A suspensão do fornecimento de enrgia elétrica em razão da inadimplência do usuário



A suspensão do fornecimento do serviço essencial motivada pelo não pagamento tarifário é prática comum entre as empresas delegatárias de serviços públicos, em especial as fornecedoras do serviço elétrico residencial, as quais como forma de constranger os usuários, lhes tolhem o fornecimento desse serviço sem sequer saber o motivo da inércia em adimpli-lo (AZEVEDO, 2007).
Entende Di Pietro (2006, p.300), que o serviço essencial não pode ser tolhido, uma vez que compete à empresa concessionária cobrar seus créditos pela via judicial. É o que se vê:

O usuário tem direito à prestação do serviço; se este lhe for indevidamente negado, pode exigir judicialmente o cumprimento da obrigação pelo concessionário; é comum ocorrerem casos de interrupção na prestação de serviços como os de luz, água, gás, quando o usuário interrompe o pagamento; mesmo nessas circunstancias existe jurisprudência não unânime no sentido de que o serviço, sendo essencial, não pode ser suspenso, cabendo ao concessionário cobrar do usuário as prestações devidas, usando das ações judiciais cabíveis (grifos da autora)

Nessa mesma esteira preleciona Bandeira de Mello (2009, p.740), que ponderando na órbita da continuidade dos serviços públicos, repisa aquela controvérsia quando pontua acerca da continuidade dos serviços públicos. Assim, aduz o autor que em se tratando de serviços cuja necessidade extrema não ressalta dúvidas, por exemplo, os serviços de fornecimento de água e energia elétrica, nem a Administração pública ou a concessionária poderá cortá-los na oportunidade em que se constatar a insuficiência financeira para a quitação das tarifas. "[...] em tal caso, sua cobrança terá de ser feita judicialmente e só ai, uma vez sopesada as circunstancias pelo Juiz, é que caberá ou não o corte a ser decidido nesta esfera".
Perfilha o mesmo pensar, Cretella Junior (2002, p.286), quando afirma que alguns serviços públicos devem ser fornecidos de forma continuada ao utente, "[...] como, por exemplo, os serviços de fornecimento de água. Eletricidade, gás, telefone".
Observa-se, desse modo, que o corte do fornecimento de energia elétrica pelo inadimplemento do usuário além de afligir o que preceitua o Art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, é dizer, a continuidade, também contraria o que estabelece o art. 42 deste Diploma Consumerista, a saber: "Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça".
Reginato (2008), no entanto, não corrobora esse entendimento. No pensar desse autor, a ridicularizarão ocasionada pelo corte do fornecimento da energia elétrica só ocorrerá na ocasião em que o usuário não pagador informar aos vizinhos, uma vez que as concessionárias poderão intervir na residência dos utentes por diversos motivos, e não só para efetuar o corte do serviço, de modo que os demais só terão conhecimento do corte caso o prejudicado os informem.
Noutro giro, Azevedo (2007, p.97) questiona a aplicabilidade da exceção do contrato não cumprido em relações negociais desiguais. "[...] é possível refletir, pelo menos, a respeito da aplicação do art. 476 do CC a um microssistema destinado a regrar relações negociais entre contratantes notadamente ?desiguais?, conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor [...]". Nesse esteio, a aplicação da teoria da exceção do contrato não cumprido às relações de consumo não seria crível. Vê-se, também, que o autor perfilha o posicionamento da aplicabilidade do CDC no âmbito daqueles serviços, como alhures analisado na presente monografia.
Nunes (2004, p.104-105), defensor da aplicabilidade do CDC aos serviços públicos, ensina que a ininterrupção daquele serviço público essencial está pautada em ditames constitucionais, ao passo que "não é possível garantir segurança, vida sadia, num meio ambiente equilibrado, tudo a respeitar a dignidade humana, se os serviços públicos essenciais urgentes não forem contínuos".
Pfeiffer (2008), no esteio dos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana entende que há circunstâncias que merecem ser postas como exceções quando se fala em suspensão dos serviços públicos em razão da inadimplência, por exemplo, a hipervulnerabilidade que aflige os portadores de necessidades especiais ou situações de desemprego, vez que, nesses casos, a inércia em quitar as tarifas não ocorre por má-fé nem por desídia, mas sim por insuficiência absoluta de condições financeiras.
Destarte, o princípio da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, cuja observância é de interesse da coletividade, permitiria, excepcionalmente, a continuação do fornecimento elétrico residencial mesmo em situação de inadimplência, até que sobrevenham circunstâncias para que este usuário em mora adquira condições para adimplir o debito, é dizer, aquisição de um novo emprego, ou melhora em seu estado de saúde. No entanto, o ônus da prova desta situação excepcional caberia ao usuário. (PFEIFFER, 2008)
