CPI: Uma Visão Acerca Do Instituto



CPI : uma visão acerca do instituto

AUTORES- Sergio Fedato Batalha / Renato Baptista Toledo Duran
Ano de elaboração: junho 2008


Pesquisadores - acadêmicos da Faculdade de Direito da Associação Educacional Toledo – AET de Presidente Prudente-Sp e atualmente estagiando no Ministério Público do Estado de São Paulo.
e-mail: [email protected]

Presidente Prudente - SP

Comissões Parlamentares de Inquérito : uma visão acerca do instituto

Atualmente, vivenciamos momentos conturbados por fatos que nos causam indignação, e trazem a tona toda inverdade que pode ser divulgada por um poder supra, ou seja, ligamos nossas televisões e assistimos notícias polêmicas que envolvem autoridades. É nesse contexto que se necessita cada vez mais de um poder investigativo forte, que possa trazer um dinamismo, sobre outros ângulos e que não se estabilize em apenas uma vertente. Em nosso país a separação dos poderes tem previsão constitucional desde a primeira constituição (1924). Com o decorrer do tempo e com passagens pelas constituições de: 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 até 1988. Com a atualização da doutrina, lembra-nos: ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ¹:"passados mais de dois séculos desde a sua formulação, a doutrina de Montesquieu ainda se apresenta válida no seu essencial, mas num contexto e espaço completamente novos. De uma estrita separação de poderes, a receita política de Montesquieu evolui, numa segunda fase, para uma separação atenuada pelos freios e contrapesos, desembocando numa terceira fase de interferências, mais ou menos acentuadas, mas sempre limitadas, entre os poderes". Sob o ponto de vista doutrinário sabe-se que há funções típicas e atípicas dos três poderes e nossa constituição traz expressamente que "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário" (art. 2º da CF/88), não por isso pode-se dizer que há uma crise entre os poderes, pois o sistema de freios e contrapesos o estabiliza.

Diante do exposto, é de comum acordo que o legislativo não tem a função típica de julgar, embora o faça de maneira atípica, é nesse prisma que as CPI's geram discussões e conflitos com posições divergentes, tentativa de solução pela atual Carta de 1988 que dispõe, em seu art. 58, §3º, que: "As Comissões Parlamentares de Inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público , para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores." Sobre a eficácia e aplicabilidade ensina o mestre JOSÉ AFONSO DA SILVA² que a norma descrita acima é de aplicabilidade plena, ou seja, permitindo a instauração de tais comissões sem depender de qualquer integração legislativa.

As Comissões Parlamentares de Inquérito podem ser criadas mediante requerimento de 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, uma forma de instrumento de controle pela minoria, e esta só poderá ser impedida de ser criada "enquanto estiverem funcionando pelo menos cinco na Câmara, salvo mediante projeto de resolução com o mesmo quorun de apresentação previsto no caput deste artigo", ou seja, mínimo de 1/3 (art. 35, §4º). Outra restrição de criação é dada pelo Regimento Interno do Senado Federal, art. 146, ao dispor que: "Não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre as matérias pertinentes: a) à Câmara dos Deputados, b) às atribuições do Poder Judiciário e, c) aos Estados".

Além do Regimento Interno e da própria Constituição Federal de 88, leciona LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES: "outra forma indireta de estudo e interpretação sobre o presente tema é a Lei, pois se admite aplicação aos parlamentares das disposições legais que ordenam a atividade investigativa do juiz, notadamente as leis processuais".

Em um eventual conflito de leis julgamos que aquilo que vem em desacordo com a lei máxima (CF), não estará recepcionado, uma vez que, será algo infraconstitucional.

Quanto aos poderes das Comissões, esses se restringem a investigativos, não lhe cabendo processar, punir, julgar, pois a dicção final do art. 58, §3º é clara: "sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores" (vide Lei nº. 10.001, de setembro de 2000, "que dispõe sobre a prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público e por outros órgãos a respeito das conclusões das Comissões Parlamentares de Inquérito").

A relação entre a tarefa legislativa e a investigação é citada por MOACYR LOBO DA COSTA4: "de par com o poder de legislar, que lhe é específico, o Parlamentar ou Congresso, como se denomina órgão que exerce a função soberana de fazer as leis, dispõe, tradicionalmente de outro relevante poder, o poder de investigar, que os tratadistas de direito constitucional e ciência política consideram como implícito do Poder Legislativo,

ao qual é inerente".

Não obstante a idéia de que para que uma efetiva comissão parlamentar de inquérito possa apurar toda as diligências cita-se o art. 58, §3º que estatui que as Comissões Parlamentares de Inquérito terão poderes de investigação "próprios das autoridades judiciárias". Significa que a Constituição procedeu a uma equiparação dos poderes destes órgãos parlamentares com o dos juízes, limitada ao procedimento de investigações.

Estamos em par com os juristas que deixam claro que as CPI's possuem grandes alternativas, entretanto, a casos que a Constituição Federal reservou apenas para os magistrados, como a prisão, a busca domiciliar, a interceptação e a escuta telefônica.

