Perpetuação de estigmas nas escolas e nas salas de aula: a importância do comprometimento e respeito ao outro e às suas diferenças



PERPETUAÇÃO DE ESTIGMAS NAS ESCOLAS E NAS SALAS DE AULA: A IMPORTÂNCIA DO COMPROMETIMENTO E RESPEITO AO OUTRO E ÀS SUAS DIFERENÇAS

Núbia Ketyllen Zeferino

RESUMO PORTUGUÊS

Este artigo busca descrever e analisar situações estigmatizadoras perpetuadas nas escolas. A ênfase nos anos iniciais de escolarização se deve à necessidade de que, especialmente nessa fase, haja conscientização, respeito às diferenças e conseqüente erradicação de estigmas. Visto que, os rótulos difundidos e assimilados nas primeiras vivências escolares podem convencer o aluno de que ele não é capaz de se superar, de se destacar pelas suas diferenças e de usufruir destas como meio de socialização e contribuição no grupo. O papel da escola, nesse sentido, é primordial em uma de suas funções precípuas: educar para o respeito. Na sociedade plural, diferenças são riquezas e contribuem eximiamente para a valorização da diversidade cultural, imprescindível nas escolas.

Palavras-chave: Estigmas, Rótulos, Professor-alunos, Sala de aula


PERPETUATION OF STIGMA IN SCHOOLS AND IN CLASSROOMS: THE IMPORTANCE OF COMMITMENT AND RESPECT FOR OTHERS AND THEIR DIFFERENCES

ABSTRACT ENGLISH

This article aims to describe and analyze situations perpetuated stigma in schools. The emphasis in the initial years of schooling, is the need for that, especially at that stage, there is awareness, respect for differences and the consequent eradication of stigma. Since, the labels disseminated and assimilated in the early school experiences can convince the student that he is not able of if surpassing, to highlight their differences and use them as a means of socialization and contribution within the group. The role of the school, accordingly, is essential in one of its key functions: educate for the respect. In the plural society, wealth differences are expert and contribute to the enhancement of cultural diversity, essential in schools.

