CULTURA INDÍGENA E OS DIREITOS HUMANOS



CULTURA INDÍGENA E OS DIREITOS HUMANOS Eliana Freire do Nascimento Como resultado das duas grandes guerras mundiais o mundo vem fortalecendo a noção global do respeito aos direitos humanos. O grande marco foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos ? 1948, em que definiu dois tipos de direitos ? individuais e coletivos. Os direitos individuais relacionados os ser humano, em si, voltados para a liberdade. Os direitos sociais voltados à cidadania e à sociedade. Esses direitos civis e políticos voltaram-se contra o Estado, limitando o seu poder. Com a evolução da sociedade, novos direitos surgiram concomitantes ao capitalismo ? trabalho e previdência ? viu-se a necessidade de normatizar direitos sociais, econômicos e culturais. Esse capitalismo passou a reger as relações no mundo, fazendo com que todos os Estado assumisse uma missão de prover bem-estar social, considerando o indivíduo seja isoladamente seja em sociedade. E nesse mister passou-se a perceber as minorias ? onde se incluem os povos indígenas. Os indígenas estão presentes em vários locais do mundo e ao longo dos séculos desenvolveram modos de vidas que lhes permitiram viver em equilíbrio com o seu ecossistema estabelecendo suas normas, inclusive punitivas. Com essa percepção, a diversidade cultural dos povos em relação ao Estado nacional, este passou a querer "civilizar" os povos indígenas, o que fere o princípio da dignidade, mormente considerando o aspecto desbravador o monopolista da cultura ocidental, que há muito desrespeita as tradições indígenas. Em verdade, o marco legal no sentido de se respeitar os povos indígenas no Brasil veio com a Constituição Federal de 1988, que no seu art. 231 menciona que devem ser reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União a demarcação, proteção e respeito aos bens indígenas. No âmbito internacional a atuação indígena acontece em debates e fóruns seja na ONU, seja na OEA, em que os grupos de trabalho impulsionaram fundos para possibilitar a participação de representantes indígenas nas discussões. Como fruto destas conferências internacionais, surgiu em 1993 um Foro Permanente dos Povos Indígenas, que visa convergir aspectos relacionados à educação, meio ambiente e cultura. Assevere-se que a aplicação dos direitos humanos ditos universais não podem ser impostos aos povos indígenas como verdade absoluta, haja vista que devem ser considerados a sua organização social, usos, costumes e tradições. Isso porque, os direitos à igualdade e liberdade e seus corolários que fazem parte da legislação doméstica e dos tratados internacionais que protegem os direitos humanos poderiam ser suficientes para proteger esses povos. (Oliveira, 2006) Oliveira citando Fergus Mackay (2006) entende que o O conceito de direitos coletivos há formado parte das discussões sobre direitos de indígenas e minorias no direitos internacional no passado recente. A razão disto é que o reconhecimento com ênfase tradicional sobre os direitos individuais implica em uma proteção inadequada para os povos indígenas e as minorias que possuem certas características coletivas que não são únicas. Em outras palavras , a proteção e o desfrute de certos direitos ? direitos culturais, por exemplo ? depende da proteção simultânea do grupo do povo como um todo, além de seus membros individuais. Contudo, a aceitação da natureza dos direitos dos povos indígenas não tem sido aspecto de fácil aceitação, pois os Estados discutem que a natureza universal dos direitos humanos como sendo capaz de proteger também os povos indígenas, embora se saiba que existem aspectos peculiares culturais que devem ser analisados de forma mais cautelosa. Não se deve olvidar que existem documentos internacionais que visam tutelar os direitos dos povos indígenas, dentre eles: o Pacto de San José da Costa Rica, Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial a Convenção relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da OIT (Convenção 169 da OIT), sendo este o documentos o mais importante. A Convenção 169 da OIT de 1989, referindo-se à Declaração Universal e ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e dos Econômicos Sociais e Culturais, consagra o direito dos povos indígenas à dignidade, no sentido de serem respeitados em suas tradições , mantendo a diversidade cultural existente. Essa convenção, ainda que de forma incipiente, visa fomentar uma política favorável aos povos indígenas, no sentido de delinear termos e/ou instrumentos, com alcance necessário para conduzir interpretações e a efetivação dos direitos nela previstos, mormente considerando que os povos indígenas tem