O ACESSO À EDUCAÇÃO NO BRASIL
O ACESSO À EDUCAÇÃO NO BRASIL
Num contexto de mudanças, de globalização e de reorganização econômica, a estruturação e a ampliação da oferta de educação pública no Brasil, assim como o esforço para sua unversalização, têm sido marcados por reformas curriculares que visam acompanhar o desenvolvimento do país ou mesmo proporcionar um tipo de formação que se julga mais adequada para o processo de modernização.
O que se observa todavia, é que com o crescimento da oferta educacional, desde a ampliação da gratuidade e da obrigatoriedade do ensino, foram realizadas reformas curriculares que espelham a própria divisão da sociedade e a dualidade do sistema educacional brasileiro - um problema histórico da educação no Brasil.
Vivemos numa profunda crise no âmbito educacional, onde ainda grande parte da população não tem acesso ao ensino público de qualidade e os que o têm não adquirem conhecimentos considerados essenciais, por este apresentar insuficiências com relação a investimentos, má remuneração aos docentes que nele atuam e inexistência de comprometimento dos governantes com relação a esta causa.
Discutir o acesso à educação básica significa, portanto, é trazer à tona a questão do direito à educação e até mesmo a relação histórica do ser humano com a escola na busca do conhecimento formal, pois, quem não tem nenhum acesso à educação não é capaz de exigir e exercer direitos civis, políticos, econômicos e sociais, o que prejudica sua inclusão na sociedade moderna, conforme defende Gimeno Sacristán (2007).
A educação se constitui como direito fundamental e essencial ao ser humano, e, diversos são os documentos que corroboram com tal afirmação. A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, 9394/96 afirma que "é direito de todo ser humano o acesso à educação básica", assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece que "toda pessoa tem direito à educação".
De acordo com Pinto (2010), a previsão em lei do ensino obrigatório para uma parcela da população durante um período determinado da infância e juventude tem sido uma das estratégias adotadas por diversos países para viabilizar o exercício do direito à educação a todos os segmentos da sociedade, Ou seja, a educação compulsória tem sido um instrumento para que a educação deixe de ser um privilégio de classe ou grupos sociais e passe a ser garantida como direito fundamental para todos.
O Brasil tem se utilizado da obrigatoriedade para uma etapa de ensino desde 1934. Atualmente, o ensino é obrigatório para a população de 6 a 14 anos, e com a aprovação da Emenda Constitucional nº 59 de 11/11/2009 (EC nº 59), amplia-se a obrigatoriedade do ensino para a população de 4 a 17 anos, com prazo final até 2016 para a sua integral implementação. Isso garantirá 14 anos de educação formal, um importante passo para a ampliação do direito à educação.
Conforme Pinto (2010) há a "expectativa" (grifo nosso) de que a ampliação do acesso seja acompanhado da garantia da qualidade do ensino, esperando, que aqueles que foram excluídos pelo acesso não o sejam novamente, em decorrência da falta de condições de ensino que, da mesma forma, lhes tiraria o direito aos benefícios gerados pela educação. "Somente uma educação de qualidade pode permitir ao estudante se inserir de maneira crítica na sociedade e desempenhar com autonomia seu papel político, social e econômico" (FUENZALIDA, 1994 apud PINTO, 2010, p. 213)
Conforme Gimeno Sacristán (2007), a existência da escola cumpre um objetivo antropológico específico, que é o de garantir a continuidade da espécie, socializando para as novas gerações as aquisições e invenções resultantes do desenvolvimento da humanidade. É dever da escola, prover e facilitar o acesso aos bens culturais como literatura, livros técnicos, atualização científica, conhecimentos teóricos, produção artística, aos equipamentos e instrumentos tecnológicos e científicos, o que se materializa no currículo.
Ao analisar a natureza das mudanças pelas quais passou a sociedade nas últimas três décadas, em nível global, o autor afirma que a escola se vê confrontada ou em conflito com questões como: qual o currículo que deve ser desenvolvido na escola? Quais conteúdos ensinar? Qual é o seu papel nesse novo contexto?
Com a aceleração dessas mudanças, alteram-se as formas de comunicação dos seres humanos e entre os seres humanos, no fluxo de informação entre países, e na inovação instrumental e tecnológica, e nas formas de produção e reestruturação do capital. Tudo isso reflete na escola e na base do papel histórico e antropológico da escola, pois os processos de desenvolvimento das novas gerações apresentam peculiaridades absolutamente novas, mesmo para educadores jovens.
Ao tratar do acesso à educação no século XXI, nesse contexto acima delineado cabe recorrer a Sacristán (2007, p. 134) ao afirmar "se a educação tem necessariamente um sentido, caminha em uma direção e cumpre uma série de funções, tratar de esclarecer esse sentido é fundamental para uma prática reflexiva". Ou seja, é preciso discutir o sentido da educação hoje, ou ela não tem mais sentido? Qual direção tem tomado os processos educativos e as políticas educacionais?
