INSTITUTO REINCIDÊNCIA, REINCIDÊNCIA DO MENOR E O PROJETO DE LEI 938/2007



Este trabalho, visa evitar a confusão entre o termo "reiterar" e "reincidir", isto porque, na redação do Projeto ora discutido o legislador trata expressamente sobre o termo "reiterar no cometimento de condutas criminosas", o que não se confunde com reincidência:

Art. 59 (...)

§1º No momento da fixação da pena-base, os antecedentes infracionais deverão ser expressamente arrolados e considerados como fonte de informação acerca da personalidade do agente que, após a maioridade penal, reiterar no cometimento de condutas criminosas. (grifos meus).

No dicionário Aurélio há a definição expressa sobre reincidência popular: ato ou efeito de reincidir; teimosia, pertinácia, obstinação; recidiva, recaída. (Aurélio, 1988, p. 185)
O código penal brasileiro vigente não define o instituto da reincidência criminal, no entanto, dispõe em seu artigo 63 a reincidência como circunstância agravante da pena: "verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior" (CÓDIGO PENAL, 1940, art. 63). No artigo 64, do mesmo diploma enumera as ocasiões em que não ocorre a reincidência:

Art. 64 ? Para efeito de reincidência:
I ? não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;
II ? não se consideram os crimes militares e políticos. (CÓDIGO PENAL, 1940, art.64).

A lei de Contravenções Penais, em seu artigo 7º, também aborda sobre o tema: "Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil por motivo de contravenção". (LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS ? Lei 3688/1941).
Damásio de Jesus (1998, p. 437) considera a reincidência sucintamente como a repetição da prática do crime. Capez, (2001 p. 227), segue no mesmo sentindo aludindo que reincidente é aquele que após ter sido condenado por algum crime, em sentença já transitada em julgado, comete outro fato criminoso, agravando sua pena de forma genérica e subjetiva. Ainda nesta linha, alude Sales Júnior (1999, p.100) que o marco inicial é a sentença condenatória com trânsito em julgado e após, a prática de um novo delito. Mirabete (2004, p.296) sustenta que com a aplicação do instituto da reincidência, nasce uma maior censurabilidade no que se refere à ação criminosa e conclui que:
Essa exacerbação da pena justifica-se plenamente para aquele que, punido, anteriormente, voltou a delinqüir, demonstrando com a sua conduta criminosa que a sansão normalmente aplicada se mostrou insuficiente para intimidá-lo ou recuperá-lo. (MIRABETE, 2004, p. 296).

Embora existam doutrinadores como Mirabete (2004, p. 296), que defendem o artigo 63 do CP sob o argumento de que o legislador buscou criar impedimentos para a repetição de crimes, com a intenção de inibir novas ações criminosas, alguns autores como Paulo Queiroz (2001, p.31), Zafaroni e Pierangeli (1997, p.843) contestam a constitucionalidade deste instituto. Alegam os adeptos deste entendimento que acolher a reincidência como forma de agravar a pena do indivíduo que já foi reprimido por um crime anteriormente, é o mesmo que violar os princípios basilares da Constituição Federal de 1988, bem como os princípios do Direito Penal.
Conforme Carvalho (1999, p. 752), a reincidência possui caráter subjetivo, "são normas penais constitutivas, normas que não vetam condutas lesivas, mas que castigam imediatamente; normas que não proíbem atuar, mas ser". Ainda sob o entendimento do referido autor, agravar a pena em razão da reincidência prejudica o agente no que se refere à sua ressocialização. (CARVALHO, 1999, p. 750).
No mesmo entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou na súmula nº. 241: "A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial." (STJ, Súmula nº. 241).
O principio do Non Bis in Idem, expressão em Latim que significa: sem repetição, é, segundo os autores, um dos violados. Este princípio ingressou no ordenamento jurídico através da Emenda Constitucional nº.45, com objetivos relacionados aos Direitos Humanos, adquirindo força de lei ordinária. Sob a luz do entendimento de Zaffaroni e Pierangeli (1997, p.843.844), não existe hipótese que justifique a agravação da pena pela reincidência sem violar o "non bis in idem", além de ser incompatível com os princípios do direito penal.
Paulo Queiroz (2001, p. 22.27.29) assegura que os princípios da proporcionalidade ou da proibição em excesso e o princípio da estrita legalidade vedam a incidência do "bis in idem", o oposto do "non bis in idem". O primeiro princípio tem como objetivo obter uma proporção entre a gravidade da conduta praticada e a pena imposta ao agente. O segundo princípio por sua vez, tem a finalidade de garantir a segurança jurídica bem como um controle da ação punitiva do Estado, assegurando a segurança tanto do agente infrator quanto da sociedade. Neste entendimento, o autor assevera que:

Ao se punir mais gravemente um crime, tomando-se por fundamento um delito precedente, está-se, em verdade, valorando e punindo, uma segunda vez, a infração anteriormente praticada (em relação ao qual já foi o agente condenado e punido)... A reincidência, enfim, constituindo bis in idem manifesto, é, francamente inconstitucional, por violação dos princípios da estrita legalidade e proporcionalidade. (QUEIROZ, 2001, p. 29).

