DO CONTEXTO HISTÓRICO RELEVANTE AO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL



DO CONTEXTO HISTÓRICO RELEVANTE AO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL

1.1 Introdução
O Mestre Fustel de Coulanges um dia assim já exasperou:

É mister, pois, estudar antes de tudo as crenças dos povos. As mais velhas são aquelas que mais nos importam conhecer, visto que as instituições e as crenças que encontramos nas épocas áureas não passam do desenvolvimento de crenças e instituições anteriores; faz-se necessário procurar suas raízes bem longe no passado .


O historiador parisiense inicia sua obra, um dos maiores marcos literários da historiografia grega e romana, salientando sobre a importância de se tratar dos institutos sob uma vertente pretérita, sendo este o único e perspicaz meio de se chegar a parâmetros e comparações dos mesmos institutos na atualidade.
Nestas premissas se desenvolverá o presente capítulo deste estudo monográfico, tecendo a devida análise ao instituto do Tributo denominado de ITR em seu contexto histórico.
Necessário se faz, de início, ainda que de maneira breve, levantar alguns aspectos da história relevantes à questão de estruturação e cobrança do Imposto Territorial Rural, em diligente paralelo com a questão da propriedade, lato sensu e da propriedade territorial rural.
Para tanto, nos tópicos abaixo, a referida análise será direcionada a momentos históricos de importantes e influentes sociedades que marcaram época, dando-se ênfase às ocorrências históricas que mais influenciaram o que propõe o presente estudo e o presente tema.



1.2 Grécia

É notável a contribuição da sociedade grega para os mais diversos campos das ciências exatas e humanas. Não obstante essas influências, nota-se que no período arcaico as comunidades gregas começaram a sofrer algumas transformações, principalmente no que concerne à organização da ocupação territorial.
A terra, que antes era de uso coletivo passou a ser dividida e dominada por classes ligadas à aristocracia que advinham dos líderes patriarcais. Os eupátridas, como são denominados esses grupos que possuem estreita ligação com os líderes patriarcais, estavam em busca de novas propriedades, bem como em manter aquelas já existentes. Além da hegemonia política, essa classe aristocrata estava exercendo de forma intensa o domínio territorial .
Cumpre-se lançar neste ponto a experiência de Antonino Moura Borges sobre o tema, ao citar as civilizações primeiras a se utilizar da exploração da terra em caráter individual, ou mesmo que coletivo, para conseguir vantagens individuais, abaixo, in verbis:
Desde que surgiram as Cidades ? Estado, a propriedade e o uso da terra já eram uma realidade como fonte de alimentos e de riquezas. Podemos afirmar que na Babilônia ex vi do Código de Hamurabi, a propriedade era reconhecida através dos contratos e dos dotes relativos a terras de cultura. Igualmente no Egito, foi admitido e desenvolvido o sistema de propriedade individual, contando-se que o Faraó, mandava que se loteasse as margens do Rio Nilo e quando vinham enchentes e apagavam as demarcações, novamente os técnicos do Faraó vinham por ordem real demarcar novamente. Os Hebreus admitiram o sistema de propriedade individual como melhor estímulo para produzir. Da mesma forma os muçulmanos faziam-se respeitar a propriedade individual. Na Grécia era admitida a propriedade comunitária e depois passou para a forma individual e familiar. Em Roma vigorava o sistema da propriedade comunitária e depois progrediu para a propriedade familiar, portanto, era obrigatório o respeito ao direito de vizinhança .

