PANORAMA CONSTITUCIONAL DA AÇÃO POPULAR



1. Resumo
A ação popular é tida como um meio constitucional posto a disposição de qualquer cidadão com o objetivo de invalidar atos administrativos ilegais e lesivos ao patrimônio público. No entanto ela vem sendo desvirtuada. O presente artigo visa discorrer sobre as características, requisitos, objeto, finalidade da ação, julgamento, bem como as peculiaridades que a rodeiam.

2. Abstract
The popular action is taken as a constitutional instrument available to any citizen in order to invalidate administrative acts that are illegal and harmful to public property. However the popular action has been misrepresented. This article aims expatiate about the characteristics, requirements, object, purpose of the action, jurisdiction, as well as the peculiarities that surround it.

3. Palavras- chave: Ação Popular. Conceito. Requisitos. Finalidade. Julgamento. Características. Desvirtuação da ação popular. Peculiaridades.

4. Keywords: Popular action. Concept. Requirements. Purpose. Judgment. Characteristics. Distortion of popular action. Peculiarities.

5. Introdução
Ação popular é uma garantia a todos os cidadãos, contemplada no art. 5° LXXIII da CF/88 e disciplinada em lei infraconstitucional (Lei n° 4717/65). A legitimação para sua propositura é restrita e condicionada, pois não é estendida a todas as pessoas, mas somente aos cidadãos. No pólo passivo, o legislador pretendeu introduzir no pólo passivo do processo, todos aqueles que tenham interesse no desfecho, conforme reza o art.6 da Lei da Ação Popular: "a ação será proposta contra pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1°, contra as autoridades, funcionários, ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade a lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.
Segundo prevê o art. 21 da referida lei, o ajuizamento da ação popular deverá ocorrer no prazo de cinco anos, sob pena de prescrição, atendidos ainda outros requisitos a posteriori analisados.
Configura-se como uma ação de rito ordinário diferenciado, aplicando-se as regras do CPC, no que não contrariar a Lei 4717/65.

6. A ação Popular perante a Constituição de 88
Ação popular é um instrumento de direito processual constitucional que permite a qualquer cidadão ir a juízo em defesa de direitos da coletividade em que está inserido (agindo "utis civitas" ao invés de " uti singuli" ). Por meio dela, o cidadão (autor popular) pode pleitear a anulação de atos lesivos ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, artístico e cultural, ao patrimônio público e à moralidade administrativa.
Nesse sentido, dizemos que a ação popular é um direito político de participação, pois, permite ao cidadão gerir na condução dos negócios públicos da comunidade e defender os interesses desta.
A Constituição de 88, em seu art. 5°, LXXIII, pôs termo a duvida se ação popular abrangeria também os atos praticados por entidades paraestatais (sociedades de economia mista, empresas públicas, serviços sociais autônomos e entes de cooperação), além dos órgãos da administração centralizada.
O direito de propor ação popular corresponde a um direito de 3ª geração (difuso), que pertence a todos como uma coletividade, sem ser de ninguém, individualmente. Na ação popular, não há substituição processual típica porque o cidadão faz parte da relação processual, ele se insere no direito coletivo.
Na ação popular, se o autor dela desistir e o Ministério Público entender que há fundados indícios de procedência, deverá o MP sucedê-lo, assumindo o pólo ativo da ação, ou qualquer outro cidadão poderá dar seguimento ao pleito, segundo o art. 9° da Lei 4717/65.
Não há prerrogativa de foro em ação popular. Independentemente, a ação é direcionada ao juízo de primeiro grau.
Por ser a ação popular gratuita, o autor fica isento de custas e de ônus da sucumbência (conjunto de despesas processuais como pericias, diligencias), salvo se comprovada má- fé, segundo o art. 17 e 18 do CPC.
A partir da CF88, tem havido um grande número de ações populares voltadas contra a publicidade dos órgãos públicos, alegando, em sua maioria, a promoção pessoal dos governantes. Sabemos que a regra da publicidade dos entes públicos é rígida (CF, art.37, parágrafo 1°), mas nem por isso, menos violada, dando margem à propositura da ação popular. No entanto essa questão requer um maior cuidado ao ser analisada, já que muitas vezes a publicidade também é necessária na própria defesa dos interesses do estado.

