PROVAS ILÍCITAS E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO PENAL



1 INTRODUÇÂO

A defesa das garantias constitucionais e o devido processo legal ganha maior reforço quando da explicitação da proibição de prova ilícita no processo penal de forma pormenorizada, no seu art. 157, após reforma processual.
Tal fato se deu pela diretriz incluída no atual Código Processual Penal, com os tipos de provas consideradas ilícitas, as conseqüências de sua existência e da sua contaminação processual e o procedimento para sanar o processo eivado pela prova ilícita.
Conforme ensinamento de Oliveira:
A norma assecuratória da inadmissibilidade das provas obtidas com violação de direito, com efeitos, presta-se a uma só tempo, a tutelar direitos e garantias individuais, bem como a própria qualidade do material probatório a ser introduzido e valorado no processo. (2006, p. 298)


Porém, o assunto abordado traz no seu bojo inúmeras implicações, já que sua influência processual existe tanto no campo objetivo quanto no campo subjetivo. Decisão pacificada na Suprema Corte reforça a necessidade da inadmissibilidade da prova ilícita no corpo processual penal, o que serve de direcionamento para o nosso estudo.

2 PROVAS ILÍCITAS: CONCEITO

A Constituição Federal traz no seu art. 5º, LVI, que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Esta é a garantia da legitimidade da prova, ou da proibição da prova ilícita. Em suma, pode-se afirmar que o processo penal deve ser formado com base em provas lícitas e legítimas.
Quanto ao conceito de ilícito, discutiu-se sob a denominação adequada, e Alexandre de Moraes diferenciou as provas ilícitas das ilegítimas ou ilegais como:

As provas ilícitas não se confundem com as ilegais ou as ilegítimas. Enquanto, conforme já analisado, as provas ilícitas são aquelas obtidas com infrigências ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois configuram-se pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico. (2000, p.118)


Porém, Adotando ensinamento de Nucci, ilicitude passou a ser considerado gênero, pois:

O ilícito envolve o ilegalmente colhido (captação da prova ofendendo o direito material, v.g., a escuta telefônica não autorizada) e o ilegitimamente produzido (fornecimento indevido de prova no processo, v.g., a prova da morte da vítima através de simples confissão do réu), se houver a inversão dos conceitos, aceitando-se que ilicitude é espécie de ilegalidade, então a Constituição estaria vedando somente a prova produzida com infrigência à norma de natureza material e liberando, por força da natural exclusão, as provas ilegítimas, proibidas por normas processuais, o que se nos afigura incompatível com o espírito desenvolvido em todo o capítulo dos direitos e garantias individuais. (2008, p.88).


Segundo esta corrente, a reforma ampliou o conceito de ilícito, que passou a ser gênero, então seja por violação a norma penal, ex.: obtida mediante tortura; ou por infração a norma processual, ex.: produção de laudo por perito não oficial, serão consideradas ilícitas.
A lei 11.690/2008 trouxe nova redação ao art. 157 do Código de Processo Penal, qual seja "São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação às normas constitucionais e legais", e passou a fixar parâmetros para avaliação das provas ilícitas.
No caput do artigo ora mencionado, constam os tipos de provas ilícitas, assim entendidas como: as obtidas em violação às normas constitucionais ou legais. Assim, a prova obtida em desconformidade com a legislação ordinária será considerada ilícita, seja por infração a norma penal, ou processual penal.