estilo diverso da sociedade de consumo, pelo que se ter em mente que ainda assim o Estado deve manter o bem-estar social, mas sem querer integrá-los à sociedade nacional. Enfim, de acordo com a Convenção 169 há o intuito de afirmar os direitos indígenas respeitando-se as suas peculiaridades, posto que devem ser considerados como povo, ter garantido o direito de se verem organizados social-econômica e culturalmente , bem como com o direito de viver em seus territórios. Silva (2006, p.131) entende que O fato de as comunidades serem chamadas de povos, não significa que se encontrem alijadas da política em seus países. Elas participam da vida nacional, mas não compartilham dos processos desenvolvimento econômicos e social ou do programa de integração comunitária em geral, pois estes estão mais voltados a população dominante, em geral de características capitalista. Nesse contexto, segundo alguns autores, diz-se que os povos indígenas são autodeterminados, o que não significa uma soberania política no intuito de segregação, mas no sentido de que possam exercer aspectos econômicos sociais e culturais livremente. Ademais, as penalidades que os povos indígenas impõem quando, dentro dos seus padrões violam regras, devem ser respeitadas, embora alguns autores entendam que tal prática seria permitir a existência de um estado dentro de outro. Oliveira (2006) entende que Para as lideranças indígenas é necessário reconhecer o direito de autogoverno e a livre determinação para que os próprios indígenas possam administrar seus territórios de acordo com seus direitos costumeiros. Eles conceituam a livre determinação enquanto poder de decidir sobre o seu próprio destino de acordo com a sua organização social, política e econômica. Com efeito, deve ser observado que os direitos consagrados internacionalmente, também garantidos aos povos indígenas, ressaltam direitos individuais e coletivos. Sendo aqueles de exercício individual e estes dos povos indígenas. E isso é fundamental para entender que os direitos individuais protegem direito a vida, a liberdade de expressão, saúde física e mental ? direitos universais. De outro lado, os direitos coletivos não existem sozinhos e devem ser exercidos para que os povos sobrevivam ? direito ao território, ao uso da língua, direito de se autogovernarem ou praticarem suas próprias normas de organização e controle. (SILVA , 2006, p. 132). Como bem se observa da simples leitura de Convenção de proteção dos povos indígenas percebe-se que a mesma detalha aspectos protetivos de valores, práticas sociais, culturais, religiosos e espirituais próprios dos referidos povos, assim como de sua participação e consulta de boa fé. De outro modo, conferem aos povos indígenas o direito de decidir seu próprio desenvolvimento, seu direito consuetudinário, a proibição da prestação de serviços pessoais obrigatórios, de acordo com o contexto do país em que habitem. Por outro lado, como o Estado necessita de seu território, os povos indígenas também lutam por essa causa, e tal luta é motivo de muitas querelas, pois o Estado exerce a sua jurisdição e suas normas que devem ser cumpridas por seus cidadãos. Mas como exigir o cumprimento de obrigações impostas pelo Estado se os povos indígenas tem suas leis segundo aspectos culturais milenares? Nesse sentido deve-se atentar para o fato de que embora sejam os direitos humanos universais, não se pode esquecer que os povos indígenas devem ser respeitados na sua diversidade. Contudo não olvidando que, tal como a própria Convenção 169 preceitua, ao optar pelo universalismo também reconhece o direito consuetudinário desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Mas o próprio artigo ressalva que nesses casos deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar conflitos. Observe-se aqui, quanto a Convenção Americana de Direitos Humanos, as garantias judiciais que no seu art. 8º garante a toda pessoa o direito ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Impende salientar que nesse âmbito, os povos indígenas não devem ter um estado para si, mas a sua cultura deve ser respeitada, e se houver violação de direitos que infringem de forma grave aspectos regulamentados pelo Estado, aqueles devem ser submetidos às normas jurídicas estabelecidas pelo ente estatal Talvez o maior desafio dos direitos humanos é chegar ao consenso quanto a universalização dos direitos humanos, no sentido de que sejam respeitados parâmetros mínimos de proteção, no sentido de que não se poderia privar o outro da qualidade mínima independentemente da sua cultura. Com efeito, o que se denota da comunidade internacional é que os direitos humanos devem ser vistos de