7. Requisitos, finalidade e objeto
O objeto da ação popular é genericamente o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, entendendo a expressão "ato" na sua concepção ampla.
O autor de uma ação popular (promovente) tem, necessariamente de ser cidadão, porque é direito de participação política. Somente pessoas físicas no gozo de seus direitos civis e políticos, munido de seu título eleitoral poderão propor ação popular. Os inalistáveis, partidos políticos, entidades de classes, bem como qualquer outra pessoa jurídica não podem ser o promovente. Segundo a Súmula 365 do STF: "Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular".
No outro pólo da relação processual se encontra (m) o(s) promovido(s), além do Ministério Público, que é interveniente obrigatório ("custos legis").
O segundo requisito é que o ato, objeto da impugnação, seja contrário ao direito (ilegal ou ilegítimo), por infringir as normas especificas que regem sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a Administração Pública. Essa ilegitimidade pode vir de vício formal ou substancial, inclusive desvio de finalidade.
O terceiro requisito para se propor ação popular é a lesividade do ato ao patrimônio público, lesão essa que tanto pode ser efetiva como presumida (segundo o os casos previstos no rol não exaustivo do art. 4° da lei regulamentar), para os quais basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias para considerar lesivo e nulo de pleno direito. Nos demais casos, impõem-se a demonstração de ilegalidade e lesão efetiva ao patrimônio.
A ação popular então tem fins preventivos e repressivos: ela poderá ser ajuizada antes dos efeitos lesivos do ato, como após a lesão, para reparar o dano.
Enquanto sua finalidade no passado era simplesmente patrimonial, visando a anulação de atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas, o constituinte de 1988, admitiu sua utilização em relação a valores não econômicos, mantendo-se a exigência da ilegalidade e lesividade.
É necessário ainda atentar para a seguinte questão: admitir que qualquer cidadão conteste a validade de um ato administrativo praticado por agente competente, apenas com base no conceito vago de imoralidade, é deixar a sorte da Administração entregue aos humores políticos. Dessa forma acabaria intervindo no âmbito da conveniência do ato, o que não deve ser admitido dentro de um sistema tripartido. Se a administração age dentro da lei, sem desvio de finalidade, o judiciário não deverá intervir, através da ação popular.
Concluindo, a ação popular somente se viabilizará na presença dos três requisitos: condição de eleitor, ilegalidade e lesividade. Sempre, porém, com a finalidade de corrigir os atos administrativos, ou nas atividades delegadas pelo Poder Público. Reconhece-se assim, que todo cidadão tem direito subjetivo ao governo honesto.

8. Competência e Julgamento
A ação popular sempre será interposta na justiça comum de primeiro grau no foro do lugar da ocorrência do dano ficando o juízo prevento. Se a origem do ato impugnado afetar interesse do patrimônio, moralidade ou atribuição exclusiva ou concorrente da União a ação popular tramitará na justiça federal. Não havendo interesse da União caberá ao juiz de primeiro grau conforme atribuição do regimento interno do tribunal a que pertença.
Na ação popular, o foro competente é determinado consoante a origem do ato ou do contrato. Sempre que dos fatos transparecerem o fumus boni iures e o periculum in mora caberá suspensão liminar do ato lesivo impugnado, sendo o prazo de contestação de 20 dias, comum a todos os réus, prorrogável por mais 20 a pedido dos interessados e for particularmente difícil a produção de prova documental.
Não se aplica o art. 188 do CPC, que amplia o prazo para a Fazenda Pública contestar/ recorrer, visto que essa regra não pode sofrer interpretação ampliativa, ainda mais por haver disciplina própria e diferenciada que é a prevista para a ação popular. Diversamente do que ocorre no CPC, a lei especial que trata desta ação dispõe expressamente sobre o prazo de contestação do poder público em 20 dias, não admitindo, pois, possibilidade de prazos diferenciados.
Contra a sentença que julga a ação popular, caberá apelação voluntária. Se o julgamento for improcedente, deve o juiz prolator recorrer de ofício. A procedência da ação determinará a invalidação da medida impugnada com a conseqüente restituição dos bens ou valores, sem prejuízo do pagamento de perdas e danos. Como exemplo, temos o ex-prefeito Paulo S. Maluf que foi condenado a ressarcir o tesouro municipal pela ilegal e lesiva doação de carros a jogadores de futebol que haviam ganho o campeonato mundial de futebol.
Do art. 18 da Lei 4717/65 pode-se perceber que a coisa julgada será erga omnes se o juiz julgar a causa com convicção quanto à prova, seja procedente ou improcedente o pedido; ou se o juiz julga procedente o pedido por deficiência de prova por parte do réu, já que é dele o ônus da produção da prova. Agora, se o juiz julga improcedente o pedido, por deficiência de prova por parte do autor, a decisão fará coisa julgada somente inter partes. Ou seja, não impede que outra ação idêntica seja ajuizada, desde que o autor consiga nova prova.

