O Prefeito E A Providência
Um dia prefeito recebe uma reclamação:
- Sô prefeito, o teto do grupo caiu!
- Que grupo, meu fio?
- O grupo, sô prefeito! O grupo escolá! L'adonde a gente aprende a lê!
- Ah, bão! Dexa comigo que vô tomá providência!
Tomava providenciamento nenhum. Esquecia. Ia pra casa, escondia dos problemas e não dava mais o ar da graça.
- Prefeito, a ponte do corgo seco quebrô!
- Quebrô? Pode deixá! Vô tomá providência!
- Prefeito, a gente picisa duma iscola no Pindura Saia! Dá um jeitinho!
- É cumigo memo! Vô tomá providência!
Povo foi ficando chateado. Nervoso. Revoltado até com o descaso do prefeito. O homem não queria nem saber quem lustrou as costas da barata e nem quem botou fogo no inferno. Vivia encafuado dentro de casa. Vez ou outra é que apontava o nariz. Bastava ouvir reclamação sumia de novo. E ainda dizia que ia tomar providência...
O caso ficou mais sério no dia da enchente. Rio Sorongo não deu conta de segurar aquele aguão todo dentro das suas caixas. Entornou água na metade da cidade. De quebra lavou tudo no cemitério. Era defunto boiando, esqueleto escorrendo rua a fora, caveira descendo ladeira abaixo... Tanta mortaria pelas ruas que arrepiava até cachorro vira-lata. O defunto da gorda Dorotéia, enterrado dois dias antes do dilúvio, deu o maior trabalho pra ser encaixado de novo na sua última morada. Continuou teimosa na morte como o foi em vida. E o prefeito dizendo:
- É comigo memo! Deixa que tomo providência!
Povo desorientado resolveu tirar o desgramado do prefeito de dentro do seu esconderijo. Alguns cidadãos mais indignados invadiram a casa da autoridade. Tava lá o homem, num quartinho dos fundos, só de cueca, cercado de garrafas vazias, num porre danado e tomando mais uns goles de Providência, a famosa pinga do vale do Sorongo.
Autor: Eurico de Andrade
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