Além disto, a reincidência como circunstância agravante afeta o princípio da igualdade, vez que a garantia atribuída no dispositivo legal referente ao lapso temporal de cinco anos, garante a "ressocialização" do agente, entretanto, ao contrário disto, será impregnado ao longo da sua vida a pena já cumprida. Viola ainda o princípio da culpabilidade, pois ao imputar uma responsabilidade penal exclusivamente voltada à pessoa que cometeu o crime e não à conduta delituosa praticada, atribui uma dupla culpabilidade, sendo que ambas são voltadas à primeira infração, já cumprida. Ademais, é incompatível com o princípio da dignidade humana, vez que, estará rotulado para todo o sempre, dificultando sua vida em sociedade, convivendo com preconceitos agravados pelo sinal da reincidência.
Zaffaroni e Pierangeli (2004, p. 796) também criticam a reincidência como agravante da pena sob o fundamento de ser ela uma política criminal estatal, com interesses ao diferenciar as pessoas em "disciplinadas" e "indisciplinadas", violando as funções do Direito Penal. Além disto, aduzem que a agravação da pena pela reincidência não possui compatibilidade com os princípios do Direito Penal e garantias, tendo sua constitucionalidade duvidosa e compara com os ordenamentos jurídicos sul-americanos que já excluíram a reincidência. Ainda neste mesmo sentido, aduz Queiroz (2001, p. 29) que:

Além disto, a reincidência é o reflexo de uma política criminal: o juiz se curva, sempre, trás uma dada concepção político-criminal, dentre as várias possíveis, ainda quando supõe, acriticamente, estaria julgando "rigorosamente conforme a lei", lei que já é em si a expressão de um fazer política. (QUEIROZ, 2001, p. 29)

No que se refere à reiteração dos atos infracionais cometidos por menores de dezoito anos, Antônio Chaves (1997, p. 482) ao comentar sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, invoca as palavras do parecer da Dra. Isabela Garcia, afirmando que a reiteração de atos infracionais não se confunde com a reincidência, pois reiterar significa "tratar-se de ato ou efeito de reiterar; repetição, renovação". Quando o menor reitera em atos infracionais, o próprio Estatuto se encarrega de aplicar as medidas educativas pertinentes, na medida da gravidade da reiteração, como exemplo, a medida privativa de liberdade. Desta forma, apesar dos termos serem semelhantes, o legislador preferiu não abrigar o instituto da reincidência na elaboração do Estatuto, escolhendo o termo "reiteração de atos infracionais" quando se referir à reincidência como analogia.
A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça entende que o ato infracional não pode ser considerado como circunstância agravante da pena:

HABEAS CORPUS. Roubo Tentado. Decisão monocrática que havia fixado o regime aberto para o início do desconto da pena e concedido sursis. Acórdão que estabeleceu o regime fechado para o cumprimento da reprimenda, cassando a suspensão da pena. Gravidade do delito. Ato infracional anteriormente praticado que não pode ser considerado na fixação do regime mais gravoso. Circunstâncias judiciais favoravelmente valoradas. Pena-base estabelecida no mínimo legal. Ausência de fundamentação idônea para a imposição do regime mais gravoso e para a cassação do benefício do sursis. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem concedida. (Habeas Corpus 85248/SP, relatoria da Ministra Jane Silva.) (grifos meus).

Desta forma, a redação do projeto, ao dispor do termo: "reiterar no cometimento de condutas criminosas" não traz uma idéia de que o agente é reincidente no crime, caso contrário, estaria induzindo o magistrado a aplicar a reincidência indiretamente, agravando a pena do agente, que no tempo da conduta era inimputável, acarretando, desta forma, a desconsideração da distinção entre crime e ato infracional, atingindo conseqüentemente, o instituto da culpabilidade e o da inimputabilidade do menor de dezoito anos.
No que se refere a este assunto, o Projeto de Lei não confronta o ordenamento jurídico, entretanto, a crítica do presente trabalho reside na proposta de considerar o passado infracional do menor como circunstância judicial no momento da fixação da pena-base do mesmo que após a maioridade repete em condutas criminosas. Isto porque, considerar os atos infracionais como antecedentes criminais resulta numa contradição com a Carta Magna, com o Código Penal e com o ECA, no que tange ao instituto da inimputabilidade, bem como um dos princípios basilares do Estatuto: Princípio da Sigilosidade.

Autor: Herrick Marinho


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