Ao longo do tempo a população grega aumentou de forma significativa e as terras produtivas que garantiam a subsistência da sociedade tornaram-se escassas em decorrência do domínio da aristocracia, que detinha a maior parte das propriedades a este momento.
Os cidadãos gregos, empobrecidos, que não conseguiram se apropriar de qualquer parcela de terra, migraram para outras regiões ao longo do Mediterrâneo, em busca de melhores condições de vida, portanto, a ocupação dessa população em determinadas regiões fez surgir às chamadas Cidades ? Estado.
Nas Cidades ? Estado, a economia não se respaldava apenas na agricultura, outras atividades eram desenvolvidas a fim de impulsionar a economia local e garantir a subsistência das famílias.
Assim permaneceu no início da Antiguidade e apenas após a formação e concentração das primeiras Cidades ? Estado passou o Homem a explorar a propriedade rural em caráter individual, seja em benefício próprio ou de seus familiares, seja para auferir vantagens e favorecimentos para si mesmo .
Outrossim, juntamente com a exploração da propriedade pelo Homem, individualmente, passou este a praticar o comércio, na forma de escambo, trocando produtos e objetos que produzia por outros em que não era autossuficiente. Justamente pelo surgimento das primeiras Cidades ? Estado é que se iniciou na Grécia a cobrança pela utilização e exploração da terra, sendo, portanto o ITR, o mais antigo dos tributos, ou, novamente nas palavras de Antonino Moura Borges, "Este tipo de imposto é muito antigo, tendo-se notícia que o mesmo começou a existir desde que surgiram as formas de concessão de terras pelos dirigentes das Nações (Cidades ? Estado) e passou a surgir à noção de propriedade particular ou privada" .
Com o desenvolvimento das Cidades ? Estado, iniciou-se também as chamadas Polis, que eram sociedades mais complexas formadas pelas famílias que tinham sido excluídas na partilha de terras. Foram criadas então leis que regulamentavam a tributação, tendo em vista que, o comércio era desenvolvido por diversos grupos familiares e o principal meio de manter a economia local. Para padronizar a exploração do comércio de forma igualitária, criaram-se regras para organizar o sistema em que seriam pagos os tributos .
Diante do que já fora exposto, verifica-se que através das Cidades ? Estado gregas o Homem se organizou em sociedade, e isso pôde ser notado a partir do tratamento dado à propriedade, em caráter individual, quando esse, passou a desenvolver pelo comércio, diversas atividades econômicas e, por consentâneo, passou a incidir sobre essas atividades, tributos com o objetivo de garantir a continuidade e estabilidade da nação, com ênfase ao tributo cobrado pela exploração da terra, vez que boa parte destas atividades ali eram desenvolvidas.


1.3 Roma

A sociedade romana era basicamente dividida em quatro grupos: patrícios, plebeus, clientes e escravos. Os patrícios eram uma espécie de líderes familiares, e exerciam todo o poder político na região, por serem considerados uma classe nobre descendente dos líderes tribais, que conforme registros históricos foram os principais fundadores de Roma .
Pode-se dizer que a idéia de propriedade vem desde a Grécia antiga, enquanto instituição formal, portanto, já existindo quando da criação de Roma, uma vez que, os patrícios tinham em seu poderio grandes glebas de terras, que além de extensas eram as melhores para explorar a agricultura.
A propriedade privada era parâmetro para organizar a sociedade, pois, apenas os aristocratas compostos pelos patrícios detinham o poder sobre as terras férteis. Os plebeus poderiam garantir o direito à propriedade, mas isso só ocorreria se de alguma forma conseguissem enriquecer e passassem a viver em submissão a uma família patrícia prestando serviços exclusivos, comprovando-se o direito à propriedade na sociedade romana.
Acerca do direito de propriedade em Roma Antiga, ensina Haroldo Guilherme Vieira Fazano que:
Em Roma, o direito de propriedade não era ilimitado. A superposição habitacional não era desconhecida, ao contrário, era conhecida e praticada. Não era indiferente ao direito: ao revés, observada e disciplinada. E não falta mesmo quem vá remontar à civilização pré-romana dos caldeus, no segundo milênio antes de Cristo, a divisão de prédio em planos horizontais .

