DIREITO À EDUCAÇÃO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA



DIREITO À EDUCAÇÃO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA


Este trabalho constitui-se na síntese de monografia apresentada ao curso de Direito. Tem como objetivo refletir sobre o direito à educação na infância e adolescência e sua interdependência com a estrutura familiar e a educação escolar. É na Escola que crianças e adolescentes se incluem ou se excluem no mundo da cidadania. A sociedade atual passa por mudanças drásticas com famílias desestruturadas e conseqüentemente gerando filhos muitas vezes problemáticos. Esses filhos, frutos de relações desajustadas, chegam ao ambiente escolar apresentando sérios problemas de adaptação escolar. A escola freqüentemente não possui os mecanismos adequados para sanar estes problemas. Dessa forma, este aluno que não consegue adaptar-se ao meio escolar passará para o rol de evasão escolar. Como o direito à educação é uma garantia constitucional, é importante que se busque refletir sobre as causas que estão impedindo que o processo educativo se concretize.


Alunos que gritam e não são ouvidos
Freqüentemente se observam crianças e adolescentes que abandonam a escola, pois depois de sucessivas repetências por não aprendizagem de conteúdos e indisciplina, acabam por se sentirem alienígenas, seres estranhos ao mundo da cultura que a escola tenta impor. Estes jovens que se afastam da escola passam a ter uma conduta que prejudica a eles e à sociedade, acreditando, equivocadamente, que são incapazes de aprender, baixando, assim a auto-estima. Nesse sentido, na tentativa de amenizar conflitos já instalados, a escola busca ajuda no Conselho Tutelar por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente ? o ECA, para resgatar o aluno que já abandonou a escola. No entanto, a aplicação das medidas previstas no ECA deveriam ser aplicadas de forma profilática para se obter resultado satisfatório. O estudioso Goleman, baseado em ampla pesquisa científica, em seu livro que discorre sobre inteligência emocional, fornece importantes informações sobre a origem dos alunos problemáticos em sala de aula, destaca o autor que "estudos que acompanharam crianças desde os anos do pré-escolar até a adolescência constatam que metade dos alunos que na primeira série eram perturbadores, incapazes de se dar com os outros, desobedientes com os pais e resistentes com os professores se torna delinqüente na adolescência". (GOLEMAN, 1995. p. 250). Assevera, ainda, o autor que o controle das emoções se constitui em fator essencial para o desenvolvimento da inteligência do indivíduo. Afirmando também que o temperamento do indivíduo pode ser trabalhado, e, portanto modificado. O sistema educacional atual está focado na transmissão de conteúdos pré-estabelecidos, e quando se depara com alunos que não se enquadram no perfil ideal, seguidamente a escola não sabe como agir, resultando na evasão escolar. Estudos demonstram que uma ajuda oportuna pode alterar o curso dessa trajetória, pois a partir do momento que se conhece as causas e conseqüências comportamentais, é necessário que se criem mecanismos capazes de mudar o comportamento da criança precocemente. Nesse sentido o psicólogo John Lochmann (apud Goleman, 1995) idealizador de um programa que visa reeducar a criança emocionalmente enfatiza que:
