Da Filologia à Crítica Genética



1. Crítica Genética
Com base filológica, a Crítica Genética, no entanto, não faz uma crítica literária, ao contrário, oferece outras perspectivas de análise interagindo com outras disciplinas: a Psicanálise, a Lingüística e a Semiótica, com a pretensão de aproximar os autores dos críticos das obras. Neste trabalho, porém, valho-me desta abertura e ampliação dos limites da análise de textos e procuro adequar esta prática ao entendimento dos textos dos alunos e ao julgamento, seja para ajudá-los a aprimorar seus escritos, seja para aproximá-los do nível que se espera deles, seja também no intuito de incentivá-los para o gosto da redação e induzi-los a interagir com os professores de língua materna, sem que haja medo por parte de quem aprende nem repulsa da parte que tem o dever de acompanhar os rascunhos (manuscritos) e os diversos procedimentos que alguém possa utilizar para expressar por escrito suas idéias.
Sob essa perspectiva, proponho uma análise da composição do aluno, junto com ele, numa visão lingüístico-estilística a partir das marcas deixadas pelo autor do texto no decorrer de sua escritura, procurando entender e estabelecer a dinâmica e as razões das alterações realizadas ou não no decorrer do processo de criação, desde seu primeiro rascunho até o texto definitivo, ou seja, das suas idéias originais até a reescritura do texto passado a limpo.
Investigando, levada pela novidade de análise proposta pela Crítica Genética, encontrei em Salles (1992) o percurso histórico dos estudos genéticos e procurei adequá-la como uma alternativa de estudo desta natureza em textos de alunos.
Com início na França em 1968, por iniciativa de Louis Hay, os estudos genéticos de textos partiram do trabalho de uma equipe de estudiosos de manuscritos que, através do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) organizavam os originais de poetas e escritores como Heinrich Heine, Proust, Zola, Valéry e Flaubert.
Com o surgimento do ITEM - Institute des Testes et Manuscrits Moderns, ligado ao CNRS, órgão dedicado à pesquisa dos manuscritos, também no Brasil foi introduzida a Crítica Genética, por Philippe Willemart (1985), estudioso dos manuscritos de Gustave Flaubert e responsável pela organização do I Colóquio de Crítica Textual: O Manuscrito Moderno e as Edições, realizado na Universidade de São Paulo. Durante esse Colóquio foi criada a APML – Associação dos Pesquisadores do Manuscrito Literário que fundou a revista Manuscrítica totalmente destinada à divulgação dos estudos em Crítica Genética. Essa nova crítica vive, hoje, uma fase de evolução em suas pesquisas, como atesta Salles (1992):

Após toda fase conquistadora, como bem o sabemos, há a fase exploradora; estamos vivendo exatamente essa época de exploração de um terreno já, de certo modo, conquistado – um tempo de reflexões sobre os princípios fundamentais e legitimidade da disciplina.

Considerando que alguém deixa sempre pistas de sua ação, de seus desvios e de buscas de saídas para seus conflitos e decisões, também, em se tratando de textos, as marcas aparecem e a Crítica Genética pode mostrar alternativas para entender os caminhos a que um aprendiz de textos percorre para conseguir expressar por escrito o que pensa. Quando convidados a escrever, os alunos mostram nos apontamentos de aulas, nos comentários dos programas que assistem, nos rascunhos, nos desenhos, nas músicas que apreciam e nos registros dos ambientes que freqüentam, os vestígios das hesitações, correções e insistências em retomar idéias e termos, nas redações ou em qualquer trabalho escrito.
É possível perceber que a transformação do texto e seu repensar caminham lado a lado; no entanto, isso muitas vezes induz o professor a crer que o aluno é sempre incoerente e seu texto nunca tem qualidade, principalmente quando se espera desse aluno um resultado, um produto, e não se considera o ato de escrever e a escritura como elementos de um processo interativo, rumo a um objeto sempre em construção.
Nesse sentido, Salles afirma ser evidente a reciprocidade entre os outros setores das ciências humanas que se ocupam de texto literário e a Crítica Genética. Ela diz que

... os estudos estilísticos passam a encarar a fabricação do texto (arrependimentos, escolhas, processos de sinonímia visando a uma expressão mais rica, enxugamentos sintagmáticos, etc. observáveis no desenrolar da escritura).
2. Análise lingüística.
A esse respeito, Panichi (1990) em sua tese de doutoramento em que estuda o processo de criação literária de Pedro Nava, apresenta uma análise lingüístico–estilística dos manuscritos desse autor. Outros estudos nessa direção podem contribuir para o ensino de redação, fazendo com que os alunos aprendam a planejar seus textos, a guardar seus roteiros e a preservar seus rascunhos para auto-avaliação de seus argumentos, escolhas, arrependimentos e até comprovação de idéias, bem como avaliação das fontes e do progresso lingüístico e criativo.
Particularmente, ao revisitar rascunhos de textos produzidos durante minha vida escolar, reconheço o quanto tem sido proveitoso o conhecimento de diversos tipos de textos de forma prática e a conciliação do conhecimento teórico sobre a escrita para alcançar a etapa final da produção de textos. Por isso, ocupo um certo espaço neste trabalho para apresentar um memorial da minha caminhada estudantil e profissional que, ao contrário da práxis acadêmica, mostra uma preocupação com os problemas do ensino da linguagem desde cedo, partindo da prática para a teoria, e portanto, do conhecimento de texto através da prática até chegar ao conhecimento da Retórica buscando a teoria.
BIBLIOGRAFIA

I Colóquio de Crítica Textual: O Manuscrito Moderno e as Edições. Universidade de São Paulo, 1992.
PANICHI, Regina. Crítica Genética da Obra de Pedro Nava. UEL,1990.
Revista Manuscrítica (Crítica Genética – Texto de Salles, 1992).

Autor: Djalmira Sá Almeida


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