Interdisciplinaridade: Da individualidade para a Unidade



Interdisciplinaridade: Da individualidade para a Unidade

________________________________________por Célia Silva Andrade Pires


Resumo: Por aprendizagem significativa entende-se que seja tudo aquilo que fazemos e que de alguma forma ecoa em nosso mundo interno, tornando-nos melhores. No ano de 2008, o corpo docente do Instituto de Educação Thereza Porto Marques da Educação Infantil ao 5º ano, escolheu trabalhar com a cultura indígena. Em junho, acontecerá nossa VII Feira do Conhecimento com o tema: Acolhe a vida indígena. Onde eles estão? Como nada é por acaso, começamos esse movimento cultural, em nosso horário de trabalho pedagógico, articulado com as necessidades das crianças. Iniciamos o projeto dialogando e escrevendo-o, concomitantemente foi se concretizando na práxis entre as crianças e o grupo de professoras. Aprofundar nossos conhecimentos sobre os primeiros habitantes do Brasil, tornou-se real a partir do momento em que recebemos o Índio Lua Branca, no dia 27 março de 2008, dando legitimidade ao projeto interdisciplinar.



Elaborar um trabalho articulado pela interdisciplinaridade requer ousadia e humildade, devido à complexidade da palavra. O trabalho torna-se significativo a partir do momento em que entendemos o que é a inter, através do autor vivo, da convivência, da escuta, da humildade, da espera vigiada, usufruindo dessa complexidade como "ponto de mutação". Transgredir nossa aprendizagem e torná-la significativa faz parte do nosso cotidiano como educadores. Rompermos com as gaiolas acadêmicas, são desafios e inquietações de uma nova educação, que não descarta o "velho", mas, ressignifica-o com o "novo", e não com a novidade. O construir é um desafio que surge a todo instante em nossas práticas pedagógicas. Nosso olhar de educador deve estar atento para que não percamos os movimentos de nossos alunos e professores, redirecionando-os a resgatar no tempo e espaço a cultura e a magia dos primeiros habitantes do Planeta Terra, em um país chamado Brasil. Esses povos estudados, e ao mesmo tempo ignorados, deixaram suas marcas não somente na história contada e recontada nas escolas, mas, em nossas vidas e na nossa cultura. Ressignificar a história é concluir no presente aquilo que ficou vago, perdido na memória da história, e do khrónos (tempo cronológico).

...Todo brasileiro, mesmo o alvo de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo (...) a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro.