[...] depois de os garotos passarem pelo treinamento, Lochmann comparou-os com outras crianças agressivas que não haviam participado do programa de controle de raiva. Descobriu que, na adolescência, os garotos que concluíram o programa eram muito menos perturbadores nas salas de aula, se sentiam melhor consigo mesmos e havia uma menor probabilidade de que fossem beber ou usar drogas. E quanto mais tempo tinham participado do programa, menos agressivos eram como adolescentes. (GOLEMAN, 1995. p. 253).
Assiste-se, hoje, a uma inadequação da escola frente às demandas da sociedade. No Livro Escola Reflexiva e Nova Racionalidade, o autor convida o leitor para refletir sobre a escola atual, "que deverá ser uma escola onde a prevenção deve afastar a necessidade de repressão, onde o espírito de colaboração deve evitar as guerras de poder e competitividade mal-entendida, onde a crítica franca e construtiva evita o silêncio roedor ou a apatia empobrecedora" (ALARCÃO, 2001). A educação atual fornece sinais de estar carente de profissionais da área da psicologia e psiquiatria, tendo em vista que um grande número de alunos passam a freqüentar a escola já apresentando visíveis problemas de desajuste social.
Diante desse contexto, importante frisar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 208, inciso III, disciplina que "o dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino".
Neste sentido o Decreto Nº 6.571, de 17 de setembro de 2008 veio regulamentar o artigo acima citado, disciplinando que:
Art. 1o A União prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma deste Decreto, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular.
§ 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular.
§ 2o O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas.
Nesta seara de idéias, o texto legal busca definir quem é o beneficiário do art. 208, inciso III da Carta Magna. O artigo 1º do Decreto 6571/2008 estabelece que a garantia de atendimento educacional especializado será prestada aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades [...]. Nesta reflexão e busca de entendimento interpretativo sobre quem é o beneficiário do atendimento especial garantido pela Constituição Federal poder-se-ia pensar que aquele adolescente afetado emocionalmente de forma muito profunda por problemas de ordem de desestrutura familiar também poderia se incluir neste atendimento especial.
Não se pode olvidar que crianças oriundas de ambientes inadequados, transtornados, poderão apresentar comportamentos tormentosos, sendo difícil estabelecer um diagnóstico compatível com a realidade psicológica do infante.
O que se observa é que o texto constitucional está muito bem planejado no que se refere ao atendimento a pessoas com necessidades especiais. Porém cabe aos educadores e demais profissionais envolvidos procurar uma forma de incluir esta criança, muitas vezes rotulada como "problemática" e "indisciplinada", em programas de atendimento especializado, como forma de sanar desajustes que podem tornar-se severos com o decorrer da idade do aluno, muitas vezes o levando a evasão escolar.

