A Ldb E A Educação Do Campo



Se o fluxo do rio é imprevisível, as margens também o são.
Parece uma imagem estática, igual, e que sempre que se repete, mas não é bem assim. Olhando com atenção podemos ver que há variações nas margens. (Ana Lucia Coelho Heckert)

1. INTRODUÇÃO

Uma lei, apesar de seu caráter formal, não é a mesma para todos. Dizendo de outra forma: ela não exerce o mesmo impacto para os diferentes segmentos de uma sociedade. Em se tratando de uma lei educacional, considerando a relação intrínseca Educação/Cultura, os interesses de um grupo são apreendidos de diferentes maneiras por outros grupos. Uma coisa é a lei e a outra coisa são as realidades possíveis a partir desta lei.

Portanto, quando se tem em vista um projeto de desenvolvimento tomando como base uma lei não se pode descartar os fatores culturais do meio a que se destina. Neste sentido, é preciso ter em vista que as influências da cultura sobre o desenvolvimento podem ter duas dimensões: a patrimonial e a organizacional. A primeira compreende o conjunto de riquezas materiais e imateriais de uma sociedade. A segunda diz respeito as regras das práticas sociais (Candeas,1999).

Mais do que um olhar crítico sobre o texto da Lei de Diretrizes e Bases, o presente artigo pretende identificar os tentáculos possíveis após dez anos de imposições, possibilidades e vontades sobrepostas. Enfim, o que se pretende é fazer um relato de que pintura foi realizada, principalmente no diz respeito a educação do campo na Bahia, considerando a matéria-prima dada. Para tanto, comecemos com um traçado histórico com o fim de compreender de qual lei estamos falando.

2. UM PASSO ATRÁS: A Origem da Matéria Prima

A atual lei educacional vigente em nosso país data do ano de 1996, fruto de contentamento e descontentamento de muitos, surgiu após seis anos de embates de opiniões entre sociedade civil e um grupo conhecido por comungar dos interesses ditos neoliberais. Ao final, aqueles se consideraram vencidos apesar de reconhecer alguns avanços.

O certo é que a nova Lei de Diretrizes e Bases para Educação já era esperada após a promulgação da Constituição de 1988. Ali, por meio do artigo 22, inciso XXIV, é dito que compete a União legislar sobre a educação do país. Abriu-se, assim, a possibilidade de uma reformulação que atendesse as necessidades do processo de redemocratização. Começou um amplo movimento de grupos da sociedade civil organizada que em diálogo com o poder legislativo propunha um projeto visando mudanças necessárias à população. Ao final, estes mesmos grupos, reuniram-se em torno de um protesto contra a aprovação da lei vigente, na qual estão contidas modificações inseridas pelo
Senador Darcy Ribeiro, que alegando inconstitucionalidade não considerou o processo democrático de anos de discussão. (Savianni, 1997)

Diante do exposto, surge um questionamento: a LDB proporcionou ou não a entrada de interesses neoliberais no ambiente escolar? Em linhas gerais, a luz dos nossos olhos e passado um tempo, não é possível negar o neoliberalismo presente no cotidiano escolar. Entre os interesses, citamos a subordinação da educação a valores de mercado. Em nome da eficiência, da excelência, se esquece os valores humanos e o que se vê é o estímulo a concorrência entre escolas, ou seja, a dimensão técnica tem se sobreposto a
dimensão ética. Também vem a tona uma escola pública onde o aluno é valorado em dinheiro, conforme aprovação ou reprovação, professores são obrigados a fabricar resultados baseados no mínimo. Compromete-se a qualidade e para buscá-la, quem pode, recorre ao ensino privado. Fica visível um conservadorismo, em meio a tantas mudanças, quem é pobre terá sempre menos chances nesta sociedade dita do conhecimento.

2. PASSEIO PELO DITO: sonhos possíveis

O artigo 28 que aponta direcionamento específico para escola do campo, está incluso no capítulo que trata da educação básica. Para tercemos comentários a respeito faz-se interessante sua leitura:

Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:    

I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;     

II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;     

III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Considerando o dito podemos nos voltar para elencar as possibilidades, os sonhos e as esperanças. Isso se faz necessário porque o sonho alimenta a esperança e esta é indispensável para começar o embate rumo as conquistas. A falta da esperança fraqueja a luta e esperança sem a luta torna-se desespero (Freire, p. 10-11). Se quisermos enxergar a luta voltemo-nos, pois, as esperanças.

A primeira delas diz respeito ao fortalecimento das identidades. Sujeitos podem ir a uma escola não mais estranha ao seu cotidiano, ali eles se identificam, dialogam, conhecem e se conhecem, inclusive como grupo. Tal identificação é pertinente para a organização comunitária que sabendo quem é, também saberá o que quer.  Um grupo que tem a voz de suas reivindicações estará apto a assumir sua autonomia.

