Metafísica



A ciência Metafísica.


Introdução.


O texto que se apresenta é uma introdução à crítica da razão pura . Nesse trabalho, vamos tentar explicar ao leitor, qual é o problema ou os problemas que Kant tenta resolver em tal Crítica. Para tanto, penso ser necessário dizer que o conceito de ciência para Kant não pode ser confundido, com a ideia que temos de ciência na atualidade, sobretudo do ponto de vista do senso comum. Ora, para nós do século XXI, é coisa obvia, por exemplo, ouvimos que aquilo que se tinha como uma verdade científica ontem pode não ser hoje. Porém, para quem viveu na época de Kant, as coisas não eram assim. Eis ai um ponto, que é quase um divisor de águas, entre a ideia existente de ciência na época em que Kant viveu e a nossa. Assim o primeiro passo que o leito deve dar, ao ter um primeiro contado com essa obra de Kant é esse, ou seja, procurar evitar confundir aquilo considerado ciência para Kant, com o que se considera na atualidade. Bom, sendo para Kant a ciência algo que não muda, Kant adota como verdades permanentes aquelas existentes na mecânica newtoniana, pois para Kant essa mecânica possuía condições de verdades universais e necessária . Sabendo que Kant aceita a mecânica Newtoniana como possuidora de verdades universais, cabe perguntarmos por que e que verdades são essas. Já a lógica para Kant, é a lógica clássica de Aristóteles e a matemática, é a de Euclides.

Kant Faz duas perguntas na Crítica da Razão Pura, veremos a seguir quais são essas perguntas. Segundo Porta para que se entenda a Critica da Razão Pura pelo menos de maneira parcial, é necessário compreender a relação existente entre estas duas perguntas. "Entender esta obra é, em boa medida, entender a ligação interna que há entre duas perguntas que, a principio, são logicamente independentes uma da outra, a saber: É possível a metafisica como ciência? Como são possíveis física e matemática como ciências?". (Porta. 2007, P. 108).



O que Kant entende por Ciência


Bom, ciência Para Kant é "sinônimo" da mecânica Newtoniana e da geometria Euclidiana. O leitor poderia objeta a frivolidade desta afirmação, mas ao percorre a obra vera que não é bem assim. Para que se entenda tal afirmação é preciso conhecer o contexto no qual Kant esta inserido. Vejamos o que diz Porta a este respeito na citação a seguir: "A ciência é, para Kant, a geometria euclidiana e a mecânica newtoniana. Isto pode parecer óbvio, mas não é. Para entender o que significa é preciso saber alguma coisa". (Porta. 2007, P. 108).