Nesse sentido, a reflexão de Gimeno Sacristán é por demais coerente com os desafios da educação contemporânea ao expandir o direito à educação ao direito à informação, e eu iria mais longe, expandindo-o ao direito à profissionalização. Em sua perspectiva, ele pressupõe pensar a educação, planejá-la e executá-la de acordo com um enfoque moral e político: "a educação modela o ser humano", "[...] o ser humano como sujeito do direito à educação, tem que modelar a maneira de entendê-la , de conduzi-la e avaliá-la; ou seja , que a pessoa com seus direitos seja a referência do que devemos lhe dar e como fazê-lo" (GIMENO SACRISTÁN, 2007, p. 135).
O acesso à educação passa pelo direito de receber educação, o acolher os direitos humanos na educação como conteúdos do currículo e o desenvolver a educação conforme os direitos humanos como referências complementares e interdependentes a fim de conceber a educação e realizá-la com uma visão universal e moral.
Oliveira (2007) argui que a universalização do ensino Fundamental no Brasil ainda não está ainda inteiramente concluído e representa mudança de qualidade na dinâmica das contradições educacionais. Para ele, os processos de exclusão mudam de qualidade e de lugar, passando a concentrar-se na expansão das etapas posteriores a este e na qualidade da educação básica, notadamente, o ensino fundamental.
A democratização do acesso à educação básica confronta-se, conforme Oliveira (2007, p. 666) "com uma perspectiva política de redução do investimento público em educação, decorrentes das opções macroeconômicas do ajuste fiscal e da geração e da geração de superávits primários". Com isso, ele aborda os conflitos sem precedentes da história da educação no Brasil: existe uma tensão entre um sistema educativo em franca ampliação por vagas e qualidade, e uma agenda política e econômica conservadora. Além dos debates por atendimento a uma demanda por mais educação, há o debate com tensão entre o direito à educação de qualidade para amplos contingentes da população.
Oliveira (2007) analisa o acesso ao ensino fundamental, caracterizando-se os acúmulos das últimas décadas e identificando as contradições e desafios que roubam a cena. Apresentado dados desde a década de 1970, ele demonstra qude nesse período intensificou-se a ampliação das oportunidades de escolarização para a população e, praticamente, universalizou o acesso e a permanência no ensino fundamental e ampliaram significativamente os índices de conclusão. Segundo o Censo Escolar do INEP, em 2002, num total 2,78 milhões de estudantes concluíram a oitava série, o que representa aproximadamente 80% da população na faixa etária. Isso demandou expansão de todo o sistema notadamente das etapas posteriores ao ensino fundamental, provocando a expansão do ensino médio e do ensino superior.
Ao mesmo tempo, avulta a preocupação por qualidade no ensino fundamental diante dos mais evidentes e pungentes processos de exclusão gerados pelos altos índices de reprovação e evasão, problema histórico, mas pouco discutido ou levado a sério.
Com o acesso ao ensino básico e a unversalização do ensino fundamental, a principal forma de exclusão deixa de ser a falta de escola, a evasão e mesmo a não conclusão do ensino fundamental. A questão desloca-se para a qualidade do ensino e o lócus da exclusão também não é mais o mesmo; passa a ser o ambiente e a dinâmica da própria escola, o que tem profundas consequências para o sistema como um todo e para a natureza das contradições em seu interior.
Conforme Oliveira (2007) a primeira consequência é que o papel historicamente desempenhado pelo ensino fundamental, de regulador da demanda para as etapas posteriores da escolarização, deixa de existir. A contradição ou o desafio mais importante já não é "garantir acesso, permanência e sucesso (conclusão) do ensino fundamental " como se defendeu há pouco mais de duas décadas. Centro do argumento construído é que esse processo representa uma mudança de qualidade na educação brasileira.
Embora Ivan Ilich, apoiando-se na experiência dos países do Sul, tenha questionado a própria existência da instituição escolar (1970), escandalizando o mundo, uma sociedade sem escola, ao meu entender, só prejudicaria aqueles que mais precisam da escola: os que não possuem recursos para bancar a sua própria educação.
Finalmente, considero que a escola ainda constitui um instrumento essencial do projeto de redistribuição das riquezas e de mobilidade social. Mas, para que a escola seja transformadora é preciso compreender e transformar a escola que temos, e essa transformação passa necessariamente por sua apropriação por parte dessas camadas que precisam da escola pública. Apesar de estarmos em pleno século XXI, em que nos deparamos com inúmeras inovações tecnológicas, onde diversos ramos são modernizados, seja economicamente ou culturalmente, ainda convivemos com um grande problema que impede o pleno desenvolvimento do nosso país: a falta de investimento na área educacional, gerando a má qualidade da mesma. Dessa forma, o acesso à educação no Brasil, passa primeiramente pela questão da qualidade do ensino e, neste aspecto, esta ainda é um vir a ser.
REFERÊNCIAS
GIMENO SACRISTÁN. A educação que ainda é possível. Ensaios sobre uma cultura para a educação. Porto Alegre: Artmed (2007).
OLIVEIRA, Romualdo Poretela. Da universalização do ensino fundamental ao desafio da qualidade: uma análise histórica. Educ. Soc., Campinas, v. 28, n. 100 ? Especial, p. 661-690, out. 2007.
Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br
PINTO, José Marcelino de Rezende. Ampliação da obrigatoriedade na educação básica. Revista Retratos da Escola. Brasília, v. 4, n. 7, p. 211-229, jul.-dez. 2010.
Disponível em: http://www.esforce.org.br
Autor: Neide Pena Cária
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