Legislação que protege o interesse de crianças e adolescentes.

Inicialmente, é importante esclarecer que a legislação no Brasil ampara a criança e o adolescente por lei especial passando por um processo de amadurecimento, onde o legislador procura sanar falhas quanto à aplicabilidade das mesmas, adequando a previsão legal aos contextos de necessidades. Isso é o que se observa, exempli gratia, no Estatuto da Criança e do Adolescente, que foi criado para tornar o infante um cidadão, garantindo ao mesmo uma série de direitos que até então estavam surrupiados do mesmo.
A legislação que tem por objetivo amparar a criança e o adolescente é de considerável abundância, porém o desafio que se contrapõem aos ditames legais é encontrar uma fórmula de efetivar satisfatoriamente sua aplicabilidade.
O doutrinador Trindade(2002) assevera que, "é impossível negar que o contexto político e institucional dos últimos trinta anos tenha redundado na degeneração pessoal e social de milhões de crianças e adolescentes brasileiros, condenados a uma condição de subcidadania. Dentre inúmeros fatores, em grande parte por causa de uma legislação que não mais atendia às demandas da nova dinâmica social, mas também pela adoção de uma desordem indutora de círculo perverso da instituição total, despersonalizadora da condição humana, e reprodutora do modelo econômico de miséria".
O Brasil é um país com dimensão de continente, com gigantescos contrastes culturais, com sua população vivendo em extremos opostos. O desenvolvimento social e econômico ao longo dos tempos não acompanhou de forma harmoniosa a evolução e crescimento de todos os cidadãos da nação. Atualmente o que se assiste é um grito de alerta, o qual recomenda que o momento atual clama por mudança de postura onde, neste sentido o escritor Trindade, 2002, adverte "não se pode esperar solução sem a inauguração de um novo Ethos, outra maneira de perceber e interpretar o mundo e as coisas. A sociedade em geral, nomeadamente as crianças e os adolescentes, anseia ainda pela mais extraordinária de todas as revoluções: a revolução ética do homem político".
O artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente ? ECA, de acordo com os comentários de CASTRO (2002, p. 46), é indiscutivelmente, um dos artigos básicos do Estatuto da Criança e do Adolescente [...]. A conscientização de que a criança e o adolescente possuem de fato os direitos previstos no artigo e de que todos os recursos, humanos e materiais, que forem alocados em seu benefício, devem ser contabilizados como investimento significará que eles, na realidade, passaram a ser prioridade nacional.
Dispõe o art. 5° do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Nesta tangente, o que se observa do artigo supracitado, é que este visa estruturar, disciplinar a vida da criança, prevendo a ela, garantias mínimas.
O artigo 227 da Constituição Federal e sua inobservância
Para melhor entender a legislação vigente, importante mencionar o art. 227 da Carta Magna, o qual está inserido dentro do capítulo VII que disciplina regras a serem seguidas no que se refere ao tema "da Família, da criança, do adolescente e do idoso". Neste deslinde imperioso se faz a releitura do referido artigo que estabelece:
Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A constituição é um meio é uma espécie de mapa que indica qual o caminho correto a ser seguido. A conjuntura social não será transformada ou alterada simplesmente pela existência de normas constitucionais. Os preceitos constitucionais são a base que estão na dependência da interpretação que a eles possa ser atribuída.
Uma análise dos artigos 3º ao 7° do Estatuto da Criança e do Adolescente vem ao encontro e reforçar a importância do art. 227 da Carta Maior. Os artigos 3º, 4º e 5º do Estatuto supracitado reproduzem e aprofundam as normas constitucionais do artigo da Magna Carta.
Coelho (2002), em comentários ao art. 3º do Estatuto, observa que seu objetivo precípuo é:
[...] proclamar a abrangência dos direitos fundamentais da pessoa humana à criança e ao adolescente, vinculados à "proteção integral", para a qual destina-se a própria lei. A forma encontrada é correta, pois reafirma os direitos e cuida de que tenham, no caso da criança e do adolescente, uma aplicação ajustada à condição de pessoa em desenvolvimento. Igual caminho seguiram os documentos internacionais, inclusive a recente Convenção das Nações Unidas. (COELHO, apud CURY M., 2002, p. 35).
Nesta tangente, o que se observa no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, persistindo no mesmo tema do artigo supracitado, é que este visa estabelecer a quem incumbe o dever de assegurar direitos a criança:
Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Na interpretação do artigo acima referido, é importante observar que o legislador outorgou o dever de assegurar a efetivação dos direitos aos adolescentes, à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público. Assim sendo, deve haver uma cooperação entre as entidades responsáveis pela concretização dos direitos. Não sendo admitida a omissão e nem a passividade pelas partes envolvidas, instala-se uma responsabilidade solidária na efetivação dos direitos elencados.
Ainda nesta seara, segue o art. 5° do Estatuto estabelecendo que "Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais." (ECA, p.44/2006). Neste sentido o comentário do referido artigo é precioso e oportuno:
Se, de um lado, os arts. 3° a 5° do Estatuto repetem o disposto nas normas da Constituição Federal de 1988 no que tange à proteção dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, de outro, encontramos integrado nestes artigos o disposto nas normas internacionais das Nações Unidas: Regras de Beijing e Convenção dos Direitos da Criança. (LAHALLE, apud, CURY, 2006, p. 44).