Freyre escreveu em 1933 o livro Casa grande e Senzala, deixando um tesouro e uma referência para não esquecermos que corre em nossas veias o mistério do desconhecido, as crenças místicas e marcantes do Negro e Indígena. Quando Gilberto Freyre publicou Casa-grande e senzala, o Brasil vivia um de seus momentos decisivos. A revolução modernizadora, desencadeada em 1930, que transformava a face tradicionalmente rural do país, alterando-lhe não apenas a estrutura econômica, mas também as instituições sociais e políticas. No plano cultural ocorria uma notável efervescência: assimiladas as conquistas estéticas renovadoras da Semana de Arte Moderna. Buscava-se agora a discussão da realidade brasileira nos meios letrados, sentia-se a necessidade de interpretar o país e suas possibilidades como nação, formando-se então aquilo que Antonio Candido designou como, "pré-consciência do subdesenvolvimento". Isto é, uma percepção do atraso e da miséria e que teve como canal mais forte de expressão o romance, gênero literário, normalmente voltado para a crônica do social, tornando-se a espécie predileta de uma geração inteira. Fazenda (2002) nos fala da importância da ampliação do sentido da memória: "Esta quando trabalhada, permitirá que os fatos ocorridos nas práticas docentes sejam relidos de modo crítico e a partir de múltiplas perspectivas e, desse modo, ajudem compor as histórias de vida de professores. Cuidadosamente analisadas, tais vidas poderão contribuir para a revisão conceitual e teórica da didática e da educação". Vamos muito além quando fazemos um trabalho de resgatar não somente nossas memórias pessoais, mais nossa memória coletiva, que talvez seja por isto, ao ouvirmos o rufar dos tambores, ecoa um som familiar.
Quando o índio Lua Branca chegou à nossa escola, as crianças ficaram inquietas e curiosas. A pessoa do Índio foi analisada como objeto de pesquisa, pela curiosidade, fascínio, beleza, reverência e culto ao desconhecido. Observando os alunos, a festa interna expressada em seus olhares, de suas energias em movimento, perguntando, anotando, vivenciei junto com minha equipe de trabalho, momentos de aprendizagens significativas.
"Para Proust , como para alguns filósofos, a memória é a garantia de nossa própria identidade, o modo de podermos dizer: (...) ?eu, reunindo tudo o que fomos e fizemos a tudo que somos e fazemos". De fato, é um desejo explicito de encontrar a liberdade criadora na educação, mas é preciso que ela trilhe outros caminhos, em que a relação professor/aluno seja apoiada por um processo de interação mutua, de respeito e cumplicidade, para construir o processo de aprendizagem juntos. Fato de estar livre para criar, pré-requisito para qualquer artista. Mas, a educação está acorrentada, onde educador e educando seguem caminhos opostos, chegando até mesmo a serem estranhos na mesma sala de aula.
Paulo Freire (2005) nos ensina que, ao analisarmos as relações educador/educando dentro ou fora da escola, certificamo-nos de que estas relações estão ancoradas em um narrador, cuja fala mostra uma realidade parada, inerte, vazia, e um ouvinte paciente e alienado.
Este ouvinte pacificamente se sobrecarrega dos conteúdos fragmentados da realidade narrada, pois o narrador, muitas vezes está indiferente à experiência existencial dos alunos, faz uso da palavra ignorando sua força transformadora.

Entendemos que, nessa forma de "educar", o educador não transmite a mensagem pedagógica e, conseqüentemente, fica sem a resposta de seu educando, que simplesmente repete e memoriza conteúdos.

I - A identidade










Na sua cultura, Lua Branca diz que um índio nasce para ser luz ou sombra, depende da escolha. A identidade é um movimento perpétuo, eterno, amplo, que não podemos negar. (GEPI/PUCSP, 2008)

II ? Sua cultura
Lua Branca, em conversa com as crianças nas salas de aula, disse que Tupã representado pelo Sol é Deus. Na sua tribo as crianças e os adultos não mexem nas coisas do outro, não que nossas crianças fazem isso, mas ele gostaria de lembrá-los que esse ato, não deve ser feito. Disse-nos que na cultura de sua tribo quando nasce uma criança de cabelos louros são considerados deuses. A medicina é natural, e aquele que nasce para ser Pajé, traz consigo o dom da cura e aprende a trabalhar com as ervas. Tem o poder de ver o passado para atuar no presente, ressignificando suas atitudes para construir o futuro. Uma das crianças disse que leu que os deficientes eram mortos ou entregues a sacrifícios. Lua Branca confirmou, disse que era verdade. Eles acreditam que seja mau agouro, e eles não conseguirão viver, já que todos devem ser treinados para serem fortes e sobreviver sozinhos.

II ? Materiais sagrados
O chocalho e a sarabatana do Pajé são usados nas danças e também para cura, e são confeccionados por eles mesmos. Lua Branca trouxe vários instrumentos indígenas para a sala de aula, alguns deles foram confeccionados pelos índios Xavantes de Ubatuba.

III ? A memória em forma de história
"... Um professor competente, quando submetido a um trabalho de memória, recupera a origem de seu projeto de vida, o que fortalece a busca de sua identidade pessoal e profissional, sua atitude primeira, sua marca registrada". FAZENDA,2001 p.25
Lua Branca na adolescência fugiu e sua terra de origem, porque nasceu gêmeo. Como é o costume de sua tribo, eles acreditam que uma das crianças está com a alma do outro, e somente um deve viver. Para sobreviver ele fugiu para São Paulo. Lua demorou a se adaptar nas terras paulistanas, porque aqui tudo é particular e não tem lugar para ele. Atualmente ele reside em São José dos Campos no bairro do Freitas, zona rural, em um espaço doado pela prefeitura. Diz que onde havia somente índios, agora também há o homem branco. A terra era dos índios e quando o homem branco chegou trouxe mudanças, eles se tornaram escravos e sem terras. Ele relembra do Guerreiro Sete Flechas (avô) repetindo seu gesto, sentando em uma das pernas e mantendo a outra levantada, era como se ele estivesse ali.

