Uma pedra... Um olhar...



Uma Pedra... Um olhar!
Um corpo... Um grito... Um susto... Era o corpo de um homem. Lançado ao chão, esmagado pela locomotiva da indiferença. E esse sinal que não abre, pensei... Incomodado fiquei. Envergonhado... Enjoado... Descompassado...
Uma luz alumiava seus olhos permitindo que eu o fitasse. Atraído, fitei-os. Vermelhos, nadavam no mar revolto do abandono de si. Perturbado, interroguei-os: Que vês quando me olhas!?Ah!Perguntas...
Por que nos embaraçamos tanto, quando nos vemos refletido no outro?Por que temos tanta dificuldade de olhar no olho do outro?Será que é o medo de sermos descobertos e arrancados da letárgica masmorra em que fingimos viver?! Será que é o barulho do tilintar dos corpos nus que se tocam na noite fria da impotência? Ou será a navalha do olhar do bicho homem? Cortando profundamente o tecido sensível da consciência, arrancando-nos gritos de pavor?
Um bicho em fuga!É o homem... Carente da afirmação do outro, entrega-se ao estafante labor do ininterrupto mimetismo, e tonto de tanto girar na roda da ilusão, sonha com a realidade. Agora me diga: o que é a realidade?A vida?Você?O saber?O prazer fugidio do ter?A ilusão pusilânime de ser algo diferente do que se é?Mas, qual é mesmo o sentido da vida?Precisa de sentido?Não, não me digas que está na indigência do outro?!Nos olhos de quem me olha!Esmola... Degola... Escola... Mas chega de...
Agora quero cantar. Entoar cânticos a minha beleza dionisíaca. Sonhar com o dia em que Apolo, enfim envelhecerá. Dançar na floresta dos instintos sem máscaras. Ri das minhas fraquezas. Correr pelos pomares humanos saboreando os frutos do silêncio. Beber e comer o presente ao som embriagador da tragédia humana. Gozar da minha finitude, eternizando-me no momento chamado agora. Aquietar-me...
Quero repousar sobre uma pedra e quieto, observar o andar patético do fantasmagórico homem contemporâneo. Morrer de rir por não morrer... Querer sucumbir e não conseguir... Cantar uma música sem letra e tornar-me um acorde. Gritar: arranca-me deste mundo... Mudo... Difuso... E, meio que largado passear nos rostos, ri dos desgostos e morar nos esgotos. Talvez recolher no lixo o que restou do homem e de posse destes restos, alimentar-me. Reconstituir-me sem medo de pensar num mundo que não existe. Um mundo em que sou feliz com-meia-dúzia-de-mim-mesmo. Ruminar o vento... Tempo... Lento... Brincar com as cores... Odores... Sabores... Escrever um livro, quem sabe?!Dedicado a alguém... Ninguém... Amém...
Um livro de uma só palavra... Escrito sobre a pele daquele que não senti dor. Grafado com o pontiagudo instrumento da simplicidade. Onde cada palavra seja fruto de um parto... Vela de um mesmo barco... Onda de um mesmo oceano... Som de um mesmo instrumento... Choro de uma mesma boca... Fome de um mesmo estômago... Passo de uma mesma perna... Lamento de um mesmo coração...
Ou, quem sabe rasgar os livros. Sim rasgá-los e queimá-los, usando suas cinzas nos rostos pálidos e sem vida dos defuntos eruditos, que morrem de constipação, sufocados pelos gases produzidos pelo conhecimento que não produz. Que de olhos esbugalhados perguntam-se pelas honras e glórias, obtendo como resposta os olhares inquisidores daqueles que lhe serviram de tinta e das honras que lhe serviram de papel.
Ah!O que mais me dói é que a luz que alumiava aquele rosto era de um carro. Virando-me um pouco procurei o olhar daquele que dirigia. Encontramo-nos: mergulhado na vergonha... Nem mais uma palavra. Basta!Vou voltar para minha masmorra.

Autor: Afonso Rocha Sombra


Artigos Relacionados


Desabafo Diante Da Cultura Do Ter-ser.

Pedaços De Um Esquecimento

Ele

EstaÇÃo VocÊ

Sair Pra Rua

Anjos Da Noite

Ou Vidas...