Key-words: stigma, labels, teacher-students, classroom
INTRODUÇÃO

O interesse pela temática da perpetuação de estigmas na escola e na sala de aula emerge do estudo sobre pesquisas educacionais que vêm apontando o crescimento da intolerância e do desrespeito ao outro e às suas diferenças (AQUINO, 1996; PATTO, 1999; ABRAMOWICZ e MOLL, 2003). Diante disso, apresentaremos e cotejaremos, nesse artigo, pesquisas educacionais realizadas, buscando problematizar questões e levantar alguns apontamentos que podem contribuir no comprometimento de todos os interessados na melhoria da qualidade educacional.
A definição da palavra estigma no dicionário apresenta-se como: "cicatriz, sinal" (FERREIRA, 2004). Tendo em vista o nosso interesse em empreender no desdobramento desse termo com fins educacionais, apoiamo-nos no uso da palavra "estigma" utilizada por Erving Goffman (1988) que também trabalha nessa perspectiva. Para ele, os estigmas sociais são imputados ao outro por pré-concepção das características que esse outro deixa transparecer, mas que nem sempre são reais. Ao enfatizarem-se rótulos negativos de determinado ator social, este recebe uma marca que o desqualifica. Essa marca, que aqui denominamos estigma, realça aspectos negativos da personalidade alheia e ignora suas qualidades. De certo modo, os rótulos parecem conter em si o sentido de um "defeito moral contagioso" (GOFFMAN, 1988, p 44), como se o estigmatizado transmitisse aos outros pelo contato físico, as suas características. Em parte, a maximização do defeito e o preconceito podem estar pautados na difusão desse ideário da contaminação.
Na sociedade há inúmeros preconceitos que estigmatizam os atores sociais. Estes, por sua vez, variam segundo o nível social, grupo de pertencimento, grupos minoritários, deficiência física e mental, partidos políticos, e ainda grupos racial, étnico, religioso, sexual, cultural, profissional e escolar.
Dentre estes, optamos por desenvolver nesse estudo, a estigmatização escolar, pois, mediante o desenvolvimento da pesquisa de Mestrado sobre interação professora e alunos , foi possível perceber a grande incidência de rótulos propagados na sala de aula e na escola (ZEFERINO, 2007). Desse modo, torna-se instigante estudar com mais afinco a temática da perpetuação de estigmas no ambiente escolar com o objetivo de expor essa realidade, apresentar as possíveis conseqüências desastrosas de uma interação em que impera o desrespeito ao outro e, por último, apontar perspectivas de trabalho escolar no combate à estigmatização.
Por essa razão faz-se necessário diferenciar "situações estigmatizadoras " esparsas, de "condições estigmatizadoras" impostas ao outro. Ou seja, nesse último caso, o ator social é marcado, influenciado em sua vida social, pessoal, emocional e profissional, por essa marca e levado a crer que é incapaz. É como se ele carregasse um rótulo pela sua vida afora e nele se apoiasse como recurso justificador de sua situação.
Tanto na "situação" quanto na "condição estigmatizadora" há estigmas aparentes (visíveis), que podem ser assim exemplificados: deficiência física e/ou pertencimento a um determinado grupo social com suas formas peculiares e identificáveis de se vestir, se ornamentar e se produzir; e os estigmas não-aparentes (invisíveis), em que se faz necessário um processo interacional mais intenso para que eles possam vir à tona. Os não-aparentes são imputados ao outro na interação, na medida em que são apresentadas características, defeitos e diferenças no campo subjetivo. Outro dificultador precisa ser evidenciado quanto aos estigmas não-aparentes: eles são passíveis à interpretação alheia, portanto uma interpretação subjetiva, que pode incorrer em injustiça pelo preconceito e julgamento precipitado e errôneo da personalidade do outro. Diante disso, reafirmamos a abordagem acerca da estigmatização escolar enfatizando, porém, os estigmas invisíveis perpetuados nas escolas.
Após esta breve introdução ao tema, apresentaremos no segundo tópico: A disseminação de estigmas invisíveis no ambiente escolar. No terceiro tópico, ressaltaremos a discussão sobre: O respeito às diferenças como promotor de solidariedade e harmonização no ambiente escolar. Enfim, a conclusão desse artigo apresenta posicionamentos em constante processo de construção e reconstrução, uma vez que a abertura (a) à mudanças e aperfeiçoamento é um dos pilares desse estudo.