Por igual, o Ministro CELSO DE MELLO, em liminar concedida em mandado de segurança5, trouxe a questão da "reserva de jurisdição" como óbice para a atuação das CPI's. Diz ele:

"O Postulado da reserva constitucional de jurisdição imporá em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive, daqueles a quem seja eventualmente atribuído o exercício de "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais".

A cláusula constitucional de reserva de jurisdição – que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (Constituição Federal, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (Constituição Federal, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (Constituição Federal, art. 5º, LXI) – traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a ultima palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado".

 

A CPI e a quebra de sigilo telefônico, dados fiscais, bancários e financeiros

Sobre o tema em questão há uma grande divergência doutrinária e optamos pelo embasamento do princípio da legalidade.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XII, dispõe que: "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Alguns doutrinadores possuem opinião diversa da aqui apresentada, como LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES6, ao citar que: "as restrições trazidas pela própria Constituição são de observância obrigatória pelas Comissões Parlamentares de Inquérito. Assim poderão obter acesso às comunicações telefônicas apenas "para fins de investigação criminal ou instrução processual penal". Entretanto, entendemos que a investigação possui caráter administrativo, e, a quebra de qualquer sigilo telefônico é atribuição judicial, pois segundo requisito da Lei nº. 9.296/96 a quebra de sigilo decorre de uma infração penal obstando, assim, a mesma pela CPI. Portanto, após realizadas investigações pela CPI poderão estas ser encaminhadas ao Ministério Público ou ao juiz para que possam, assim, tomar as medidas cabíveis.

Quanto à possibilidade de quebra de sigilo bancário, fiscal e financeiro, entende a melhor doutrina de PEDRO LENZA7: "a CPI pode, por autoridade própria, ou seja, sem a necessidade de qualquer intervenção judicial, sempre por decisão fundamentada e motivada, observadas todas as formalidades legais, determinar a quebra do sigilo fiscal, bancário e de dados, neste último caso, destaquem-se o sigilo dos dados telefônicos. O que a CPI não tem competência é para quebra do sigilo da comunicação telefônica (interceptação telefônica), que se encontra dentro da reserva jurisdicional. No entanto, pode a CPI requerer para a quebra de registros telefônicos pretéritos, ou seja, com quem o investigado falou durante determinado período pretérito".

A CPI e a realização de buscas e apreensões

Conforme a Lei máxima ensina no nosso ordenamento, em seu art. 5º, XI, diz que: "A Casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro ou, durante o dia, por determinação judicial".

Neste sentido, entende-se que as CPI's não possuem poderes de busca e apreensão. Nesta linha de raciocínio o Ministro CELSO DE MELLO8 se expressou sobre referido tema: "Sendo assim, nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério Público, nem a administração tributária e nem a Comissão Parlamentar de Inquérito ou seus representantes, agindo por autoridade própria, podem invadir domicílio alheio com o objetivo de apreender, durante o período noturno, e sem ordem judicial, quaisquer objetos que possam interessar o Poder Público".

Outra decisão do Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido, desta vez por seu Plenário, foi relatada pelo Ministro NÉRI SILVEIRA9: "As Comissões Parlamentares de Inquérito não podem determinar a busca e apreensão domiciliar, por se tratar de ato sujeito ao princípio constitucional da reserva de jurisdição, ou seja, ato cuja prática a CF atribui com exclusividade aos membros do Poder Judiciário"(CF, art 5º, XI).

A CPI e a requisição de documentos

Quanto a requisição de documentos de órgãos da administração direta e indireta é reconhecida as Comissões Parlamentares de Inquérito que na Lei 1.579/52, em seu art. 2º diz: " no exercício de suas atribuições, poderão as CPI's determinar as diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação do Ministro de Estado, tomar depoimento de quaisquer autoridades federais, ou estaduais ou municipais, ouvir indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença".

O Regimento Interno do Senado, em seu art. 148 ensina: "no exercício de suas atribuições, a comissão parlamentar de inquérito terá poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, facultada a realização de diligências que julgar necessárias, podendo convocar o Ministro de Estado, tomar o depoimento de qualquer autoridade, inquirir testemunhas sob compromisso, ouvir indiciados, requisitar de órgão público informações ou documentos de qualquer natureza, bem como requerer ao Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias que entender necessárias".

No mesmo sentido temos o Regimento da Câmara dos Deputados, art. 36º, I: "observada a legislação específica", "requisitar de órgãos e entidades da administração pública informações e documentos".

Vale lembrar que existem documentos atinentes ao segredo de Estado, logo, serão restringidos pelas CPI's. Em se tratando de documento particular em poder da administração pública poderá haver a requisição, já quanto a qualquer documento em mão de particulares há controvérsias, como tal posição é silenciada pela Lei 1.579/52 entende-se que não será admitida tal requisição.