3 TEORIA DA PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO

No art. 157, §1º do CPP, consta a teoria da prova ilícita por derivação: "São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras".
Também chamada de "fruto da árvore envenenada", esta teoria afirma que a prova que seja obtida por meio de uma prova ilícita também não deve ser admitida. A prova primária ? ilícita ? contamina essa prova secundária. EX: por meio de uma escuta ilegal realizada, consegue-se prova de um crime de furto.
Segundo exemplo de Nucci, mesmo com a obtenção de um mandado judicial e apreensão da coisa furtada, esta estaria contaminada pela prova ilícita primária. O autor justifica essa contaminação afirmando que "se for aceita como lícita a segunda prova, somente porque houve a expedição de mandado de busca por juiz de direito, em ultima análise, estar-se-ia compactuando com o ilícito, pois se termina por validar a conduta ilegal da autoridade policial." (2008, p.89)
Desta forma, as provas que advierem de uma prova ilícita são inaceitáveis da mesma forma que a prova originária. Nesse sentido, ressalta Choukr que "a inadmissibilidade das provas ilícitas gera um problema de "contaminação" das demais provas que dela são dependentes." (2009, p.327).
No parágrafo 2º do artigo 157 do CPP temos a definição de fonte independente como: "Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova".
A exceção prevista na segunda parte do parágrafo primeiro é se a prova possuir fonte independente, ou seja, sem a necessidade dos dados obtidos na prova ilícita. Essas são as chamadas "autonomia das fontes". Assim, quando a prova provém de fonte independente não é contaminada pela prova ilícita. Por exemplo: a localização de objeto de furto é obtida por meio de tortura ? ilegal, portanto ? porém, por meio de uma escuta telefônica ? legal ? obtêm-se a mesma informação.
Nesse sentido tem-se decisão do STF:


HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE PROVAS PRÉ-CONSTITUÍDAS. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. FATOS APURADOS A PARTIR DE PROVAS INDEPENDENTES DAS PROVAS ILÍCITAS. ORDEM DENEGADA. Inviável a apreciação da ação constitucional de habeas corpus se ausente prova documental mínima pré-constituída suficiente a respaldar as alegações do Impetrante. Eventuais provas obtidas ilicitamente não acarretam necessariamente o trancamento da ação penal que nelas se fundamentou, se igualmente se ampara em elementos de prova lícitos colhidos de forma independente, sendo esta a diretriz da teoria dos frutos da árvore envenenada. Eventual trancamento somente se justifica se a prova ilícita se verificar fundamental para instauração e prosseguimento do processo penal, por esvaziamento da justa causa, e se inexistente um conjunto probatório capaz de suprir a sua falta. Ação penal que se baseou não somente nos elementos de prova apreendidos supostamente de forma ilegal, mas principalmente a partir de procedimento de fiscalização legitimamente realizado pela Receita Federal. As provas dos fatos narrados na denúncia poderiam ser produzidas, inevitavelmente, por outros meios, como o foram, inexistindo razões a ensejar o trancamento precoce da ação penal originária. Denegada ordem de Habeas corpus. (TRF2ª R. - HC 2008.02.01.013616-8 - 1ª T. - Rel. Conv. p/ o Ac. Juiz Fed. Aluisio Gonçalves De Castro Mendes - DJ 15.05.2009).


A "autonomia das fontes" foi devidamente reconhecida com a reforma do processo penal e sua nova interpretação, conforme afirma Choukr.

4 TEORIA DA PROPORCIONALIDADE

Também intitulada "teoria da razoabilidade" ou teoria do "interesse predominante", tem como objetivo equilibrar os interesses públicos e os privados. Assim, busca-se pela inadmissibilidade das provas ilícitas, porém é necessário observar que, mesmo diante de uma violação de garantia constitucional, devem-se ponderar os interesses, já que não é possível dar caráter absoluto a nenhum direito constitucional.
Os defensores da aplicação do principio exemplificam que para a descoberta de um seqüestro e liberação da vitima, assim como a prisão e processo dos criminosos, seria admissível a escuta clandestina, violando o sigilo das comunicações, conforme exemplo citado por NUCCI (2008, p. 90). Porém tal posição ainda recebe muitas críticas, pois estaria validando uma prova ilegal.
Não é tema pacífico na doutrina ou jurisprudência a utilização do princípio da proporcionalidade para aceitação de prova ilícita, pois, como já demonstrado, é pacificado pelo STF a vedação da prova lícita por derivação, porém ainda há discussão quanto à possibilidade da aceitação da prova ilícita pro réu.
Por exemplo, segundo afirma Nucci, e sugestão de solução da discussão, quando uma prova obtida pelo réu for de origem ilícita deve ser admitida, tendo em vista que o erro do judiciário deve ser evitado, e também caracterizaria legítima defesa.
Nesse mesmo sentido, critica Nucci que, para tais situações diversas, o próprio direto penal traz opções de solução (como a legítima defesa, do exemplo citado) dispensando aceitar prova ilícita, o que seria contrária a própria lei, posição clara da defesa pela rejeição das provas obtidas por meios ilícitos, evitando a sua convalidação e atendendo as normas constitucionais. Resume-se a sua aceitação pro réu, e nunca para sua condenação.