O corte administrativo do fornecimento de energia elétrica residencial não pode ser utilizado pela concessionária como forma de compelir o devedor a efetuar o adimplemento tarifário, o que configuraria exercício arbitrário das próprias razões (autotutela), em detrimento dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo utente, o que é peremptoriamente vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.
A autotutela, na espécie, consubstanciada no ato unilateral de suspensão administrativa do fornecimento do serviço como instrumento de cobrança de dívidas, fere princípios básicos de proteção ao usuário, como pessoa e como consumidor, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana , da dignidade e da vulnerabilidade do consumidor , do acesso à justiça , do devido processo legal ? e seus consectários: direito ao contraditório e à ampla defesa ? e, nos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, entre outros
O corte do fornecimento deste serviço seria permitido exclusivamente na ocasião de autorização judicial, comprovando no feito que o usuário inadimplente, apto a pagar a tarifa, é dizer, gozando de condições financeiras para tanto, mantém-se inerte no pagamento do débito junto à concessionária. Assim, poder-se-á suspender o serviço. (NUNES, 2004).
Justen Filho (2006, p. 541), por seu turno, também posiciona-se na esteira da impossibilidade da suspensão administrativa do fornecimento de energia elétrica, sob o fundamento de que a situação legal autorizatória, qual seja, o inadimplemento, "[...] não autoriza a suspensão de serviços obrigatórios, cuja prestação se faz no interesse público ou é essencial aos direitos fundamentais [...]". Deveras, nessa hipótese haverá duas soluções. A primeira é promover a cobrança de forma compulsória em face do usuário inadimplente, correspondente ao valor tarifário em débito. A segunda é o subsídio, este podendo ser estatal ou cruzado.
Nessa trilha também caminha o posicionamento de Mattos (2001, p.151) quando assevera que o "[...] serviço de energia, por ser essencial, deverá ser continuo, sem interrupções, consoante regra encartada no art. 22 do CDC". Aduz ainda o autor que o serviço público "[...] não pode ser interrompido sem uma justificativa legal, quiçá o essencial, onde a sua condição impõe um rigor mais apurado, em face do grave dano que causará se não houver a sua regular continuidade. (Mattos, 2001, p. 154).
Ainda no tocante a posicionamentos contrários a suspensão administrativa do fornecimento elétrico residencial, há doutrinadores que entendam que a atuação da concessionária no sentido de suspender o fornecimento elétrico administrativamente pelo mero inadimplemento por parte do utente, afronta o que preceitua o art. 5º, XXXV da CF/88. Concluindo, portanto, que na ocasião da ausência de contraprestação pelo usuário "[...] caberá às concessionárias de energia ingressar em juízo para cobrar dos usuários os valores que entendam devidos, submetendo ao crivo do poder judiciário a plausibilidade de sua pretensão. (Segalla, 2001, p.17). Deveras, no caminhar desse entendimento, a ninguém é albergado o direito de pleitear seus direitos por meios de suas próprias mãos, o que resta configurado nos casos onde as concessionárias, visando o adimplemento de seus encargos, tolhem o fornecimento daquele serviço essencial, o que afronta o princípio da continuidade, não havendo "[...] com efeito, fundamento constitucional para tanto. (SEGALLA, 2001, p. 17).
Vê-se, portanto, que os que caminham na trilha da impossibilidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica em razão do não pagamento pelo usuário, entendem que a dicção do que preceitua o Art. 22 do CDC é clara e taxativa em determinar que os serviços essenciais sejam contínuos (NUNES, 2004, p.104). Deveras, "há, segundo os adeptos dessa corrente, flagrante violação ao chamado princípio da proibição de retrocesso, que se refere às garantias e direitos fundamentais expressos na Constituição Federal." (Azevedo, 2007, p.101). Além disso, pontuam os defensores dessa corrente que a suspensão administrativa pela concessionária configura exercício arbitrário das próprias razões, uma vez que a pretensão sequer foi analisada pelo poder judiciário, o que dá ensejo a alegação de inobservância ao princípio da presunção de inocência e da boa-fé objetiva.

AZEVEDO, Fernando Costa de. A Suspensão do fornecimento de serviço público essencial por inadimplemento do consumidor-usuário. Argumentos doutrinários e entendimento jurisprudencial Revista de Direito do Consumidor 2007 ? RDC 62. Doutrina Nacional, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2006

NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor: com exercícios. São Paulo: Saraiva, 2004.

PFEIFFER, Roberto Castellanos. Osvaldo Anselmo. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos. Revista de Direito do Consumidor 2008 ? RDC n.65.

REGINATO, Osvaldo Anselmo. A prestação do serviço público essencial do fornecimento de água tratada e os direitos constitucionais e do consumidor. Revista de Direito do Consumidor 2008 ? RDC n.65

JUSTEN FILHO, Maçal. Curso de Direito Administrativo 2ª Ed. Belo Horizonte: editora Fórum, 2006.
Autor: Breno Nazareno Costa Felipe


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