Educação libertária



No contexto educacional do século XXI, tomado por uma série de procedimentos pedagógicos amparados por uma operacionalidade tecnológica para a transmissão de conhecimento, o provocador Paulo Freire, mantém ainda seu lugar de destaque no universo enigmático da educação. Um sujeito questionador, com um pensamento além das questões pedagógicas, construtor da idéia de uma educação voltada para a libertação, em benefício dos oprimidos. Mais do que um método, Freire arquitetou uma teoria do conhecimento sobre o processo de ensino e aprendizagem.


O escopo do trabalho de Freire, idealizado para jovens e adultos, era a conscientização do indivíduo a partir da busca do conhecimento de sua própria força e capacidade de responder às demandas que a sociedade imprime na vida cotidiana. Para tanto, era preciso convocar os alunos para que compreendessem. o conteúdo exposto a partir do contexto que os rodeava, das suas particularidades cotidianas, além de uma noção mínima de outros espectros como política, cultura, economia, entre outros. Tudo isso, de uma forma simples e clara mesclada com os aspectos técnicos da pedagogia.


A intencionalidade do processo educativo estava centrado na formação do sujeito com uma configuração uniforme, disponibilizando ao indivíduo as ferramentas para a realização de uma leitura reflexiva do mundo. Lidar com a vida cotidiana a partir da alfabetização, para revelar o seu espaço dentro da sociedade, permitindo com isso o aperfeiçoamento de si mesmo, produzindo sua percepção à respeito dos dilemas sociais.


Primeiramente, não é possível transformar a sociedade sem a inovação, a invenção, a tentativa e, portanto, a autonomia, o pensamento crítico, a reflexão sobre a ideologia hegemônica, elementos que somente podem ser trabalhados com a possibilidade do questionamento, que deve ocorrer também nas instituições de ensino onde o aluno precisa adquirir o conhecimento e concomitantemente, processá-lo a partir de sua experiência individual para que então possa formar o seu entendimento sobre os fatos. Portanto, o aluno que apenas "ingere" o conteúdo sem a opção de trabalhar o seu raciocínio sobre o mesmo, encontra-se ceifado pelo autoritarismo de quem se considera superior, onipotente, onipresente, com o monopólio do saber (professor).


A escola questionadora é aquela capaz de modificar os paradigmas que bloqueiam a construção de um indivíduo compromissado com a cidadania, voltado para o bem comum, e que somente chega a este patamar, porque a ele é proporcionado o direito a palavra, o livre pensar, a dúvida, a contradição, a tentativa, o recuo, enfim, a idéia de que não há uma verdade absoluta, e sim, a sua. Se a intenção do professor é somente a transmissão do conhecimento, a posição dele é muito confortável, agora, se o pensamento é ir além desta simples transferência, a sua conduta se faz muito mais exigente, comprometida e, portanto, mais desafiadora, assustadora, por isso muitos não arriscam vôos mais longos.


Um dos artifícios de Freire é o emprego da linguagem verbal, que refere-se ao dispositivo sacado pelos sujeitos para a interlocução entre os mesmos, ou seja, um instante de comunicação verbal caracterizado pela mediação da linguagem, acionado num contexto sócio-histórico definido. O emprego da linguagem na relação com o outro sugere um ambiente de convenção, visto que, o processo decisório individual passa pelo embate dialético das partes. Desta forma, a linguagem verbal recebe a incumbência de provocar os educadores e educandos no decorrer do procedimento de alfabetização, convidados que são, a agir, a partir dos diálogos construídos pela interação. Neste sentido, palavras trazem consigo uma substância experiencial que é aplicada ao método de Freire para se aproximar dos elementos comuns a uma determinada comunidade. Na audição e conversação com os sujeitos da localidade e observando suas peculiaridades vocabulares, é que vai se estabelecendo a maneira de conduzir o processo educativo.


A palavra que simboliza a diferença do método de Freire do tradicional modelo educacional é, democracia, termo que indica a participação de todos indistintamente direcionado para um equilíbrio de forças, ou seja, uma relação horizontal, onde todos têm garantido a oportunidade de expressão num ambiente em que a totalidade possa visualizar o orador (organização da sala de aula ? carteiras em círculo). Dentro dessa democratização do espaço, podem perceber a sua real capacidade de participação, e a linguagem é o motor dessa caminhada. Dito isso, o procedimento utilizado por Freire no método sugere algumas etapas começando pelo levantamento do universo vocabular; reuniões dos círculos de cultura; trabalho com as fichas de cultura; seleção das palavras geradoras; e o trabalho com as palavras geradoras.


O fato de começar o trabalho de alfabetização a partir da realidade vivida pelos educandos é realmente colocá-los em um patamar de destaque, salientando a sua importância e compreendendo-os como atores centrais e não somente como objetos inertes. A frase do meio antropológico "considerar o ponto de vista do nativo" nos evidencia que aprender, a partir do próprio meio, proporciona ao indivíduo uma melhor compreensão do mundo da vida.


Um dos elementos de distinção entre o Método de Paulo Freire e os demais é utilização da palavra na sua totalidade, afirmando que a menor unidade de significado da língua era a palavra, diferentemente de outros modelos que usam o processo de fragmentação, ou seja, começam a alfabetização pela letra, depois as silabas, as palavras, as frases e por fim, o texto. Para Freire, este último, prejudica o resultado final da aprendizagem porque demanda mais tempo para atingir todas as etapas e na maioria das ocasiões não se consegue chegar até o fim do processo, deixando o sujeito incapaz de contextualizar o que foi absorvido até então e com dificuldade de compreensão textual.


O Método de Paulo Freire prima pelo desenvolvimento do ser na sua plenitude através do aparelhamento do indivíduo dentro de sua própria atmosfera existencial, numa simbiose entre educador e educando. Um Método que está sempre em aberto, procurando adaptar-se a dinâmica local seja com relação aos instrumentos de pesquisa, as palavras empregadas nos círculos de cultura, seja na capacidade de problematizar os temas ao invés de entregar as respostas sem uma discussão prévia.



Autor: Érico André Soares


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