5 REFLEXOS PROCESSUAIS QUANDO DA EXISTENCIA DE PROVA ILÍCITA

5.1 Da Nulidade:

Como já explanado, quando da existência de prova comprovadamente ilícita, ocorrerá a nulidade dos atos decorrente desta prova, até mesmo a nulidade de provas decorrentes daquela ilícita.
A prova ilícita contamina todos os atos a ela interligados, decorrentes da ilicitude por derivação, já estudados.

5.2 Desentranhamento

Sendo a prova ilícita inadmissível no processo penal, caso ocorra a existência da mesma comprovada, esta deverá ser desentranhada, e não poderá servir de base para a decisão do magistrado, conforme orientação do §. 3º do art. 157 do CPP "Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente".
Conforme ressalta Choukr, tal entendimento de desentranhar as provas do corpo do processo foi apenas consagrado de forma expressa pelo dispositivo ora citado, pois já havia decisão nos julgados do STF (INQ - 731 ? DF (EDCL) - Rel. Min. Néri Da Silveira, 22.05.96), e outros diversos nesse mesmo sentido (2008, p. 319).
Esse desentranhamento tem como reflexo principal a não utilização dessa prova ilícita na decisão do magistrado, tanto como proibição de sua existência na fundamentação da sentença, quanto na formação da convicção do mesmo. È nesse ultimo aspecto que se encontra o maior desafio, pois, uma vez apresentada uma prova mesmo que ilícita, o seu conteúdo formal já foi de conhecimento do juiz, o que poderia "contaminá-lo", em termos subjetivos.

6 CONCLUSÂO

A discussão ora exposta fundamenta-se na preservação dos direitos e garantias fundamentais, tais como privacidade, inviolabilidade de domicilio, dentre outros, por meio da proibição de prova ilícita, no seu sentido mais amplo e; a dificuldade de desvinculação, seja objetiva ou subjetiva, quando do conhecimento do conteúdo da prova ilícita.
Em meio a vários desdobramentos do tema, defende-se a inadmissibilidade da prova ilícita em razão das garantias acima citadas, assim como a preservação do devido processo legal e equilíbrio dos meios aplicados pelo Estado e cidadão para obtenção dessas provas.
Assim, conclui-se que quando da existência da prova ilícita comprovadamente no processo, deve-se buscar pela aplicação da lei recém-reformada, ou seja, pela sua inadmissibilidade em razão da necessidade de preservação das garantias constitucionais e dos meios processuais.


BIBLIOGRAFIA
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: Comentarios Consolidados e Crítica Jurisprudencial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2000.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. Ed. Rev., atual, e amp. 2. tir. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 6ª Ed. Ver. Atual. e ampl. ? Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

TRF2ª R. - HC 2008.02.01.013616-8 - 1ª T. - Rel. Conv. p/ o Ac. Juiz Fed. Aluisio Gonçalves De Castro Mendes - DJ 15.05.2009. Disponível em: http://www.jornaldaordem.com.br/conteudo_ler.php?area=2&id=3214. Data de acesso: 20/05/2009.

Autor: Ítalo Reis Brown


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