No Império Romano existia uma legislação que regulamentava o direito de propriedade, mas tais regras foram feitas para assegurar que a maioria das terras permanecessem sobre o poder dos patrícios e assim perpetuar o domínio de todo Império.
Os romanos conquistavam terras por meio de guerras que eram distribuídas entre os cidadãos por concessões. As propriedades particulares possuíam título legítimo que poderia ser utilizado caso fosse necessário reivindicar o direito de propriedade.
A terra, que antes era explorada de forma coletiva, após sofrer uma intensa evolução a partir da exploração agrária, permite constatar que era necessária à criação de regras que protegessem a propriedade individual.
Pode ser verificado que as terras exploradas individualmente, ou por um pequeno grupo familiar, tinham resultados superiores em relação à produção agrária, o que garantia a subsistência do grupo e o excedente da produção ainda poderia ser trocado no comércio local. Esta questão somada à conquista das terras romanas, como expresso acima através de guerras, pôs fim ao período chamado de Pax Romana, ou paz romana, em que a propriedade ainda não era tão explorada individualmente e com o intuito lucrativo, no início daquela sociedade .
A propriedade rural que antes era dominada por aristocratas começou a ser distribuída ou concedida às famílias com a finalidade de cultivar a terra para obter uma produção agrária significativa. As terras concedidas pelo Governo Romano possuíam títulos que traziam expressos o caráter particular da propriedade.
O Governo Romano percebeu que houve um aumento da população rural e como a guerra era uma das formas de conquistar novas terras, começou a recrutar os jovens que habitavam a zona rural, logo, com isso iniciou-se o empobrecimento do campo, haja vista que a mão de obra tornou-se escassa.
O declínio da economia se deu principalmente pela redução na produção de alimentos que além de promoverem o sustento das famílias rurais também contribuíam para a economia mercantil.
Faz-se necessário, uma vez mais trazer as lições de Haroldo Guilherme Vieira Fazano, em outro relato acerca deste período vivido em Roma Antiga:

Por outro lado, as leis gregas e romanas, que refletiam a transformação para uma cultura urbana, atribuíram direitos exclusivos aos proprietários. Analisando o direito romano, podemos verificar o estabelecimento de uma propriedade exclusiva, direta e absoluta, que persistiu por muito tempo, passando pela queda do Império, pelo feudalismo, chegando à idade contemporânea .

A primeira lei estritamente agrária vem de Roma, proposta por um dos chamados Tribunos da plebe, a fim de assegurar a distribuição. Nota-se que desde aquela época até hodiernamente existe uma discussão acerca da questão agrária.
Era preocupação do Governo Romano fixar os limites territoriais que cada grupo familiar teria direito. A lei que regulamentou a distribuição de terra, também dispôs sobre os tributos que incidiram sobre as mesmas. Abaixo, em comento, este período citado pelo requisitado Haroldo Guilherme Vieira Fazano:

A Lei Licínia determinou que aqueles que ocupavam terras públicas deveriam pagar ao tesouro do Estado 1/10 da produção agrícola e se fosse o fruto das oliveiras, deveriam pagar apenas 1/5. Nascia com isso, o tributo precursor romano do imposto territorial (ITR) pelo uso da terra. Nascia a imposição do dízimo, ou seja, o cidadão deveria contribuir com 10% do que efetivamente produzia .

A agricultura expandiu ao ponto de começarem a surgir colônias agrícolas para realizar o preparo da terra e se ter uma produção de qualidade em grande escala, período em que se utilizou sumariamente do trabalho escravo. Esse tipo de serviço teve contribuição de peso, pois, os grandes centros passaram a serem abastecidos com os produtos provenientes desta produção agrícola.
Dessa forma, as colônias passaram a ser como pequenos feudos, ainda na sociedade romana, onde no papel de senhor feudal se encontrava o proprietário rural que possuísse justo título sobre a terra que estava sendo explorada. Os colonos romanos criavam suas próprias regras dentro de seus limites territoriais, e o Governo, a este ponto, estava apenas interessado em arrecadar com os tributos e promover uma economia consolidada em uma atividade agrícola lucrativa.
Outras leis agrárias foram criadas com o passar do tempo. O Direito romano exercia forte influência nas regiões que eram conquistadas devido à evolução frente às outras sociedades. Era um direito fundamentado em conceitos e princípios que apesar de complexos eram seguidos à risca pelos cidadãos.
Assim, o domínio da classe patrícia na sociedade romana foi um marco para determinar a existência da propriedade privada, ocasionando uma divisão social. O poder estava nas mãos daqueles que possuíam a maior parte das terras cultiváveis e com os problemas jungidos pelas guerras, justamente à procura de conquistar novas terras, houve a necessidade de se passar ao coletivo as propriedades, de modo que estas produzissem, alimentassem a sociedade romana e angariassem tributos ao Governo.
Aquele que detinha o poder possuía um precípuo interesse na arrecadação de tributos para que a economia se tornasse cada vez mais forte e consolidada, podendo-se demonstrar mais uma vez o quão necessário e importante foi a questão da propriedade territorial rural e da tributação sobre esta em Roma Antiga.