Trindade (2002, p. 306) lembra que a partir da adoção da Doutrina da Proteção Integral ? inscrita na Convenção Internacional dos direitos da criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) ? pela Constituição Federal do Brasil (art.227) em 1988, e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 4º) em 1990, todas as instâncias da justiça passaram a privilegiar os interesses da criança e do adolescente. O interesse dos pais, que muitas vezes se colocava em primeiro lugar, cedeu espaço para as preocupações com o desenvolvimento saudável dos filhos, pessoas em etapa peculiar de formação.
Uma das maneiras de contribuir na busca de minimizar as desigualdades sociais é propiciar, do mesmo modo, melhor educação aos menos privilegiados economicamente. A realidade atual demonstra que o baixo índice de escolaridade da população gera maior concentração de pobreza. Neste sentido o art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente expressa um objetivo de transformar esta realidade:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.
Importante assimilar a interpretação nas palavras do estudioso Antônio Carlos Gomes da Costa referente ao inciso I do artigo acima enunciado:
O inciso I fala da igualdade não apenas de acesso, mas também de permanência na escola. O direito a permanência é hoje o grande ponto do fracasso escolar em nosso País. As crianças chegam mas não ficam, isto é, são vítimas dos fatores intra-escolares de segregação pedagógica dos mais pobres e dos menos dotados. A luta pela igualdade nas condições de permanência na escola é hoje o grande desafio do sistema educacional brasileiro. [...] o direito a permanência na escola está juridicamente tutelado no Estatuto da Criança e do Adolescente, abrindo assim possibilidades novas na luta pela equalização do acesso a esse instrumento básico da cidadania, que é a educação. [?] Resumindo o comentário do art. 53 numa só frase, creio que ele é aquele que traz as conquistas básicas do estado democrático de direito em favor da infância e da juventude para o interior da instituição escolar. (COSTA, apud CURY, 2006, p. 194-195).
O artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente que vem ao encontro ao art. 227 da Lei Maior, ampliando a importância, no que tange ao direito a educação. Oportuna é a leitura de parte do mesmo:
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
A legislação é abundante no que se refere ao suprimento das garantias legais que devem ser oferecidas às crianças e adolescentes, como se observa nos artigos supracitados.
A criança e o adolescente como sujeitos de direitos frente ao ECA
A previsão da proteção de crianças e adolescentes encontra-se também em convenção internacional, que é a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) ratificada pelo Brasil em 24/09/1990. Esta previsão está insculpida na Constituição Federal de 1988, principalmente nos artigos 3°, 208 e 227, que fala dos princípios e garantias fundamentais. E, para reforçar, o Estatuto da Criança e do Adolescente vem repetir em seus artigos vários ensinamentos já ministrados pela Carta Magna e por órgãos internacionais, deixando claro que o ECA assegura educação voltada para o pleno desenvolvimento da pessoa.
Importante retomar ensinamentos de Saraiva (2003) que esclarece que o ECA veio transformar o tratamento que vigorava no antigo sistema, pois introduziu os conceitos jurídicos de criança e adolescente, eliminando a antiga expressão "menor", a qual era discriminatória, pois referia aqueles em situação de risco. A partir da implantação do ECA, crianças foram definidas como aquelas com até 12 anos de idade incompletos e adolescentes com até 18 anos incompletos.
A doutrina pesquisada mostra que existe uma grande preocupação quanto à problemática da evasão escolar, sendo que o grande ponto do fracasso escolar está ligado ao abandono à escola, motivados com freqüência a um modelo pedagógico que privilegia os alunos provenientes de classes sociais mais favorecidas em detrimento de alunos que possuem uma bagagem cultural diferenciada não valorizada pelo modelo pedagógico atual. Sendo este um dos motivos do fracasso escolar com conseqüente abandono da escola.