A DISSEMINAÇÃO DE ESTIGMAS INVISÍVEIS NO AMBIENTE ESCOLAR

Muitas vezes, é no ambiente escolar que os rótulos são impostos e disseminados. Contraditoriamente, a escola que deveria ser um espaço de conscientização da aceitação das diferenças ? não de ocultação, mas de revelação e respeito por tais ? acaba reproduzindo estereótipos no campo da subjetividade e acentuando a discrepância entre a "identidade social virtual" e a "identidade social real" (GOFFMAN, 1988). Segundo esse autor, ao longo da vida, nas interações cotidianas que se estabelecem com o outro, vai sendo construída uma imagem social do indivíduo que nem sempre corresponde à realidade, mas sim ao que o autor chama de identidade social virtual. Já os atributos nomeados como identidade social real, são de fato, os elementos que categorizam e inserem o indivíduo nos diversos grupos sociais. Assim, Goffman (1988) tece a noção de identidade baseando-se no que chama de "marcas de apoio à identidade", ao apontar que o ambiente social estabelece os meios de categorização e o total de atributos tidos como comuns e naturais para os membros que se inserem em cada grupo. São exatamente essas diferenciações que permitem o sujeito construir sua identidade social. O impasse se dá quando o grupo exige do indivíduo características "esperadas" que não correspondem às categorias e atributos que o sujeito possui, podendo implicar num processo de discriminação e exclusão social. Em nosso enfoque, o aluno poderá ser vítima de uma suposição levantada devido a traços de sua personalidade que vêm à tona, esporadicamente, mas que não são reais, ou seja, não vigoram no campo da personalidade, mas do comportamento.
Alunos que antes não haviam sido vitimados pela família e pela sua comunidade são expostos na sala de aula a adjetivos pejorativos e lesados na sua condição emocional, intelectual e possivelmente na sua trajetória profissional. Uma situação ainda mais constrangedora pode se manifestar: é possível que alunos estigmatizados na família recebam o reforço do estigma na escola, ou ainda, incorporem ao estigma anterior, um outro.
Na sala de aula observada, na Escola da Prata , observaram-se muitos adjetivos encetados e que marcavam profundamente os alunos. Alguns deles faziam analogia a animais e, subjetivamente, implicavam irracionalidade do outro ao qual eram direcionados tais adjetivos. A correlação entre alunos e animais não demonstravam um caráter carinhoso, mas sim um caráter infame. Foram registrados, por exemplo: "perereca ambulante" (em referência a um aluno considerado homossexual pelos colegas de turma) e "jararaca" (por metáfora: pessoa má, traiçoeira ou geniosa). A aluna Maria Clara lamentou o apelido que recebeu:
"Ah, ês (sic) fica (sic) me chamando de jararaca, faz (sic) umas (sic) pegadinha (sic)..." (Entrevista, aluna Maria Clara).