Prazo certo

As Comissões de Inquérito do Parlamento devem funcionar por um prazo certo, ou seja, não podem funcionar ilimitadamente. Como a Lei 1.579/52 é muito vaga, nos socorremos do art. 35, §3º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados que diz: "A Comissão, que poderá atuar também durante o recesso parlamentar, terá prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até metade, mediante deliberação do Plenário, para conclusão de seus trabalhos".De outro lado, diz o art. 145, §1º, do Regimento Interno do Senado que: "o requerimento de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito determinará o fato a ser apurado, o número de membros, o prazo de duração da comissão e o limite das despesas a serem realizadas". Finalmente, ensina o art. 152 deste Regimento: "o prazo da comissão parlamentar de inquérito poderá ser prorrogado, automaticamente, a requerimento de um terço dos membros do Senado, comunicado por escrito à Mesa, lido em plenário e publicado no Diário do Congresso Nacional, observado o disposto no art. 76, §4º".

 

 

Testemunhas

Em relação as CPI's, podem ser chamadas pessoas como testemunhas, portanto, valem as regras do processo penal, cabe lembrar que elas não estão obrigadas a se auto-acusar. Com o depoimento também possuem um dever de falar a verdade. Quanto ao particular, este não poderá ser obrigado a depor sob determinado fato.

Portanto, ninguém pode ser obrigado a testemunhar, e muito menos ser obrigado a falar, se isto vier a ocorrer, cabe ao Judiciário comunicar-lhe a pena devida, processar e punir quem assim o fez.

Aplicação subsidiaria do Processo Penal

O regimento da Câmara em seu art. 36, diz que as Comissões Parlamentares de Inquérito valer-se-ão subsidiariamente das normas contidas no Código de Processo Penal, portanto, não nos cabe esquecer dos princípios básicos do devido processo legal, do caráter inquisitivo, do sigilo das investigações, de questões ligadas a publicidades, da verdade real, da necessidade de motivação, da colegialidade das decisões, entre outros.

Fatos que podem ser investigados pela CPI

Não podemos nos esquecer que cabe ao Poder Executivo a investigação da sociedade, com instituições próprias como o Ministério Público e a Polícia Judiciária. Logo, poderíamos até dizer que os fatos a serem investigados ocorreria na omissão do Executivo. Relações privadas, negócios privados, opções particulares, fatos comuns das pessoas, estão fora da possibilidade de apuração por uma CPI. Nesta intere há também entendimento de que as Comissões Parlamentares não podem investigar crimes. Nesse mesmo sentido, temos o seguinte acórdão prolatado no HC-71039-RJ, do Supremo Tribunal Federal, relatado pelo Ministro PAULO BROSSARD, quem em certo trecho da ementa afirma que: "não se destina – A CPI – a apurar crime nem a puni-los, da competência dos Poderes Executivo e Judiciário; entretanto, se no curso de uma investigação, vem a deparar fato criminoso, dele dará ciência ao Ministério Público, para fins de Direito, como qualquer autoridade e mesmo como qualquer do povo".

Também não se admitira investigação sobre matéria pertinente a Câmara dos Deputados, a atribuições do Poder Judiciário e aos Estados. Divergências ocorrem contra a possibilidade do Presidente da República ser submetido a investigação por uma CPI, entendemos que isso é possível, uma vez que a CPI investigam fatos e não pessoas. Como última pertinência, nos ensina o nobre JÓSE CELSO DE MELLO FILHO10, ao citar que: "somente fatos determinados, concretos e individuais, ainda que múltiplos, que sejam de relevante interesse para a vida política, econômica, jurídica e social do Estado, são passíveis de investigação parlamentar. Constitui verdadeiro abuso instaurar-se inquérito legislativo com o fito de investigar fatos genericamente enunciados, vagos ou indefinidos".

 

 

CONCLUSÃO

Instituto presente, fortemente na mídia atual, as Comissões Parlamentares de Inquérito sofrem severas críticas pela maior razão de que nunca chegam a lugar algum. É, de fato que o instituto encontra-se imaturo dentro do nosso sistema jurídico, o que nos leva a pensar se isso não é apenas mais uma forma de investigação sem eficácia, tanto pelo fato das limitações justas que sofrem as CPI's, quanto pelo poder de partidos que omitem fatos prejudiciais a sua imagem.

Bibliografia – CPI –

1."Conflito entre poderes – O poder congressual de sustar atos normativos do Poder Executivo".

2."Aplicabilidade das Normas Constitucionais".

3."Comissões Parlamentares de Inquérito – Poderes de Investigação"

4."Origem, natureza e atribuições das Comissões Parlamentares de Inquérito, Revista de Direito Público, n. 9, p. 110/121."

5."Mandado de Segurança 23.452/RJ, Informativo STF, n. 188, 17 de maiôs de 2000".

6."GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Poderes de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito – São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001".

7."LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 7 ed. Ver, atual. E amp. Método: São Paulo, 2004.

8."Mandado de Segurança, 23.595-DF, medida liminar".

9."Conforme transcrição no "Informativo STF", n. 212, de 27 de novembro a 1º de dezembro de 2000".

10."Investigação Parlamentar Estadual: as Comissões especiais de inquérito", Justitia, n. 121-150, ano 45, abril/junho de 1983."


Autor: Sergio Fedato


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