Outro viés que surge é o de que o contexto não é somente o entorno, o contexto é uma categoria que educa. O ambiente, seco ou chuvoso, caatinga ou litoral, urbano ou rural, não importa, ele ensina. No caso das comunidades rurais é interessante notar sua dependência mais direta com as reações da natureza. A educação ambiental não pode ser de forma alguma sectária de uma única área de conhecimento.

Por fim, vale ressaltar a presença de um currículo que atenda os interesses das populações locais. Colocando em vista seus interesses, assume-se a essência não neutra da educação, havendo um enfrentamento das ideologias dominantes que tendem a homogeneização. Principalmente no que diz respeito a distribuição de políticas públicas.

3. UM CHOQUE DE REALIDADE: as retrancas

Diante do dito podemos examinar as realidades construídas. No geral é preciso dizer que dada a extensão e a multiplicidade étnica com que é constituída o nosso país não há que se considerar uma educação do campo e sim educações dos campos. Após apublicação da LDB, os avanços em alguns locais se devem, principalmente, a ação e pressão de organizações não governamentais juntamente com sociedade civil organizada. Percebe-se que quanto maior o poder de organização e inserção em redes de colaboração, mais a possibilidade de transformação social. O que nos faz pensar que o desenvolvimento da educação formal é precedente de uma outra educação, politizada e consciente. Contudo, não são todas as prefeituras que aceitam esta rede de colaboração, talvez temendo que esta proporcione perda de poder.

Voltando ao texto da lei, observamos que a parte que trata da educação do campo está inclusa no capítulo da Educação Básica e estariam aí os seus limites, enquanto a educação na cidade oportuniza meios para quem quer chegar ao nível superior, o campo talvez por ser atrasado na concepção de alguns só necessitaria da educação básica. Então, se houver a necessidade de professores, médicos, agrônomos, veterinários, dentre outros, devem vir da cidade grande, o que reforça a idéia do urbano como o lugar do desenvolvimento. Há o perigo de educar para o contexto da globalização onde os sujeitos devem ser conservados na periferia sócio-econômica, como diria Leonardo Boff, conservados na dimensão galinha, restritos a ciscar o seu terreiro.

Outro ponto a ser destacado é aquele que diz adaptar os conteúdos, os calendários e o material didático às condições de vida do meio rural. É sabido que diante do descaso do poder público as escolas do campo sempre foram desprovidas de quase tudo, então fala-se de adaptação mas não deixa claro quem vai pagar a conta, contando que o regime de colaboração entre os sistemas de ensino nem sempre existe e o que há é uma concorrência por número de aluno e conseqüentemente por verbas, a escola do campo por ser na maioria das vezes de ensino fundamental é, portanto, de responsabilidade do município. É o que registra os dados contidos no Plano Estadual de Educação da Bahia de 2005, referindo às matrículas destinadas à área rural em 2004:

Matrícula Inicial - 2004

 

Rede


Nº de alunos

 

 

Estadual

 

 

38.773

 

 

Federal

 

 

1.911

 

 

Municipal

 

 

1.267.474

 

 

Particular

 

 

7. 187

 

 

Total

 

 

1.315.345

 


O fato de termos uma lei enxuta, não deixa que esta desvele a quem compete estas adaptações, o ônus do trabalho ficou por competência dos municípios e o que se questiona é se, diante do recente processo histórico de redemocratização, as instituições municipais estariam aptas a fazer, sozinhas, esta adaptação de forma qualitativa, tendo em vista que grande parte dos pequenos municípios permanece com as mesmas oligarquias de outrora. As dificuldades podem ser melhor evidenciadas quando se compara o diferencial entre o valor aluno urbano e valor aluno rural estipulado pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), ainda que haja um mérito em reconhecer que o campo necessita de uma atenção diferenciada, os números não parecem dar conta dos anos de exclusão com que foi vitimada a população rural. Vejamos os dados de 2006, fornecidos pelo Ministério da Educação:

 

Valor Aluno no Estado da Bahia

 

 

Séries iniciais no
ensino fundamental

 

 

Séries finais do
ensino fundamental

 

 

Urbano: 774,37

 

 

Urbano: 813,09

 

 

Rural: 789,88

 

 

Rural: 828,58

 


Frente a estas condições, a contextualização que proporcione uma escola do campo, salvo algumas iniciativas, não tem sido uma prática recorrente, havendo sim uma escola da cidade no campo, aproveitando do mesmo material didático, das mesmas formações de professores e, conseqüentemente, do mesmo currículo. Ou mesmo, por razões financeiras e de otimização de trabalho, gestores municipais preferem transferir o alunado para cidade, valendo-se da modificação de 31.07.2003 que permite aos sistemas municipais e estaduais assumir o transporte escolar dos alunos como despesa educacional. Por outro lado, os sujeitos que teriam suas vidas e suas culturas reelaboradas, incluindo comunidade e professores, não são chamados ao diálogo e muitas vezes podem ver na lei mais uma reforma de outros, ou ainda, um modismo colocado por terceiros que nada entendem dos seus mundos.
Autor: Djárcia Santana


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