1.4 Sociedade Feudal

A decadência do Império Romano fez surgir uma nova fonte de organização econômica e política que ficou conhecida historicamente como feudalismo. Conforme já foi demonstrado anteriormente, a ideia de feudo já existia no fim da sociedade romana, com a exploração dos colonos sobre os escravos. A estrutura social dividida em feudos já presumia a existência da propriedade privada, mas esta pertencia apenas a uma pequena camada privilegiada.
A economia feudal encontrava amparo na agricultura que era desenvolvida no próprio feudo. Os suseranos, ou senhores feudais, cediam lotes de terras para os chamados vassalos na condição de os mesmos prestarem àqueles fidelidade e trabalho, bem como proteção. Logo, essa troca garantia ao vassalo, em concomitância, proteção e um lugar no sistema de produção. Cabe salientar que os suseranos ao cederem as terras para os vassalos não perdiam a propriedade das mesmas .
Os senhores feudais provinham de uma linhagem considerada nobre e detinham o domínio das grandes áreas de terras que poderiam ser exploradas da forma que quisessem. Dentro do feudo o suserano criava suas próprias regras.
Antonino Moura Borges comenta este período, salientando que:

Por tais razões, surgiram os grandes senhores de terras, nobres e fidalgos que eram agraciados com grandes extensões de áreas rurais, verdadeiras províncias, porque a posse do solo na jurisdição concedida estava ligada ao direito do Senhor Feudal de governar, administrar e de ser uma espécie de monarca nos limites geográficos da propriedade .

Os suseranos, detentores praticamente de todas as extensões e propriedades rurais naquela sociedade, necessitavam para produzir nas mesmas, do trabalho dos vassalos, seja para preparar a terra seja para nela cultivarem. Dessa forma, concedia-se à vassalagem o mesmo direito de produzir, em benefício próprio, em uma forma de troca, desde que parte desta produção fosse cedida aos senhores feudais.
Novamente, cumpre-se trazer à baila as lições de Antonino Moura Borges sobre o tema, no qual disserta que "A par dos suseranos surgiram também os vassalos (espécies de feitores), que dirigiam despoticamente as suas propriedades agrícolas, muitas vezes, mais uma província do que uma propriedade rural devido a vasta extensão de terras" .
A contribuição repassada para o senhor feudal pode ser caracterizada como uma forma de se cobrar tributos, mas ao invés da arrecadação tributária ser realizada pelo governo, essa era exercida pelo suserano, que detinha o poder naquela sociedade. O excedente da produção só poderia ser vendido ou trocado por este, haja vista que os vassalos apenas tinham direito a produção mínima, ou seja, a necessária para realizarem a subsistência familiar.
Antonino Moura Borges salienta que "Nesta época surgia o Instituto do Preccarium como uma espécie de contrato através do qual o senhor concedia ao vassalo uma porção de terra para ser explorada em troca de uma contribuição" .
Francysco Pablo Feitosa Gonçalves, tributarista da nova geração, tece características excepcionais sobre o período, contrapondo o Medievo até a chegada da Idade Moderna, abaixo, ipsis literis:

