CRIME X ATO INFRACIONAL



Tendo em vista a necessidade de estudo sobre distinções e analogias entre as expressões "crime" e "ato infracional", respectivamente e sobre os fundamentos enunciados nos diplomas legais que justifiquem os tratamentos diferenciados ao menor infrator.
O Estado vela pela paz, pela segurança, pelas relações intersubjetivas harmoniosas, determinando condições e normas com finalidade de tutelar os bens necessários à sociedade, bens estes considerados relevantes para o bem comum e conseqüentemente protegidos pelo Estado, aplicando quando necessário as sanções mais severas: a pena. (NORONHA, 2000, p. 97).
A essência do crime é a ofensa ao bem jurídico, daí a importância de tutelá-lo através das leis penais. Noronha (2000, p. 97) explica ainda o conceito dogmático do crime, definindo-o como a conduta humana descrita em lei contrária à ordem jurídica, sendo o condutor da ação (o autor) inserido no juízo de reprovação social, e o delito cometido considerado uma ação típica, antijurídica e culpável.
A lei de Introdução ao Código Penal buscou uma conceituação de crime em seu artigo 1º, in verbis:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas alternativa ou cumulativamente. (LICP, art.1º).

Entretanto, no Código Penal vigente não está expresso o conceito de crime, como continha nas legislações passadas, ficando a cargo dos doutrinadores o definirem e conceituarem. (MIRABETE, 2002, p. 95).
Quando um bem jurídico tutelado pela norma penal for lesado, ofendido ou levado às situações de perigo devido às condutas humanas, será caracterizado o crime. O ordenamento jurídico ao passo que autoriza ou permite as condutas humanas, também as proíbe, normalmente sob ameaça de pena. Para a caracterização do crime, é necessário que existam três elementos condicionantes: a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade, ou seja, mesmo que o fato se enquadre em algum dispositivo legal (tipicidade), deve atingir negativamente a sociedade (antijuridicidade), bem como obter um juízo de reprovação subjetiva do agente (culpabilidade), sob a condição da conduta do homem não ser considerada crime. (FRAGOSO, 2003, p. 198 e MARQUES, 2002, p. 8). Neste sentido, percebe-se que não há crime nem ato infracional se o tipo não estiver enquadrado na lei penal, o que vale dizer que: "Não há crime sem lei anterior que o defina" (Princípio da Reserva Legal); "Não há pena sem prévia cominação legal" (Princípio da Anterioridade da lei), ambos presente no artigo 1º do CP e artigo 5º, inc. XXXIX da CF/88, bem como: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (Art. 5º, inc. II, CF/88).
Esta é a chamada divisão tripartida, considerada para alguns autores como o conceito analítico do crime. Estes três aspectos divididos facilitam a aplicação do direito, garantindo que não ocorram contradições decorrentes das arbitrariedades que possam ocorrer, chegando-se a um resultado final justo. (BITENCOURT, 2002, p. 236). Isto reflete uma segurança tanto para o agente infrator, que não estará à mercê do Estado punitivo, quanto para o homem em sociedade, que tem seus atos limitados pela lei.
No que se refere à antijuridicidade, a doutrina denomina a conduta típica e antijurídica de "injusto penal", caracterizado como uma fase anterior ao delito, e para que seja concretizado, exige-se a reprovabilidade do agente em relação à sua conduta, ou seja, ter consciência de que poderia atuar de maneira diversa. (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p. 371). Os crimes e atos infracionais são configurados quando ofendem o ordenamento jurídico. Bitencourt (2002, p. 244) considera antijuridicidade como a conduta proibida pelo ordenamento jurídico, distinguindo duas modalidades do chamado "desvalor". Quando a conduta humana ofende o bem jurídico tutelado, causando exposição, lesão ou perigo, configura-se o desvalor do resultado do fato. Já o desvalor da ação consiste na modalidade em que é concretizada a ofensa. Desta feita, a licitude ou juridicidade da conduta praticada é encontrada por exclusão, ou seja, somente será lícita a conduta se o agente estiver amparado por uma das causas excludentes da ilicitude previstas no artigo 23 do CP/40.
Já a culpabilidade, é considerada como principal fator diferencial entre o ato infracional e o crime: o menor não possui culpabilidade. Sob o entendimento de Muñoz Conde (1988, p. 132), a capacidade da culpabilidade inclui "requisitos que se referem à maturidade psíquica e à capacidade do sujeito para se motivar (idade, doença, mental, etc.). É evidente que, se não têm as faculdades psíquicas suficientes para poder ser motivado racionalmente, não pode haver culpabilidade." É o que acontece com os inimputáveis, descritos no Código Penal, desprovidos da capacidade e culpabilidade não lhe sendo impostas as penas descritas no Código Penal.
Caracterizada como terceiro elemento/condição, a culpa é a ligação entre o fato típico/antijurídico e a vontade do agente, decorrendo também de um juízo de valor que reprova a conduta, configurando a culpa em sentido abrangente. Entretanto, a culpa não existe quando da conduta praticada não for exigida outra (inexigibilidade de conduta diversa) (MARQUES, 2002, p. 9). Mirabete (2004, p. 98) instrui que a culpabilidade é a contradição entre a vontade do agente e a vontade da lei. A legislação penal discorre sobre a questão:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