forma global, justa e dando ênfase à proteção mínima desses direitos, respeitados os aspectos culturais, mas impondo ao Estado o dever de proteger todos os indivíduos. Portanto, em havendo uma violação grave de direitos humanos, ainda que tenha relação com aspectos culturais, é dever do Estado proteger e conscientizar, pois a integridade física e moral fazem parte desse protetivo mínimo exigível. Efetivamente, os direitos individuais inerentes a pessoa humana devem ser exercidos independentemente da sociedade sem distinção de raça, gênero, cultura. Do mesmo modo, os direitos coletivos devem ser exercidos pelos povos, respeitando-se a língua, os ritos e rituais. A abertura dos direitos humanos, nesse diapasão, deve abarcar os direitos coletivos, e reconhecer que os povos indígenas tem culturas diferentes organizadas historicamente e que deve ser flexível, pois sendo considerado como povo autodeterminado, deve possuir controle de suas instituições. As implicações de um direito indígena menos protetivo a certas liberdades individuais impõem ao Estado uma responsabilidade precípua de coibir os abusos, conferindo aos indivíduos indígenas o direito ao contraditório e a ampla defesa, pautado em normativo interno e internacional. Nesse conflito entre o direito dos povos à sua autodeterminação bem como o direito à integridade física e moral deve ser salientado que A legislação brasileira protege razoavelmente os direitos dos povos indígenas, e sua implementação apresenta avanços progressivos, tendo como marco fundamental a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988. Ao tratar dos direitos humanos dos povos indígenas é necessário considerar a natureza coletiva dos direitos desses povos. Embora o direito positivo não seja criado pelos índios, e mesmo sua linguagem, interpretação, aplicação e ritos não façam parte do modo de vida próprio dos povos indígenas, é fundamental que os indígenas participem das instâncias que tratam dos seus interesses. (OLIVEIRA, 2006) Assim, o direito de ter respeitado aspectos culturais não os excluem de serem julgados quando a violação dos direitos seja de tal forma que afronte preceitos constitucionais no tocante a integridade física e mental. Aqui deve ser salientado, que essa relativização quanto à violação da integridade física e moral no tocante ao aspecto cultural e a autodeterminação dos povos indígenas não pode ser negligenciado pelo Estado, pois até se poderia perceber o ritual daquele povo, mas não se poderia perceber com naturalidade o incesto, o infanticídio, por exemplo. Efetivamente o maior embate relativamente a esses aspectos culturais indígenas diverge daquilo que o Estado estabeleceu como correto. Aos nossos olhos ser condenado sem que se lhe tenha garantida a ampla defesa e ao contraditório parece ser de fato absurdo. Portanto, talvez seja o papel dos direitos humanos tentar fomentar o diálogo intercultural, pautado no compromisso de disseminar a consciência de que as culturas divergem, e essa dialética deve ser no sentido de que nenhuma deve prevalecer sobre outra, mas sim respeitando-se mutuamente, para evitar que o mister dos direitos humanos se converta numa missão quase impossível. De outra sorte, mesmo sendo universais, os direitos humanos devem ser relativizados quanto houver conflitos culturais, sendo que o aspecto conscientizador também deve ser uma vertente, a fim de enaltecer a necessidade da prevalência do princípio da dignidade humana. Enfim, caminha-se para a construção de uma democracia voltada para participação, reconhecimento e a valorização do pluralismo, sendo que nessa concepção se irá buscar o diálogo entre as identidades e as nações bem como exercitar a capacidade de ouvir o outro e estabelecer uma conversa e resolver as diferenças em igualdade de direitos e condições. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA MASSUD, Leonardo. Universalismo e relativismo cultural. In: PIOVESAN, Flavia; IKAWA, Daniela (Coord.). Direitos humanos: Fundamento, proteção e implementação>. São Paulo: Max Limonad, 2003 PIOVESAN, Flavia; IKAWA, Daniela. Mecanismos extraconvencionais. In: PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 216-224 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção 169. CONFERÊNCIA ESPECIALIZADA INTERAMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2007 SERRANO, Fernando García (org.). Relatos, selecionados por Fernando García Serrano, de autoridades da nacionalidade Quichua. [S.l.:s.n.]. PIOVESAN, Flavia(Coorden). Direitos Humanos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 120-146.
Autor: Eliana Freire Do Nascimento


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