Kant escreve a Critica da Razão Pura na primeira metade do Século XVIII. Neste momento na Alemanha haviam duas físicas consideradas, eram elas: A física de Descartes e a física de Leibniz. Mesmo existindo divergências entre estas duas físicas existentes, não aconteciam oposições seguras em seus conceitos de ciência. É neste meio turbulento que aparece uma nova opção que é a física Newtoniana. Kant aceita esta última que será seu objeto de estudo. Porta diz isto melhor a seguir: "Na primeira metade do Século XVIII existem na Alemanha duas físicas, a de Descartes e a de Leibniz. A discursão entre elas caracterizava o momento cientifico, não conseguindo nenhuma delas se impor definitivamente sobre a outra. A física de Newton aparece como uma nova e poderosa concorrente, que as desloca, embora com lutas e fortes resistências. O desenvolvimento intelectual de Kant coincide com este processo. Kant inicia sua formação em física através do contato com as polêmicas entre Cartesianos e Leibnizianos para, em seguida, aderir progressivamente a Newton até tomar partido definido por este (...)". (Porta. 2007, P. 108).
A física de Descartes e Leibniz são diferentes em várias questões, mas ambas possuem algo em comum, por exemplo, tanto Leibniz quanto Descartes adotam a ideia de ciência clássica, ou seja, que ciência é conhecimento universal e necessário. Ciência assim, não pode ser uma mera crença ou acha que algo é como se diz, porque alguém disse ou viu dizer, mas para que se possa obter uma verdade científica é necessário provas racionais, as quais seja investigadas e provadas, e ainda, demonstra como se chegou a tais resultados. Segundo Porta as físicas de Descartes e de Leibniz são diferentes, mas podemos dizer, por exemplo, que ambas aceitam a ideia de ciência clássica, ou seja, que ciência é conhecimento universal e necessário. Vejamos a definição de universalidade e necessidade dada por Porta, pois dizemos na introdução, que iriamos explicar ao leitor, o que estes dois conceitos significam em Kant. (...) "Todos os racionalistas em geral compartilham uma ideia de ciência que tem suas raízes na antiguidade clássica, segundo a qual ciência é conhecimento universal e necessário. Para usar algumas formulações que não são exatamente idênticas, mas confluem para o núcleo primordial da "necessidade", digamos que ciência é um conhecimento demonstrativo pelas causas ou razoes; não um mero saber do que é, senão do por que é; não simplesmente um descrever, mas um explicar; não propriamente um investigar os fatos estabelecendo novas verdades em relação a eles, mas provar estas verdades" (Porta. 2007, P. 109).
Tais exemplos vistos acima podem ser explicados de outo modo: para Kant uma verdade universal não pode ser fundada na experiência, como é o caso do triângulo. Um triângulo tem três lados, esta verdade não depende da experiência, porque o conceito de uma figura que possui três lados é necessariamente um triângulo. Em segundo lugar, sua negação produz uma contradição, assim, é logicamente necessário. Verdades desta natureza, Kant chama de juízos analíticos, pois se fundamentam sempre no principio de identidade, ou seja: A= A.
Uma característica importante presente tanto na física de Descartes quanto na física de Leibniz é a seguinte: Tanto um quanto o outro fundamentam suas físicas em suas metafisicas, Descartes, por exemplo, diz ser mais fácil conhecermos a alma e Deus do que um corpo. (...) "compreendi, então, que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de qualquer coisa material. De maneira que esse eu, ou seja, a alma, por causa da qual sou o que sou, é completamente distinta do corpo e, mesmo que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é". (Descartes. 1999, P. 62).
Na citação acima Descartes deixa claro sua crença na metafisica, pois diz que a alma não depende do corpo para existir. Mas será que Kant concorda com esta definição de ciência Cartesiana? Vejamos: Para Kant um dos caminhos pelo qual podemos obter um conhecimento seguro é através da Lógica. Todavia, segundo Kant a lógica não evoluiu, continuou como era desde Aristóteles. É importante ressaltar que o sucesso desta ciência deve justamente por isso, pois ela não teve crescimento, mas também não houve decadência, seus conceitos continuaram validos até os dias atuais. Mas isso não significa dizer que não houve tentativas no sentido de mudar tais verdades lógicas, mas segundo Kant, todos que tentaram reinventar os conceitos lógicos não obtiveram bons resultados. "Que a lógica tenha seguido desde os tempos mais remotos esse caminho seguro depreende-se do fato de ela não ter podido desde Aristóteles da nenhum passo atrás (...). A tentativa de alguns modernos de ampliá-la através da introdução de capítulos sejam psicológicos, sobre as diversas faculdades do conhecimento (a imaginação, o sentido de humor), seja metafisico, sobre a origem do conhecimento ou sobre os vários modos de certeza conforme a diversidade dos objetos(...). O limite da Lógica acha-se determinado de maneira bem precisa, por ser ela uma ciência que expõe circunstanciadamente e prova de modo rigoroso unicamente as regras formais de todo pensamento (seja ele a priori ou empírico, tenha ele a origem ou o objeto que quiser, encontre ele em nosso ânimo obstáculos acidentais ou naturais). A lógica deve a vantagem do seu sucesso simplesmente á sua limitação, pela qual ela se autoriza e mesmo se obriga a abstrair de todos os objetos do conhecimento e das suas diferenças, de modo a não se ocupar o entendimento nela nada mais do que consigo mesmo e com sua forma. Para a Razão devia ser, naturalmente, muito mais difícil encetar o caminho seguro da ciência , quando ela trata não somente de si mesma, mais também de objetos".(Kant. 1974, PP, 9-10).
Com tais argumentos Kant deixa claro que na lógica a razão da conta daquilo que pretende provar, pois não vai além de seus limites, ou seja, se ocupa com coisas que podem ser demonstradas. Um bom exemplo disto é o visto anterior, ou seja, o principio de não contradição: quando digo que A=A, tenho uma identidade. Não posso dizer em seguida que A é não A. A citação a seguir esclarece melhor: "Uma contradição se produz quando afirmo e nego a mesma coisa, ou seja, digo: "A é não A" (ou, por exemplo: ?Chove e não Chove"). (Porta. 2007, P, 114). Com tais exemplos, Porta diz que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Algo é possível quando não implica contradição, ao contrário, é impossível quando implica contradição e é necessário quando sua negação é impossível.
Cabe a partir destes exemplos, perguntarmos se é isso que acontece na metafisica. Bom, para Kant só é possível conhecermos aquilo que aparece, ou seja, os fenômenos, verdades que transcendem qualquer experiência não é possível. Pois bem, como dito antes neste texto, Descartes, por exemplo, quis provar por meio da razão pura duas coisas que para Kant são impossíveis, a saber, a existência de Deus e da alma. Ora, para Kant isto é um absurdo, porque quando a razão tenta provar algo desta natureza não da conta e cai em contradição consigo mesma. Cito Kant que esclarece esta questão: "A metafisica, um conhecimento especulativo da razão inteiramente isolado que se eleva completamente acima do ensinamento da experiência através de simples conceitos (não como a Matemática, através de aplicação da mesma á intuição), na qual, portanto a razão deve ser aluna de si própria, não teve até agora um destino tão favorável que lhe permitisse encetar o caminho seguro de uma ciência . Pois a razão emperra continuamente na metafisica, mesmo quando ela quer dar-se conta a priori (como ela se arroga) daquelas leis confirmadas pela experiência mais comum. Nela se precisa retomar o caminho inúmeras vezes, porque se descobre que ela não leva aonde se quer e, no tocante á unanimidade de afirmações dos seus partidários, encontra-se de tal domo distante disso que é antes um campo de batalhas aparentemente destinado ao exercício de suas forças no combate, onde ainda ninguém conseguiu conquistar para si o menor lugar e fundar sua vitória sobre uma posse duradoura. Seu procedimento constitui até hoje, sem dúvida alguma, um mero tatear e, o que é pior, sob simples conceitos". (Kant. 1974. P, 12).