Além desses, os alunos se apelidavam também de "bebezão" (em referência àqueles que se molhavam ao tomarem água no bebedouro); "gago" (em depreciação a um aluno que sofria de gagueira); "tagarela". Como conseqüência dos apelidos empregados, ouviam-se sempre gargalhadas na sala de aula.
Uma outra situação registrada na pesquisa de campo apontou o interesse dos professores em obterem, com seus colegas de trabalho, informações de alunos antes de iniciarem um ano letivo. Assim, informações que, a princípio teriam cunho pedagógico, poderiam repassar impressões subjetivas e propagar rótulos. Nesse caso, os professores seriam influenciados por informações negativas de seus futuros alunos, o que poderia comprometer a interação, a aprendizagem e até mesmo o sucesso escolar na próxima etapa da escolarização do estudante. Em situações nas quais essas informações não são transmitidas, os professores podem também imputar aos alunos suas próprias expectativas ? "profecia auto-realizadora" ? termo por nós apropriado e utilizado por Rosenthal & Jacobson (RASCHE; KUDE, 1986).
). De forma contrária, se o professor cria expectativas negativas quanto a um aluno ou grupo de alunos, estes poderão ser prejudicados, recebendo pouca atenção nas aulas e poucos convites à interação e comprometimento escolar. Dessa forma, os alunos serão frutos das expectativas favoráveis ou desfavoráveis dos professores.
É profícua a interação motivadora, de valorização das qualidades, de capacitação e apoio para que os alunos atinjam o sucesso escolar e, consequentemente, os professores obtenham também sucesso. O sucesso escolar visa a obtenção de bons resultados, ao colaborar para o aprimoramento dos conhecimentos dos alunos a partir de suas habilidades, competências e potencial diversos. Muitas vezes, o medo de se expressar, a preocupação excessiva com o julgamento do outro, a timidez e a inibição são resultado de interações mal sucedidas nas salas de aula: interações que coibiram manifestações espontâneas e erroneamente rotularam crianças espontâneas de mal educadas ou inquietas.
Os professores têm a capacidade de promover e disseminar o respeito ou a proliferação de estigmas por meio de atitudes coniventes, pelos seus exemplos e pelo clima escolar promovido. Em alguns casos, professores são promotores das divisões de alunos na turma ao conceder a eles atributos relativos ao rendimento bom, médio e fraco. Em situações como estas, Geer (1982) considera a instituição escolar vantajosa para os professores, por se constituir em um ambiente propício ao controle da ordem, da avaliação, do disciplinamento dos alunos e pelo apoio pedagógico recebido. Nas palavras desse autor, "o professor tem a vantagem de jogar em casa" e quase sempre obter a vitória a seu favor, em caso de conflitos com os alunos (GEER, 1982, p. 193).
As conseqüências e a influência negativa dos estigmas na vida social são assim descritas por Goffman (1988, p 149): "Os atributos duradouros de um indivíduo em particular podem convertê-lo em alguém que é escalado para representar um determinado tipo de papel" e "podem ter um efeito muito profundo sobre os que recebem o papel de estigmatizado". De forma semelhante, outra autora, Keddie (1982), aponta que a classificação de alunos bons, médios e fracos pode comprometer o desempenho dos mesmos e tornar-se uma marca incontestável, inclusive por estar impressa no histórico escolar do aluno.
Estigmatizar negativamente um aluno significa rotulá-lo como incapaz, negando-lhe a oportunidade de superar seus próprios limites e demonstrar suas potencialidades. Observam-se situações nas quais a insistência e o reforço sobre o estigma de um aluno, têm a intenção de manter a ordem, o controle e a disciplina nas salas de aula, um domínio exercido por meio da exploração da diferença, persuadindo-o.
Há, portanto, estigmas que enfocam características positivas dos alunos, devido ao destaque que eles conseguem em relação aos demais pelo que Gardner (1995) denomina, tipos de inteligências múltiplas que deixam sobressair. Estes estigmas engendrados por características positivas, por sua vez, podem encetar situações negativas se levarem o outro a crer que não podem avançar aos seus limites. Um certo tipo de acomodação que leva um aluno muito inteligente a estagnar em determinado patamar. Essa conformação pode ser combatida pelo aluno consciente de suas capacidades e da importância de mantê-las recorrendo a estratégias que ele considere satisfatórias para aprimorar seus conhecimentos.