IV - A curiosidade como aprendizagem
A necessidade de saber como eles viviam, o que comiam do que brincavam, eram fortes nas crianças. Respondendo suas perguntas ele fala com saudades de seu passado presente, dizendo, que era feliz e não sabia. Na sua tribo eles não usavam roupas. Logo pequenos, eles eram colocados sentados no formigueiro para aprender com a dor a ser forte. Se eles chorassem as formigas mordiam, e assim eles aprendiam cedo que quanto mais se mexiam elas atacavam, e no momento em que eles se controlavam elas não mordiam. Ainda pequenos eram jogados nas águas do rio num processo de ritual de sobrevivência. Os índios adultos diziam que o que é bom, forte, sobrevive, o fraco afunda e morre.

O Casamento ? Quando eles nascem já estão comprometidos. Os índios não se preocupam com a estética, a beleza, para eles todos são bonitos.

Drogas - Ele lembra as crianças que as drogas acabam com a vida de quem usa e dos pais. Ela deixa as pessoas preguiçosas, não trabalham e por isso não tem dinheiro. Para adquirir a droga eles começam a roubar em casa, depois fora. Quando ficam viciados e não pagam, eles perdem a vida e a família também.

A Floresta ? Quando fala nela o coração do Índio dispara. Disse que tudo está sendo devastado e o homem branco está tomando conta e destruindo. Em breve teremos um grande deserto, simbolizando a morte.

Alimentação:- São criados com carne crua e aipim, comem até vomitar o excedente. Após o nascimento, as mães já não têm nada a ver com eles, e assim, são criados pelos índios desenvolvendo logo cedo à autonomia.
A caça: Para caçar eles subiam nas árvores e ficavam em profundo silêncio até que a caça aparecia. Andavam nas pontas dos pés como as onças, suavemente. Com as lanças eles caçavam macacos, por elas serem leves e rápidas.

O inimigo: O maior inimigo dos índios são os homens brancos, que lutam e matam por ambição.
Nas florestas os animais não matam ninguém, eles apenas se defendem. Lua Branca disse que na hora de caçar, se olharmos nos olhos dos animais perceberemos os pensamentos deles: "será que ele vai me matar?".

Cavalo - de - ferro ? São os carros, motos, trens. O que os homens brancos chamam de progresso, num futuro bem próximo respirará o ar poluído emitidos por eles. Aos poucos, morreremos desse veneno
.
Realização ? No dia 18 de abril de 2008 chegou o momento tão esperado pelas crianças. Após estudarem, confeccionarem instrumentos e adornos indígenas, resgataram vivenciando a história desses povos místicos e fascinantes. Cada professor (a) trabalhou e resgatou individualmente a história deste povo. Os alunos do 2º ano confeccionaram o dicionário indígena. Assim, todos se preparavam para a grande festa.

