Da digressão ao link



Da digressão ao link é uma forma de chamar nossa atenção para algumas alterações na língua e no processo de comunicação. Não se trata de um julgamento, mas de uma constatação: a língua, como um organismo, é viva; o mesmo ocorre com o processo de comunicação.

Houve uma época na qual a pessoa quisesse saber como estava uma situação perguntava: "está tudo bem?" O tempo passou e a pergunta passou a ser: "E daí, tá legal?" ou, "Com?é que tá o barato?". Nos dias atuais, as fórmulas são variadas: "E daí, mano?"; "Fala?aí, brô". E a resposta, na atualidade, para falar que algo está bem, expressa-se com um: "Irado"; "Maluco, brô"; "manero"

O problema é que, em muitos casos, o processo da comunicação se esvazia ou nele se insere um volume tão grande de entulho verbal, de palavras inúteis ou sem sentido que a comunicação deixa de ser comunicação para virar um diálogo de surdos: pode-se falar, mas não se ouve ou não se entende... "Tipo assim...". Chegamos ao ponto em que usamos a mesma língua, mas não nos entendemos. Uma pessoa que tenha nascido nos anos 1940 tem dificuldade em entender o que diz a geração internet, que se impôs sobre a "geração coca cola", neste inicio da segunda década do século XXI.

E assim por diante poderíamos enumerar um "rosário" de expressões que não dizem nada, mas que estão presentes na língua falada entulhando a comunicação. Como exemplo podemos nos lembrar a invasão do "gerundismo", que apesar de estar perdendo o fôlego, infelizmente continua emporcalhando nossa língua: "estaremos anotando" em vez de anotaremos; "estaremos providenciando" em lugar de providenciaremos; "estarei ligando" em vez de dizer ligarei...

Mas voltemos um pouco no tempo... em tempos passados, como hoje, quem estivesse falando ou escrevendo podia passar de um assunto a outro. E fazia isso a partir de um ponto, de uma palavra ou de uma situação na fala ou na escrita. Era como que um salto pelo qual se passava de uma situação para outra de uma fala para outra... A isso se chamava Digressão.

Então, o que é a digressão? Pode ser vista tanto como um recurso de comunicação como uma situação em que o falante se perde no processo e "viaja na maionese", perdendo o "fio da meada". A digressão pode acontecer assim: o orador ao fazer um discurso sobre os problemas da crise do petróleo no oriente médio, faz uma digressão para discorrer sobre o crescimento da indústria automobilística no Brasil.

Passaram-se alguns anos e o processo de comunicação se modernizou. Ganhou força e se tornou um meio de interferência na vida e no cotidiano das pessoas. Podemos ver esse processo cada vez mais crescente em nossa sociedade em que a moda não é ditada pelos estilistas, mas pelos personagens da última novela. Foi nesse contexto que a digressão perdeu espaço para o gancho.

A pessoa estava numa reunião, em que se discutiam estratégias de ação da empresa. Um dos diretores faz sua apresentação dizendo, por exemplo, que se deve investir num novo nicho do mercado da informática. Ao falar isso, outro diretor pede a palavra, dizendo: "vou aproveitar o que você disse para fazer um ?gancho? em relação à informática e às nossas filiais..." Ou seja, a palavra informática usada em um sentido, foi o ponto de chamada para se falar de algo que ainda não havia sido mencionado. Era o "gancho": o ponto em que uma situação falada ou escrita despertava para outra situação; era um ponto de transição, semelhante à "digressão".

O tempo continuou passando, inexoravelmente nos conduzindo ao nosso destino: o final. Mas antes de chegarmos ao fim, assistimos outra mudança. Com a chegada da "era da informática" nos inserindo no universo virtual e a mudança de assunto deixou de ser digressão ou gancho. Americanizou-se e virou link.

Encontramos as situações de link não só no texto virtual com na língua falada. O cara está falando sobre um tema e, ele mesmo ou outra pessoa, introduz uma nova temática, a partir de algo mencionado na fala principal. O link é uma forma de mudar de assunto a partir de uma palavra ou expressão no texto ou na fala. É um ponto de transição no discurso.

Você deve estar se perguntando: onde pretendo chegar com essa comparação?

Na realidade, a lugar nenhum. Estou apenas discorrendo sobre uma transmutação da linguagem. Isso é bom?

Nem bom ruim. Apenas podemos constatar o que muitos lingüistas afirmam: a língua não é um fenômeno estático. Isso implica dizer que precisamos nos reinventar, constantemente, para não fecharmos os canais de comunicação. Isso também explica o porquê de tanto desencontro entre gerações. Não só os valores se alteraram na relação pais e filhos, escola e estudantes... mas também linguagem com a qual nos comunicamos. Mantemos o bom e velho português, mas precisamos nos reinventar para manter um link entre gerações.


Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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Autor: Neri P. Carneiro


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