É nesse sentido que se torna interessante analisar a construção dos estigmas nos anos iniciais de escolarização, pois nessa fase, podem surgir estigmas que se perpetuarão nos demais anos da trajetória escolar dos alunos, acompanhando-os e prejudicando-os abruptamente. Acredita-se que alguns estigmas imputados ao outro na escola podem acompanhar o aluno em diferentes fases de sua vida, causando-lhe constrangimentos e dificultando a sua trajetória de sucesso particular, familiar, estudantil, profissional e social.
Percebe-se que atributos diferenciais ganham projeção de defeitos e, portanto, um martírio para a vida de muitos alunos. Esses, por sua vez, imergem em um processo que busca camuflar um estigma que lhes fora atribuído. Escondendo o estigma, escondem-se a si mesmos, tornando-se arredios, pouco participativos, tímidos. Insurgem ainda quadros de agressividade, resistência e violência escolar. Além de um outro perfil, o de alunos carentes afetivamente, em razão de cisões na sala de aula, nas quais, são dispensadas menos oportunidades de expressão a esses alunos.
Sirota (1994) e Forquin (1995) alertam para o risco de os fracassos escolares serem conseqüências de desastres relacionais entre professores e alunos. Os desastres relacionais no processo de socialização dos estigmatizados poderão torná-los: a) conformados e passíveis a sua situação; b) protegidos e c) conscientes dos seus limites. No primeiro caso de conformação, acontece a incorporação da crença da desvantagem, onde os atores são passivos, com predisposição à "vitimização". Os preconceitos e rótulos podem afastar o indivíduo da vida em sociedade e, além disso, torná-lo desacreditado para si próprio. Ao passo que os protegidos (segunda situação), são impedidos de se confrontarem com situações que os diminuam, ignorando, assim, a importância e a necessidade de se posicionarem. No caso de crianças protegidas há a preocupação errônea de dispensar-lhes gentilezas e atenção exagerada que não seriam dispensadas a uma outra pessoa. Faz-se necessário salientar que a proteção, a qualquer momento, pode fracassar, uma vez que experiências de socialização acontecerão fatalmente. Na escola, por exemplo, o aluno protegido e estigmatizado estará exposto à interação com outros atores sociais e terá que interagir com os outros. Os conscientes (terceira situação) têm clareza de seus limites e também de suas capacidades, portanto, maior facilidade em lidarem com suas diferenças. Esse grupo de atores ativos reconhece, sobretudo, as suas qualidades, embora tenham consciência dos seus defeitos, esses não são motivo de depreciação. Para eles, limitações são inerentes a todo ser humano.
O estigma pode desestimular o ator social, levando-o a crer que sua situação é intransponível, tanto no caso de alunos tidos como brilhantes, quanto os alunos, considerados fracos. Alguns podem também se apoiar nos estigmas para justificar atitudes, perdas e fracassos. Com isso, observarmos que os estigmas, em quaisquer situações de passividade, proteção ou conscientização podem engendrar:
Ø insegurança (pelo julgamento dos outros);
Ø superexposição (pelo fato de se sentir pertencente a uma pequena minoria);
Ø valorização extrema (do estigmatizado, como se a sua diferença o colocasse como herói);
Ø baixa expectativa (dos outros em relação à capacidade intelectual do estigmatizado).
Ø isolamento (pode ser impulsionado pelo protecionismo, segundo o qual o aluno sente-se inadaptável).
Ao contrário, faz-se necessário reflexão, aprendizado, auto-estima moderada e respeito a si próprio para alcançar uma experiência de sucesso na vida.
O cenário que vai se formando em escolas, mais especificamente, em salas de aula, onde vigoram os estigmas é de divisões e agrupamentos de alunos com características semelhantes ao seu grupo. A acentuação do prestígio destinado a um dos grupos realça, ainda mais, a hierarquização do saber, no qual uns são considerados mais inteligentes que outros. A sala de aula passa a ser um espaço social subdividido em várias regiões, uma arena, (BOURDIEU, 2006) composta por alunos resistentes às regras escolares; silenciados pelo medo e vergonha; alunos protegidos; carentes; em lugar de uma sala de aula composta por alunos amparados, motivados, incentivados, impulsionados, valorizados, enfim desafiados a ser melhores.
Estigmas dividem o espaço social, enquanto que as diferenças enriquecem-no. Goffman (1988, p 105), a esse respeito descreve:

"...quando o estigma de um indivíduo se instaura nele durante a sua estadia numa instituição, e quando a instituição conserva sobre ele uma influência desacreditadora durante algum tempo após a sua saída, pode-se esperar o surgimento de um ciclo específico de encobrimento."

Encobrimento esse, que quando desvelado, requererá cuidados específicos para encorajar e inverter a situação de fracassado a bem-sucedido. Esforços precisarão ser despendidos no intuito de levar o indivíduo a se reconhecer capaz, elevando sua auto-estima e potencialidades.
Os estigmatizados passarão a enfrentar um ou mais dilemas, dentre eles: negação do estigma a eles atribuído; conscientização, tomada de decisão e de posicionamento em defesa de si próprios; e reconhecimento de suas capacidades.

O RESPEITO ÀS DIFERENÇAS PROMOVE RIQUEZA NO AMBIENTE ESCOLAR

O respeito pelas características do outro acrescentam à dinâmica escolar, mais especificamente, à sala de aula, tornando esses ambientes, espaços de socialização ricos em habilidades diversas, quando aproveitadas e valorizadas. É importante que todos os atores sociais que interagem na sala de aula estejam conscientes da situação das diferenças e da necessidade de ser tolerante a elas. O professor imbuído de sua autoridade (BOURDIEU e PASSERON, 1974) pode desempenhar um papel crucial nas salas de aula que é discutir diferenças e respeito mútuo; primar pela harmonia na sala de aula e enriquecer as aulas aproveitando-se de situações diferenciais, por meio de projetos educacionais voltados a esse fim.
O aluno precisa ser respeitado como aluno, da mesma forma como o professor precisa ser respeitado como professor, sem predileção por alguns dos seus pares. Assim, a escola de um modo geral e a sala de aula precisam ser espaços de motivação, de valorização das diferenças e de apoio ao aluno, ao invés de um espaço em que o aluno se sinta rejeitado e depreciado. Tratar o diferente como diferente, sem tentar coibi-lo a ter reações e respostas esperadas. Mas, a partir de suas atitudes diferenciais, valorizar a pluralidade. Caso contrário estaríamos defendendo uma escola robótica, onde se prevaleceria a igualdade de opiniões, de manifestações, sem abertura a imprevisibilidades e criatividades que dinamizam o cotidiano escolar e caracterizam um clima motivacional nas escolas. A robotização do trabalho escolar pode acentuar nos alunos um ideário difundido e presente no inconsciente coletivo de muitas crianças: escola não é o local que prima pelo aprendizado, ou seja, nela não se pode errar, é preciso reproduzir conhecimentos prontos e acabados, em detrimento à criatividade e imaginação. O medo de errar encontra justificativas em situações nas quais o aluno se sentiu coibido por respostas dadas por ela e consideradas inadequadas pelos seus professores. Nesse sentido, as crianças são levadas em crer que não são capazes de produzir.
O respeito pela espontaneidade das crianças, dos adolescentes, jovens e adultos estudantes, precisa ser considerado no currículo escolar. A concepção de aluno ideal (adaptado) em confronto à concepção de alunos infratores (inadaptados às regras escolares) podem desencadear estereótipos e injustiças. Isso porque o posicionamento dos alunos pode ser mal interpretado pelo professor, e a expressão passar a ter cunho de desacato.
Muitas vezes, a forma de correção que o professor utiliza pode demonstrar e reforçar estigmas: ao apelidar os alunos de papagaio, por que estão conversando muito; ao rasgar uma folha de caderno do aluno; ao intimidá-lo frente aos colegas por uma resposta que não era a esperada (ZEFERINO, 2007). Delamont chama a atenção para a dimensão de poder presente nas situações sociais que pode constranger os atores da cena de aula a agirem conforme a intenção do outro, a despeito das interpretações alheias (DELAMONT apud RESENDE, 2003). Os estigmas, na visão de Coulon (1995b), podem influenciar o estigmatizado, a ponto de o seu comportamento tornar-se coerente ao rótulo.
O aluno pode se perceber em uma cilada, na qual serão necessárias estratégias para se jogar o jogo escolar. Ele terá que administrar, assim, um conceito social pejorativo a ele atribuído e, muitas vezes, não terá consciência de como administrar essa situação frente à turma de alunos e professor. Gofffman (1988, p 138) alerta-nos para o fato de que

[...] uma condição necessária para a vida social é que todos os participantes compartilhem um único conjunto de expectativas normativas, sendo as normas sustentadas, em parte, porque foram incorporadas.