V - Dança circular sagrada e a Interdisciplinaridade




O dia iniciou calmo, cheio de expectativas. A escola estava em ritmo de festa. As crianças foram para as salas de aula e orientadas pelas professoras, se vestiram e pintaram em homenagem a esses povos, que nesse momento estavam presentes em nossas vidas. Elas se reuniram na quadra da escola e foram formando pequenos círculos representando a individualidade, a cultura e ao mesmo tempo a separação dos seres humanos, como se cada um defendesse seu próprio território. As músicas usadas foram do CD, Memórias Guarani. Cada círculo cantou a música de sua alma, para relembrar que são as barreiras internas que nos separam, mas que na união, comungando dos mesmos ideais, reverenciamos um único Deus. Somos todos irmãos e formamos uma única tribo.
Os círculos menores se uniram formando um grande círculo. Num movimento de busca, união e confraternização, dançaram para a mãe Gaia (Terra), em profundo agradecimento por nos acolher na vida e na morte. Elevamos nossos pensamentos em profunda gratidão e fizemos uma prece silenciosa, para que nossas mentes e corações se unissem, e que todos os homens compreendessem que somos uma grande família. Nesse momento não havia fronteiras.
Homens da pele vermelha, amarela, negra, branca era uma única família. Estava completo o círculo Interdisciplinar. Uma das propostas da autora da Inter é a união de pessoas, para uma Transcendência Interdisciplinar.
Para Fazenda (2008), se definirmos Interdisciplinaridade como junção de disciplinas, cabe pensar currículo apenas na formatação de sua grade. Porém se definirmos Interdisciplinaridade como atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento, cabe pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se formam professores.
Esse trabalho está fundamentado na Interdisciplinaridade com bases acadêmicas e científicas, mas, tecido nas bases ontológicas, por fazer parte do sagrado, em que resgatamos valores de nossas vidas passadas, presentes e futuras. A Práxis se cumpria em um grande círculo sagrado com a chegada do Índio Lua Branca, representando todas as tribos do mundo, num momento mágico de profunda emoção.






VI - Nossa Proposta

"Absolutamente certo que o incerto governa nossa vida." Fábio Cascino (Grupo GEPI ?PUCSP)


Nossa proposta busca resgatar a história destes povos em um movimento cultural, cuja proposta integradora nos conduz a comunhão e introspecção para vivenciarmos em grupo e participar da cerimônia em danças circulares, para revelarmos o sagrado que habita em nós.
Numa integração de afeto, celebramos a Vida, e juntos percebemos que Somos UM. Tivemos momentos de paz, porque naquele momento éramos a PAZ.




Lua Branca fez com que buscássemos na história de seus ancestrais um ponto de referência. Na linguagem indígena este ponto chama-se "imanguarê", ou seja, de volta ao passado. Em nossas veias correm o sangue de seu povo, que estão presentes em nossas culturas e costumes. Ele lembra que o Pajé cura e também espanta os maus espíritos, e assim fez o ritual de cura em nossa escola num momento mágico e de profundo respeito.

Considerações


Viver em grupo é participar da dinâmica da vida em comunhão. É estar em Paz consigo, para revelar-se ao outro plenamente, e vivermos como se fôssemos UM. Célia Andrade



Assim, finalizamos esta etapa de nosso trabalho, celebrando a vida e relembrando que... "A distância entre EU e TÚ, e a mesma entre TÚ e EU"... . Para Fazenda (2008), não devemos esquecer-nos de sermos gratos por tudo que vivenciamos. A Interdisciplinaridade requer ousadia, atitude, ação. Na realização deste trabalho, fizemos uso de nossos talentos, e também despertamos os talentos e dons adormecidos de nossas crianças. Na escola, cada professor (a) deverá estar ciente de seu papel e de sua responsabilidade. A cada passo e atitude tomada, relembrava as palavras de Fazenda (2008): "Fechar-se dentro de um método a nada conduz". Encerramos a comemoração com o NOVO, celebrando com o melhor de cada UM, em movimentos circulares e transcendentes, cantando parabéns para Lua Branca, que faz 40 anos no dia 19 de abril.

Referências bibliográficas

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes, Interdisciplinaridade/Transdisciplinaride: Visões culturais e epistemológicas e as condições de produção num processo de mundialização. GEPI-PUCSP - 2008

GEPI PUCSP ? Anotações das teses de Mestrado e Doutorado apresentados em 2008 ? Grupo de estudos GEPI-PUCSP.

Célia Silva Andrade Pires. É membro do grupo de estudos GEPI/PUCSP, coordenado pela Profª Dra. Ivani Fazenda. Coordenadora Pedagógica da Ed. Infantil- do 1º ao 5º das Séries Iniciais, docente no Ensino Superior, Psicopedagoga e Pedagoga. Ministra palestras na área da educação.
[email protected]

Autor: Célia Silva Andrade Pires


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