Na Idade Média houve o advento do feudalismo como modo de produção, substituindo o escravismo romano, neste contexto, a estrutura socioeconômica e político-cultural da Alta Idade Média foi marcada pela multiplicidade dos centros de poder, e se o Senhor Feudal, dono de todas as terras, era quem detinha o poder de tributar, não havia espaço para a tributação da propriedade rural. Dessa forma, outro momento significativo para a tributação sobre a propriedade rural só ocorreria no século XVIII, quando Quesnay fundou a escola econômica fisiocrata ? que inaugurou a concepção de que o tributo era pago em virtude de uma relação contratual entre Estado e contribuinte ? e tal escola defendeu a criação de um imposto único incidindo sobre a renda do proprietário da terra. As ideias dos fisiocratas influenciaram notadamente a Constituinte, durante a Revolução Francesa, a abandonar os tributos antigos em prol de um imposto territorial responsável por metade de toda arrecadação orçamentária .

O feudalismo se difundiu de forma desorganizada. O Rei aos poucos foi perdendo o controle sobre os feudos existentes. Devido às grandes extensões territoriais foram surgindo sub ? feudos, o que ocasionou uma confusão no que concerne à hierarquia de obediência ente o suserano e os vassalos, uma vez que, em um único feudo existia outros sub ? feudos, pressupondo assim a existência de vários senhores feudais.
O requisitado tributarista comenta este período:

A proliferação de grandes feudos fez surgir uma verdadeira desorganização de poder dentro de cada estado, já que não se sabia a quem os súditos deviam prestar obediência. Então aconteceu o seguinte: o senhor feudal cedia parte de seu feudo a outro nobre e nada impedia que este cedesse a um terceiro. Com isso, quando surgia um problema de direito a ser resolvido, nascia também o problema de quem era a autoridade competente para isso, já que ninguém sabia quem era o suserano ou quem era o vassalo .

A administração dos feudos não era a única que se encontrava desorganizada. A cobrança de tributos que era feita através da contribuição na produção agrária, também era feita de forma desordenada, podendo-se presumir que vários abusos ocorriam na tributação pelos senhores feudais sobre os vassalos na utilização da terra.
O Rei ao conceder o feudo dava aos senhores feudais, autonomia para administrar e criar regras como bem entendessem, bem como fixar os valores das contribuições. Era bastante comum que no mesmo feudo ocorresse arrecadação de tributos de forma distinta.
Os vassalos nada podiam fazer, pois, somente dentro de um feudo era possível desenvolver a atividade agrícola àquela época e se garantir proteção. Dessa forma estavam estes submetidos a continuarem a viver sobre uma exploração intensa do senhor feudal, tanto no labor quanto no pagamento dos tributos, demonstrando, notadamente, que a tributação sobre a propriedade territorial rural desse período se mostrou injusta e desordenada, ao ponto de ocasionar discordâncias e lides de toda ordem.

1.5 Fisiocracismo

Os fisiocratas defendiam a tese de que a terra era o único meio gerador de riquezas e que sem a exploração deste bem natural a economia não sobreviveria ou sequer existiria, haja vista que as outras atividades, como a indústria e o comércio não eram autossuficientes, pois, dependiam de forma direta da matéria prima proveniente da exploração das terras para se manter e impulsionar a economia.
Este raciocínio é fundamentado nas palavras de Leo Huberman, abaixo:

Diziam os fisiocratas que somente a agricultura fornece as matérias-primas essenciais à indústria e comércio. Embora concordassem que os artesãos podiam ter um papel útil na transformação da matéria-prima em produto acabado, julgavam que eles não contribuíam para aumentar a riqueza. Depois de trabalhada a matéria-prima valia mais, mas o seu aumento de valor não era igual ao total gasto para pagar ao artesão o seu trabalho. Não havia aumento de riqueza. Isso não ocorreria com a agricultura, diziam eles. Enquanto a indústria era estéril, a agricultura era proveitosa. Muito acima do custo do trabalho agrícola e do lucro do dono da terra, havia um produto líquido devido à generosidade da natureza que representava um verdadeiro aumento de riqueza. O excedente agrícola superior aos gastos, o produit net, diziam, podia variar de ano para ano. Era grande ou pequeno, segundo as estações .