Ademais, se dentre os elementos caracterizadores da culpabilidade, está a imputabilidade: a capacidade de culpabilidade, os inimputáveis não a possuem, pois devido a uma política criminal, entendeu o legislador penal que os menores são considerados naturalmente imaturos, incapazes de entender suas ações ou de determinarem a este entendimento. (GRECO, 2007, p. 399). Tal presunção encontra-se acolhida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que aplica medidas sócio-educativas aos adolescentes que cometerem algum ato infracional, sempre com a finalidade de protegê-los e ressocializá-los. (GRECO, 2007, p. 400). Interessante expor decisão jurisprudencial acerca do tratamento diferenciado ao menor infrator:

EMENTA: HABEAS CORPUS. ADOLESCENTE. INFRAÇÃO CORRESPONDENTE AO ART. 157, § 2º, I e II, CP. INTERNAÇÃO. PROGRESSÃO PARA O REGIME DE SEMILIBERDADE. ATINGIMENTO DA MAIORIDADE. MANUTENÇÃO DA MEDIDA. POSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 121, § 5o, DO ECA NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA. I - A aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente rege-se pela idade do infrator à época dos fatos. II - O atingimento da maioridade não impede a permanência do infrator em regime de semiliberdade, visto que se trata de medida mais branda do que a internação. III - O cumprimento de medida sócio-educativa para além dos dezoito anos de idade atende aos objetivos do legislador, que são, basicamente, os de preservar a dignidade do menor infrator e promover a sua reinserção no convívio social. IV - Ordem denegada. (HC 91492 / RJ - Relator Ministro Ricardo Lewandowski)

Portanto, cumpre-se observar que o juízo de reprovação voltado ao menor infrator é diferenciado do juízo de reprovação do maior infrator, posto que aquele possui imaturidade mental e necessita de tratamentos que lhes dêem proteção, educação e punição em alguns casos para que seja assegurada uma vida adulta digna. Este é o fator determinante da diferenciação do menor.
Conforme o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº.8.069/90), "considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal", ou seja, para que seja configurado o ato infracional, é necessário que exista os três elementos caracterizadores do crime: a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade posto que o ato infracional e o crime são correspondentes. (NORONHA, 2000, p. 177). Entretanto, partindo-se do critério biológico adotado pelo legislador pátrio no artigo 27 do CP/1940, o qual considera irrelevante o desenvolvimento mental do menor de dezoito anos e/ou se o mesmo possui capacidade de entender a antijuridicidade da sua conduta ou de determinar-se segundo este entendimento (BITENCOURT, 2002, p. 306), os menores infratores são isentos de culpabilidade, submetidos a tratamentos diferenciados, regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
De acordo com o Direito Penal, os menores de dezoito anos são considerados inimputáveis e em relação ao Direito Civil são relativamente incapazes. Portanto, embora o ato infracional e o crime sejam análogos, ambos divergem no que se refere à culpabilidade; o juízo de reprovação das condutas do menor infrator (inimputável) é menor do que o juízo de reprovação das condutas criminosas praticadas pelo adulto (imputável), daí o motivo dos menores se submeterem às medidas de sócio-educativas com tratamentos específicos fundamentais para sua ressocialização e reeducação.
Dessa forma, considerar como informação para fixação da pena-base do agente criminoso, atos infracionais cometidos por este antes da maioridade penal, implica em desconsiderar a inimputabilidade do menor, prevista na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Penal vigente. Isto porque o menor não comente crime, não se submete às penas estabelecidas no código penal, e, portanto, não cabe a consideração dos atos infracionais como maus antecedentes.

Autor: Herrick Marinho


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