O leito atento pode observar que foi introduzido o conceito de conhecimento a priori, mas não foi dito o que significa em Kant esse conhecimento. Bom, Kant chama de conhecimento a "priori" todo aquele conhecimento que não pode ser obtido através da experiência, ele pode até possuir algo da experiência, mas não pode vir dela (da experiência) de maneira total. Logo é possível afirma que em Kant, conhecimento a priori é aquele universal e necessário e não pode ser obtido por meio da experiência. Assim conhecimento a priori é oposto ao empírico que, por sua vez, é adquirido pela experiência.
É importante ressaltar que segundo Kant conhecimento a priori é possível na física, mas não é na metafísica. Já vimos que a metafísica não pode ser considerada para Kant ciência, porque trata de objetos que estão muito além da capacidade que a razão possui de conhecer, ela (a metafísica) pretende provar coisas através da Razão pura que não é possível como, por exemplo, a existência ou não de Deus. Assim do ponto de vista Kantiano, a Metafísica possui um caráter dogmático sem fundamentos, e é incapaz de provar as verdades que se propõe. Então qual é o erro que segundo Kant a metafisica cometeu ao tentar provar suas verdades? Para Kant quando a Razão tenta prova a existência de objetos que estão muito além de sua capacidade não consegue, e, cai em contradição com sigo mesma, assim, é possível afirmar que em Kant a Razão é limitada, pois existem coisas que se podem prova, essas coisas são, aquilo que aparece, ou seja, os (fenômenos) as coisas que não podem ser vistas, Kant chama de (coisa em si). Porém é necessário que se saiba, em primeiro lugar, Kant não é Ateu, e, em segundo, fique claro que o objetivo da Crítica da Razão Pura, não é negar, tão pouco, afirmar a existência de Deus, o que está sendo dito é que não é possível provar através de métodos empíricos a existência ou não de objetos transcendentais, uma vez, que a razão não da conta dessa tarefa, e, ao tentar fazê-lo cai em contradição consigo mesma.


CONCLUSÃO:

Segundo Kant a Metafísica não pode ser considerada ciência, porque propõe provar coisas impossíveis, ou seja, a metafísica possui um método dogmático, pois quer provar por meio da Razão Pura, coisas que estão além dos limites da compreensão humana, como por exemplo, Deus, a imaterialidade da alma etc. Isso significa que esse método proposto na metafísica, afirma ser possível o conhecimento daquilo que Kant chama de (coisa em si), o que para Kant não é possível, o que podemos conhecer é aquilo que aparece, ou seja, os fenômenos, Porém, a Razão não pode deixar de pensar em assuntos dessa natureza, ela (a Razão) ver-se obrigada a questionar a respeito desses assuntos. E ainda, ciência na época em que Kant está vivendo é sinônimo de mecânica Newtoniana. Assim, do ponto de vista Kantiano, parece ser possível afirmar, que autores como: Descartes Espinosa,... São inconsequentes, pois pretendiam provar objetos impossíveis de serem provados como, por exemplo, a existência ou não de Deus a imaterialidade da alma etc.





BIBLIOGRAFIA;

PORTA, Mario Ariel González. A Filosofia a partir de seus Problemas. São Paulo: Ed. Loyola, 3ª edição: Fevereiro de 2007.

DESCARTES, Renê. Meditações. Tradução de: Enrico Corvisieri. Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1999.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de: Valério Rohden. São Paulo: Ed. Abril, Col. "Os Pensadores", 1ª Edição, 1974.

Autor: Flavio Campos Lima


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