A Carta Maior se baseia na consagração do preceito de que "os direitos de todas as crianças e adolescentes devem ser universalmente reconhecidos". Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), reconhecendo a importância da cooperação internacional para a melhoria das condições de vida das crianças em todos os países, estabelece o seguinte, em seu preâmbulo:
[...] cabe preparar plenamente a criança para viver uma vida individual na sociedade [...] a necessidade de proporcionar proteção especial à criança foi afirmada na Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança de 1924 e na Declaração sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959 [...]
Como se pode observar, a Constituição Federal está disciplinando o regramento de tratados internacionais, dos quais o Brasil já é signatário, no que se refere ao tratamento dispensado à criança e ao adolescente.
A Declaração Universal dos Direitos da Criança ? UNICEF prevê:
Princípio V - A criança física ou mentalmente deficiente ou aquela que sofre de algum impedimento social deve receber o tratamento, a educação e os cuidados especiais que requeira o seu caso particular. (GUIMARÃES, 2000, p.14)
No princípio acima, existe a preocupação com a formação da criança no que tange ao direito e à educação, devendo receber um tratamento individualizado e específico ao seu caso particular.
Por meio da revisão teórica, é possível compreender que o Princípio V da Declaração Universal dos Direitos da Criança - UNICEF, acima enunciado, não é satisfatoriamente interpretado e por este motivo provavelmente não é respeitado na sua integralidade, pois não se pode conceber que só receba atendimento especial aquela criança que estampa em seu corpo físico e mental os sinais de deficiência. Imprescindível lembrar que crianças com instabilidade emocional podem apresentar algum impedimento social que prejudique sua permanência e aprendizagem escolar. Quando se refere ao caso particular deve-se ter em mente os problemas de desajustes psicológicos (geradores de violência), os quais são, com freqüência, bem mais severos e danosos do que um problema físico visível, que também merece a atenção na proporção de sua gravidade.
Colaborando no mesmo sentido, Trindade (2002) observa que a inimputabilidade não impede a responsabilidade, nem é obstáculo à intervenção do Estado, apenas um sinal indicativo de que a intervenção que se espera não é a penal, mas a educativa.
O Brasil é um país de grandes desigualdades econômicas e sociais, onde freqüentemente se assiste a cenas reais de violência contra crianças e adolescentes. É neste sentido que o pensador Faleiros (2008, p. 33), em sua obra, enumera os diferentes tipos de violência, entre elas a violência estrutural, que é marcada pela carência de pessoal e de equipamentos, pelas filas de espera, pela falta de material, pelos horários inadequados de atendimento, pela ausência de profissionais no trabalho e por outras questões que conduzem ao não atendimento ou ao atendimento precário e ao desrespeito dos direitos dos usuários.
Seguindo o entendimento do mesmo autor, importante ainda ressaltar outro tipo de violência que as crianças e adolescentes estão expostos, que é a violência a nível institucional, violência esta que, nos dizeres de Faleiros (2008, p. 33), pode passar despercebida, que é a negligência profissional. Sua manifestação caracteriza-se pelo desprezo, por desinteresse, despreparo ou incompetência, pelas outras formas de violência e de violação de direitos de crianças e adolescentes, ignorando os sinais de risco e a existência de processos violentos em curso que poderão levar a violências mais grave.
Pode-se perceber que as previsões legais são bem intencionadas e planejadas com carinho, visando a proteção e bem estar da criança e adolescente, porém um olhar mais aprofundado na questão demonstra que as grandes falhas podem estar ocorrendo devido aos profissionais despreparados para aplicar e colocar em prática os mandamentos constitucionais e previsões tão bem articuladas no ECA.
Neste deslinde, em que se busca uma maneira de encontrar o equilíbrio entre o que o Estatuto da Criança e do Adolescente oferece à criança e ao adolescente e a forma como estes possam usufruir de tais benefícios se chega a alguns impasses, semelhantes a uma ponte que se rompe a qual não dá passagem ao que há do outro lado. Pois, mesmo se conhecendo o que há do outro lado (no caso a proteção ao adolescente), não está sendo possível aplicar este amparo, pois a ponte está rompida. A grande interrogação é como reconstruir esta ponte? Como atender satisfatoriamente estas crianças que são as reais detentoras de direitos constitucionais tão bem proferidos?
Com efeito, Gadotti (2005, p. 88), ao defender uma escola democrática, destaca que a escola democrática mede-se não pelo alto nível do seu ensino, mas pela capacidade que ela tem de reduzir o número de "medíocres", pela capacidade de elevar o nível dos menos dotados. Segundo o autor, o que é essencial num sistema democrático de ensino é que não se esqueça o povo, suas necessidades reais. Mede-se, portanto, uma educação popular e democrática pela capacidade que ela tem de acolher criticamente os problemas da sociedade, pela capacidade dos educadores de escutarem criticamente esses problemas, para identificá-los, equacioná-los, responder a eles: o que o educador popular recebe de maneira confusa do povo ele o devolve ao povo de maneira coerente e sistematizada.
