GUILHOTINAS TECNOLÓGICAS



Toda a juventude e boa parte de minha vida adulta, foi embalada pelo fundo musical proveniente dos discos de vinil, tanto dos compactos simples ou duplos, quanto dos long plays. Como não tínhamos possibilidade de passar de uma música para outra sem o risco de riscarmos e inutilizarmos os discos, éramos obrigados a escutá-los por inteiro, ainda que quiséssemos ouvir apenas aquelas que inicialmente haviam despertado nossa preferência. Com o tempo, muitas vezes, éramos levados a descobrir outras melodias que, embora não tivessem nos chamado a atenção logo na primeira audição, acabavam recaindo em nossos gostos e marcando nossas vidas. Essa necessidade possibilitou o surgimentos dos denominados discos conceituais, nos quais todas as músicas contribuíam para o mesmo efeito final ou para uma história única. Aliás, o álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band dos Beatles de 1967 foi considerado como tendo sido o primeiro deste tipo de discos.

Em relação aos livros impressos, ocorria a mesma coisa. Ainda que estivéssemos buscando apenas a ideia do autor a respeito de um determinado assunto, tínhamos que ler toda a obra, obrigando-nos a tomar contato com o contexto geral do pensamento do escritor, o que, digamos de passagem, era bem mais interessante para nosso crescimento intelectual.

Acontece que as modernas tecnologias acabaram mudando tudo isso. Tão logo começou o advento dos denominados CD players, eu observei que os ouvintes de música, com a facilidade que lhes foi dada de pularem rapidamente de uma canção para outra através de um simples toque no botão de um controle, ao comprarem um CD novo, escutavam apenas as primeiras notas da melodia e, caso elas não lhes agradassem, passavam imediatamente para a próxima sem as escutarem por inteiro. Inclusive programavam o CD de modo a que ele não reproduzisse as músicas assim guilhotinadas. Isso resultava na eliminação sumária de canções lindas cujo único problema era o de, tão logo nos primeiros compassos, não atraírem a atenção dos consumidores.

Por outro lado, hoje existem nos modernos computadores, mecanismos de busca que rapidamente nos levam à ideia que estamos buscando, por maior que seja o texto escrito dentro do qual ela esteja contida. Temos portanto, possibilidade de tomarmos conhecimento rapidamente a respeito do pensamento de um autor sobre um ponto específico, sem que precisemos adentrar a todo o contexto (muitas vezes bem mais importante), que o fez chegar àquela conclusão que nos interessa naquele momento.

Sou instado a pensar que essas facilidades todas estão funcionando como uma espécie de guilhotina tecnológica, podando todas aquelas ideias e sons que poderiam servir de asas para a nossa imaginação e adubo para nossa criatividade. Muitas vezes, elas fazem com que nós passemos ao lado de um tesouro cultural e não notemos o brilho das pedras preciosas que estão ali, bem debaixo dos nossos olhos.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

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