No âmbito econômico e político os proprietários de terras eram tidos pelos fisiocratas como os garantidores da economia, por serem os responsáveis pela exploração da terra. O Estado deveria garantir o direito de propriedade para aqueles que queriam fazer da terra uma fonte de riquezas, de forma que o agricultor pudesse desenvolver livremente as atividades que lhe achassem pertinente.
Novamente, assevera Leo Huberman que:

Os fisiocratas chegaram à sua fé no comércio livre por um caminho indireto. Acreditavam, acima de tudo, na inviolabilidade da propriedade privada, particularmente na propriedade privada da terra. Por isso, acreditavam na liberdade o direito do indivíduo fazer de sua propriedade o que melhor lhe agradasse, desde que não prejudicasse a outros. Atrás de sua argumentação a favor do comércio livre está a convicção de que o agricultor devia ter permissão para produzir o que quisesse, para vender onde desejasse. Naquela época, não só era proibido mandar cereais para fora da França sem pagar imposto, como o próprio trânsito do produto de uma parte do país para outra era taxado. A isso se opunham os fisiocratas .

Para os fisiocratas, o Estado não deveria intervir no fluxo natural da economia, mas para que a harmônica ordem econômica se desenvolvesse de forma organizada era necessário que o Estado garantisse aos proprietários de terras autonomia para explorar a propriedade da forma que lhes conviesse, uma vez que, em qualquer atividade que fosse desenvolvida fora da agricultura, o valor investido seria sempre inferior aos lucros gerados.
Assim, como a terra era propulsora da economia, única fonte geradora de riquezas, deveria ser cobrado apenas um tributo e que deveria ser pago apenas pelos proprietários de terra, o que reduziria significativamente a obrigação do restante da sociedade.
Essa teoria do imposto único foi criada por François Quesnay, um dos maiores fisiocratas. Tal teoria versa sobre a função social dos proprietários de terras, que são os garantidores da ordem natural da economia. É dever dos proprietários realizar o pagamento integral dos impostos, uma vez que, o produto líquido extraído da terra se encontra mas mãos dos mesmos, além do mais seria de responsabilidade do produtor rural a administração e a reparação da terra .
Cumpre-se concluir salientando que, a inadimplência no pagamento dos tributos por parte dos proprietários de terras comprometeria a ordem natural e dessa forma a economia estaria diante de um caos, haja vista que o não adimplemento deste tributo, o único cobrado na época, a sociedade estaria fadada ao fracasso, pois a fonte geradora de riqueza não estaria suprindo de forma autônoma suas próprias necessidades.