De fato, a arte de educar é uma obra que transforma e cria, por meio do ato pedagógico do mestre. Embora as bases, valores e fundamentos dos comportamentos de cada indivíduo se estabeleçam no lar junto a família, estes podem estar comprometidos na dinâmica familiar onde não existe um razoável equilíbrio de valores que deveriam ser transmitidos aos filhos. Desta forma Fiorelli e Manguini (2009, p. 233) alertam que a escola (colegas e professores) tem suficiente influência para criar valores ou modificar aqueles que a criança traz do ambiente familiar. Se os pais são omissos ou ausentes, existirão colegas mais próximos que conquistarão importante lugar como modelo de comportamento. Sempre se deve ter em mente que o papel preponderante na formação inicial da criança deve ser da família, no entanto, se esta falhou, cabe precipuamente aquele que detectar o problema (no caso a escola) tentar sanar esta incapacidade adaptativa da criança aos moldes exigidos pela sociedade contemporânea.
Faleiros (2008, p. 32) lembra que, apesar das garantias democráticas estarem claramente expressas na Constituição de 1988 e no ECA, as políticas públicas descomprometidas com o princípio constitucional da prioridade absoluta a crianças e adolescentes tornam o Estado um dos principais responsáveis pela violência estrutural.
Importante ressaltar que o direito à educação completa e de qualidade garante a crianças e adolescentes o direito fundamental de viver as experiências desse período de desenvolvimento e amadurecimento, porém, a criança desconhece seus direitos e sempre será necessário que alguém a conduza de forma a desfrutar dos benefícios que o Estado tem a obrigação de oferecer, e a criança tem o direito de usufruir.
Desta forma, deve-se ter presente que os princípios e garantias constitucionais fundamentais conferem ao Estado o dever de ter como meta preponderante assegurar que aqueles detentores de tais garantias, não venham a privar-se de tais direitos. Ao mesmo tempo compete ao Estado ficar vigilante quanto à efetivação dos mesmos.
Imperioso salientar que nos termos do art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal, os direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, prescindindo, portanto, da via legal para o seu cumprimento e observância. Neste sentido, Bulos (2007,p.400) alerta que, os princípios fundamentais, derradeiramente, por conterem em si uma força expansiva, acrescentam também direitos inalienáveis, básicos e imprescritíveis. Por isso na medida do possível, ressalve-se bem, têm aplicação imediata. Porém, o mesmo autor segue elucidando a problemática da "aplicabilidade imediata da norma constitucional" enfatizando que:
As normas que definem direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata nos parâmetros da possibilidade, porque de nada adiantará o parágrafo 1º deste artigo 5º assegurar aplicação imediata a tais normas, sendo que elas estão aguardando emissão normativa posterior para tornarem-se plenamente exeqüíveis. Portanto, a substância desse parágrafo reflete que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade integral, desde quando a própria Constituição não exija que um certo dispositivo necessite de regulamentação nos termos e na forma da lei. (Bulos, 2007, p.402)
Portanto, a doutrina, ao interpretar o rigor dos artigos, demonstra que os princípios e direitos constitucionais fundamentais são muito mais do que instrumentos interpretativos, constituindo verdadeiras normas jurídicas. Porém, mesmo com a força dos princípios, o que se assiste é uma forma de utopia constitucional. Já que a realidade contemporânea estampa incontáveis casos de direitos constitucionais violados e não providos aos que deveriam usufruir os mesmos.
Considerações Finais
Baseando-se nas obras analisadas, verifica-se que a escola pode estar usando métodos didáticos incompatíveis com as exigências do momento atual. A escola contemporânea pode estar usando metodologias para transmissão do conhecimento que não priorizem o sistema, de forma a evitar a evasão escolar.

A fragilidade do sistema neste ponto crucial, evasão escolar, pode estar ligada ao desconhecimento do educador quanto às garantias constitucionais que protegem a criança e o adolescente, no que tange aos direitos fundamentais. Inobstante, poderá também o educador estar diante de uma dificuldade quanto ao que deve ser priorizado ? o ato de informação ou formação do educando.

Frente a isto é importante deixar consignado que o parecer apresentado pelo presente trabalho está baseado na argumentação de vários escritores, pensadores contemporâneos e antigos (com visão permanente) comprometidos com as garantias que se pretende outorgar às crianças e aos adolescentes no que se refere à educação.


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Autor: Elisabeta Costa Salton


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