Dessa afirmação do autor podemos depreender que quando regras escolares são quebradas pelos alunos nas salas de aulas, alguns professores, logo atribuem aos alunos transgressores, um rótulo que se for reforçado, pode tornar-se um estigma. Por sua vez, o aluno submetido à autoridade professoral pode ter atitudes que reafirmem o rótulo, no caso da transgressão às regras, agir com resistência, violência e indisciplina escolares. Na pesquisa de campo realizada na turma dos anos iniciais, pôde-se perceber que os atores submissos a um poder nem sempre permanecem passivos a ele, como nas situações em que os alunos brincavam de imitar a professora com gestos, entonação de voz e feições nervosas, repetindo frases por ela pronunciadas (ZEFERINO, 2007).
Um diálogo captado na sala de aula observada, nos esclarece que os estereótipos penetram as escolas e as salas de aula também por meio dos tipos de interações estabelecidas (ZEFERINO, 2007). Nesse diálogo a professora comunica que no dia seguinte eles iriam preparar uma salada de frutas. A curiosidade de um aluno novato levou-o a questionar se a salada era de verdade ou de "mentirinha". A professora retrucou: "Tem como comer salada de fruta de plástico? Você come?" A risada da turma ressoou imediata. Em princípio essa resposta da professora desrespeita o processo formativo do aluno e também pode condicionar os atores escolares, a tratar com desrespeito o outro com o qual se interage e atribuir-lhe características pejorativas com base nas falas, comportamentos, posição social e desenvolvimento cognitivo próprios de cada um, além de coibir manifestações espontâneas, criativas e que fazem parte do processo de formação intelectual do aluno.
É instigador analisar situações ocorridas nas salas de aula, em que não se respeitam as diferenças de raciocínio, as múltiplas inteligências, a espontaneidade de expressão e as formas variadas de construção do conhecimento. Sendo que a ebulição de pensamentos, a capacidade de crítica do conhecimento, a formulação de idéias, não poderiam ser manifestados em um espaço mais propício para isso, do que na sala de aula.

CONCLUSÃO

Mediante ao exposto acreditamos que a escola é um dos espaços sociais importantes para a erradicação de rótulos e estigmas. Nela os profissionais da educação devem trabalhar em prol do respeito ao outro e às diferenças sociais, utilizando-se de recursos didáticos, como: projetos educacionais, jogos, dinâmicas, projeção de filmes voltados à importância de cada um e de todos. Esses recursos devem ter o objetivo principal de incluir, não de eliminar uns aos outros.
Nos dizeres de Cajal (2001), o espaço social da sala de aula é, em princípio, um lugar com competência para prolongar os conhecimentos da criança e aprimorá-los, ou para dificultar o acesso a esse conhecimento. Acredito que, de fato, a sala de aula é um local apropriado para arriscar, supor, levantar questionamentos, sem incidir no risco de, por meio de tais tentativas, ser rotulado. Por não atinarem ao fato de que respostas prontas e acabadas contribuem pouco para a criatividade e crítica, muitos professores inibem as manifestações espontâneas dos alunos e os ridiculariza em detrimento à valorização de alunos que reproduzem respostas esperadas por ele professor.
Os professores recorrendo a sua autoridade docente podem dela usufruir para considerar as respostas como contribuição à aula, uma vez que um levantamento pouco convencional e surpreendente pode enriquecer imensamente as aulas e torná-la mais participativa e interessante. Faz-se necessária uma mobilização nas escolas em prol da erradicação de estigmas, impedindo, assim, que estes se perpetuem. Os projetos educacionais são instrumentos eficazes na valorização das diferenças e, portanto, no trabalho de solidariedade entre os atores escolares e comunidade escolar.
Ressaltamos a importância do respeito mútuo, favorável à conscientização das diferenças de cada um, haja vista o insucesso das situações coletadas em campo (ZEFERINO, 2007), nas quais vigoraram a hostilidade. Em síntese, os estigmas não trazem benefícios, ao contrário, eles depreciam o outro e, indubitavelmente, dimensionam as diferenças para desvalorizá-las e camuflam as mesmas diferenças para não valorizá-las.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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1 Professora ? 1º e 2º ciclos ? Prefeitura Municipal de Belo Horizonte/MG
2 Pesquisa realizada em Lagoa da Prata/MG, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Gradução em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em 2007.
3 A definição de situação diz respeito a um processo, no qual se explora e se sente através do comportamento e do pensamento, as possibilidades de uma situação, na maioria das vezes, intimamente subjetivo que é elaborado mais de uma vez na mente de cada um (WALLER, 1967). Enquanto que a condição é mais rígida e duradoura.
4 Nome fictício concedido à Escola em que se realizou a pesquisa.
5 Todos os atores dessa pesquisa receberam pseudônimos escolhidos por eles a fim de preservar-lhes a identidade.















Autor: Núbia K. Zeferino


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