1.6 A Influência das Sesmarias e a Lei de Terras

A Sesmaria consistia na distribuição de terras por intermédio do Estado para aqueles que estavam interessados em produzir uma atividade agrícola. A concessão de terras a particulares foi o caminho encontrado pelo Estado para suprir a falta de alimentos e ao mesmo tempo impulsionar a economia que se encontrava em declínio.
O sistema de Sesmaria ocorreu no período do Brasil ? colônia, com algumas influências do sistema português nas chamadas capitanias hereditárias, sendo que em ambos os sistemas concediam-se terras para que fossem feitas as explorações agrárias das mesmas.
Antonino Moura Borges ressalta que "O Brasil ? Colônia foi colonizado pelo regime das concessões, ou, de doações pelo poder público aos particulares, geralmente nobres, fidalgos ou pessoas que tivessem alguma linhagem de nobreza e merecedoras da graça real" .
Aqueles que recebiam a concessão das Sesmarias não estavam isentos de realizar o pagamento de impostos sobre a utilização da terra. O fato das concessões trazerem benefícios de forma indireta para o Governo Português, haja vista que, as extensas áreas de terras não poderiam serem aproveitadas pela Coroa, pois, a mão-de-obra era escassa, logo, essa troca de favores foi suficiente para isentar o produtor de pagar impostos diretamente.
Entretanto, a maneira de se tributar naquela época, ou seja, a cobrança do imposto se dava por meio do dízimo, ou seja, era cobrado um valor correspondente a 10% da produção, de modo que, com exceção dos Jesuítas, todos eram obrigados nesta questão .
Apesar de o sistema ter fracassado foi graças às concessões que atraíram diversos imigrantes, principalmente os portugueses, que contribuíram com a mão-de-obra e o desenvolvimento da agricultura no país.
Outro fator de atração para exploração da terra, diz respeito à emissão de título sobre a propriedade, ou seja, aquele que realizava a exploração da terra tinha o direito de ter um justo título comprovando a sua propriedade em determinada Sesmaria.
As Sesmarias trouxeram à história do Brasil a ideia de Reforma Agrária. Neste país, em que pese os fundamentos e ideais de Reforma Agrária e Política Agrícola nunca terem alcançado de fato o fim a que se buscou, desde o ano de 1850 com a promulgação da denominada Lei de Terras já havia impeditivo legal para a aquisição de propriedades rurais que não fossem pelo instituto da compra e da venda, vedando-se as propriedades ociosas e a grilagem de terras públicas .
Apenas em 1843, todavia, foi incluída a cobrança do ITR em projeto legislativo no Brasil, sendo de toda forma negado o mesmo no ano de 1850. O tributarista Francysco Pablo Feitosa Gonçalves preleciona sobre este período da história brasileira:

Por essa época já havia quem defendesse a criação de imposto territorial rural; em 1843 foi incluído, no projeto da já mencionada lei das terras, um artigo instituindo um tributo sobre as mesmas; tal artigo, contudo, foi rejeitado em 1850. O poder público imperial, contudo, cedeu à pressão das oligarquias, de forma que o referido imposto não foi criado; grandes nomes das letras jurídicas pátrias defenderam a implementação do imposto territorial rural, este, contudo, só viria a ser adotado depois da República .

Desta forma, apenas com a passagem do Império e a chegada da República passou o Brasil a lançar, aplicar e cobrar sobre as propriedades territoriais rurais um imposto específico.
Em que pese serem observadas a cobrança de outros impostos e taxas pelo Imperador, não se fazia de uma maneira organizada e formal tal qual a tributação que se observa hoje, justamente pelo fato de que o Estado Imperial não buscava intervir em fatores privados, tais como saúde, educação e economia.
Com o advento da República, passou o Estado brasileiro de Liberalista à Intervencionista, necessitando organizar seus rendimentos, o que somente era possível através da tributação. Assim, sendo o Brasil àquela época extremamente agrário, não havia melhor forma de outorgar rendimentos senão pela cobrança de um imposto sobre a propriedade territorial rural.
O ITR brasileiro apenas saiu de um pensamento longínquo para o papel formal da lei com o advento da República, permanecendo até hoje nas Constituições nacionais, a diferença principal, todavia, consistia no fato de que até a Constituição de 1946 a cobrança e o cálculo serem de competência exclusiva dos Estados ? membros. O imposto somente passou a ser de competência federal, tal qual nos dias atuais, com o advento da Lei de nº. 4.504 de 1964, denominada Estatuto da Terra, sendo recepcionado nesta parte pela Constituição posterior, a de 1967.
A este ponto já se observou os fatores de criação do ITR e o seu desenvolvimento mundial e nacional, ao longo dos períodos históricos, perpassando por situações propícias ao tema desde a Grécia Antiga até o advento do Estatuto da Terra, no Brasil, em 1964, recepcionado pela Lei Maior de 1967. Cumpre-se então, após tecer estes breves prolegômenos, tratar dos aspectos conceituais ? teóricos e práticos do Imposto da Terra, já no próximo capítulo.


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Autor: Danilo Peixoto Moncaio


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