9. Desvirtuação da ação popular
A ação popular é regulamentada pela Lei 4.717/65, que lhe dá rito ordinário, com algumas alterações, visando à melhor adequação aos objetivos constitucionais de legalidade administrativa. Mas observe que essa lei é anterior à Constituição de 88, pelo quê deve ser entendida à luz do novo texto constitucional.
Entretanto, a ação popular vem sendo desvirtuada e utilizada como meio de oposição política de uma Administração a outra, o que exige do judiciário redobrada prudência no seu julgamento, para que não a transforme em instrumento de vindita partidária, nem impeça a realização de obras e serviços públicos essenciais à comunidade que ela visa proteger.
A ação popular não deve ser utilizada para fins eminentemente políticos, objeto da discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, tais como a contestação de conselheiro de determinado tribunal, ou a cassação de mandato de parlamentar.
A experiência vem demonstrando que a Lei de Ação Popular precisa de uma completa reformulação em seu texto, não só para conceituar melhor seus objetivos como para agilizar seu processamento e impedir que tais causas se eternizem na justiça, sem julgamento.

10. Conclusão
Por tudo exposto concluímos que a ação popular é de extrema importância para o controle por parte dos cidadãos a respeito dos atos administrativos, sendo uma forma de participação direta na vida política do estado e de exercer a democracia do país.
A finalidade da ação popular, infelizmente vem sendo desvirtuada por nossos políticos, como meio de oposição política de um governo ao outro principalmente em períodos pré-eleitorais, enfraquecendo esse instituto democrático.
A ação popular tem rito ordinário com certas peculiaridades, onde nem sempre cabem as regras do Código de Processo Civil, como é o caso da não aplicação do art. 188 do CPC, no prazo para contestar referente à Fazenda Pública. Apesar de sabermos que ela preza pelo interesse público, porém a ação pública é uma garantia do cidadão não havendo compatibilidade com esta ampliação de prazo. O prazo é de 20 dias para a resposta dos réus, sendo comum a todos os interessados.
A competência originária para julgamento da ação popular é da Justiça de primeiro grau (federal ou estadual), conforme o caso, nunca será dos Tribunais, mesmo que seja proposta contra atos do Presidente da República, por exemplo.
A constituição isenta de custas e de ônus da sucumbência o autor popular, salvo comprovada má-fé.
As sentenças proferidas em ação popular são passíveis de recurso de ofício (quando concluir pela improcedência ou carência da ação) e apelação voluntária, com efeito suspensivo.

11. Referências Bibliográficas
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Ed. Lumen júris, 23ª Edição, 2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, ação popular .. Malheiros Editores, São Paulo, 2004. 27ª Edição.
CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. Ed. Forense, 2006.
GASPARINI, Diórgenes. Direito Administrativo. Ed.Saraiva, 13ª Edição, 2008.

Autor: Ivana M. Monteiro


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