Filosofia no Brasil A Polêmica sobre a sua existência.



O presente trabalho se refere à análise do livro "Crítica da razão tupiniquim", escrito por Roberto Gomes, que trata do surgimento da Filosofia no Brasil. O autor começa por procurar uma justificativa para o tema de sua obra. Ele anuncia a primeira parte do livro alertando que no Brasil não existe uma filosofia (também chamada de razão) típica, originariamente brasileira. Tanto que nos diz em certa passagem: "Uma razão brasileira, não existindo atualmente, precisaria antes do mais ser providenciada". Entretanto, nesse sentido pioneiro questionado, deixa claro que ele não tem a pretensão de ser o criador, o inventor dessa razão.

Umas das particularidades do nativo brasileiro, e que talvez pode ser o ponto de partida a considerar para fins se criar uma razão propriamente tupiniquim, é o nosso jeito piadístico, descontraído e bem-humorado, ao contrário de outros povos, que são sérios no trato com os demais. Porém, o autor dá a entender que, ao se fazer graça de tudo e rir da própria desgraça, na verdade esse fato revela que a piada, em certos casos, funciona como um escapismo.

A propósito, veja-se a citação retirada da obra, onde o riso é questionado como "uma saudável maneira de suportar um existir humilhado". Nesse particular, sempre é constante o risco da piada generalizada nos conduzir à alienação, à falta de senso crítico e ao conformismo. E pior: a ausência de uma atitude crítica perante os acontecimentos, verificável no estereótipo do cidadão brasileiro, é um dos principais fatores que nos impede de termos um posicionamento mais realista do mundo e, por conseqüência, mais crítico. Assim, "eis o que impede seja criada entre nós uma atitude tipicamente brasileira ao nível da reflexão crítica".

O autor afirma que no Brasil, não obstante alguns trabalhos acadêmicos existentes, não há ainda uma produção filosófica significativa. Se quisermos gerar algum pensamento filosófico típico e original brasileiro, devemos partir primeiramente de uma realidade brasileira, e não uma realidade oficial, já que são conceitos distintos. A arte típica e original brasileira, dotada de seus mais diversos artistas e de suas incontáveis manifestações, tem a capacidade de nos oferecer essa bagagem cultural. Ao buscar-se na arte as bases de uma filosofia genuinamente tupiniquim, o autor tem em vista "propor um projeto, um certo tipo de pretensão."
Dando prosseguimento à análise da obra em comento, o filósofo brasileiro reconhece a dificuldade de se pretender criar uma filosofia autenticamente nacional, em razão principalmente do nosso jeito piadístico; pois, conforme dito acima, essa característica pode nos conduzir ao conformismo e alienação. E mais: quem se encorajar a propor em um projeto inovador num campo de estudo marcado pela tradição, dificilmente será levado a sério.

Ao fazer um paralelo entre os âmbitos da filosofia e da arte, descobrimos que o filósofo, assim como o artista, quando se dedica fielmente ao seu ofício, não é levado a sério pela sociedade-padrão e sente-se marginalizado, visto que suas opções e propostas por vezes fogem aos fatos sociais vigentes tidos por aceitáveis.

Demonstra-se cristalina a dura crítica conduzida pelo autor e direcionada contra o formalismo exagerado vigente nos meios acadêmicos. Nessa área de atuação, o linguajar erudito e as pomposas vestimentas dão o toque de seriedade que a pessoa e sua tese necessitam para serem levadas a serio, mesmo que, quanto ao conteúdo, elas não tenham muito a nos dizer ou a acrescentar. É o que se enfatiza na passagem "não importa o dito, mas a maneira de dizer dentro de padrões previamente consagrados".

Um fato contraditório é que o povo brasileiro, por motivos diversos, entre razões culturais e climáticas, tem certa resistência ao que é demasiadamente formal e pomposo. A exceção é quando se trata de discutir teses importantes, no qual envereda para um formalismo e robustez que, se exagerados, beiram ao ridículo. Tal comportamento, bastante comum no meio acadêmico e entre os intelectuais e cientistas, revela falta de autenticidade e a submissão ao padrão cultural e estético europeu (formalista por natureza). Nesse quesito o autor nos informa que "no homem sério, triunfa a Razão Ornamental".

Nesses termos, levanta-se a questão fundamental acerca das condições de possibilidade de um juízo filosófico originariamente nacional; questiona-se, ainda, o que se pode extrair ao se analisar os comportamentos tipicamente brasileiros.

Inicia-se o terceiro capítulo do livro por meditar em que consiste o ato de descobrir-se, bem como no que significa o termo originalidade. Com relação ao primeiro, a obra nos diz que não é um fenômeno complexo, pois não passa de um reconhecimento da pessoa sobre as suas próprias origens. Assim: "A descoberta é, pois, fenômeno primário: um reconhecimento". Fala-se da situação de estar do sujeito, explicando que a identidade de um indivíduo está intimamente ligada com o mundo que o cerca, as pessoas, os lugares, os objetos pessoais, o tempo etc.

Para entendermos adequadamente um texto filosófico, imprescindível se faz que seja analisado contextualizando-o com o respectivo tempo e lugar em que foi escrito, pois a escrita expressa as idéias de alguém sempre segundo essas variáveis (tempo e espaço). Assim sucedeu com Platão. O mesmo fenômeno aparece em Tomás de Aquino que, segundo o autor, será certamente mal compreendido se se tentar estudá-lo desconsiderando o contexto histórico. Atesta-se que: "fora, portanto, das urgências de seu tempo, os pensadores não chegam a fazer pleno sentido." Nesse particular, os exemplos se multiplicam.

O efeito prático que se pode extrair dessa incursão ao âmbito histórico do filósofo é descobrir a origem de seu pensamento. A originalidade de uma filosofia não está ligada ao saber de um outro (um pensamento estrangeiro), e sim com o seu próprio saber. Ainda se tratando de originalidade, importante distingui-la do conceito de novidade, já que algo pode ser novo sem ser original. A única maneira de descobrir se um pensamento é original é estudando-o historicamente.

Uma razão (pensamento filosófico) tipicamente nacional só terá existência se levarmos em consideração a nossa própria realidade e a nossa própria linguagem, se formos buscar um pensamento próprio, e não ficarmos procurando conceitos e idéias advindas do estrangeiro; eis aí a principal condição de possibilidade necessária à formação concreta de uma razão tupiniquim.

Em termos de utilidade, na Filosofia ocorre diferentemente do que no campo cientifico das demais áreas do conhecimento (ciências exatas ou biológicas). A ciência possui o cunho pragmático bem consolidado, isto é, seus estudos devem "servir" para alguma coisa e ter aplicação na vida prática das pessoas; não é o que ocorre com a Filosofia, que tem toda hora de "provar" a que veio, justificar-se. É corriqueira a pergunta sobre se a filosofia nos é importante, principalmente porque suas afirmações não são conclusivas, razão pela qual acredita-se que não passam de mera especulação sobre um determinado assunto.

Assim, o autor deixa clara a missão primeira da Filosofia: destruir, isto é, dizer o contrário do que está vigente e pré-estabelecido. Esse processo ocorre continuamente no tempo, em que um pensamento já estéreo e envelhecido é substituído por um novo paradigma, e assim sucessivamente. Encontra-se nos filósofos da Antiguidade o exemplo dessa dinâmica de supressão de idéias por outras novas, já que eram mestres em suprimir por novos e reformulados pontos de vista os ideais daqueles que os precederam.

Seguindo essa linha de raciocínio, todo pensamento criador foi, em seu nascedouro, a negação do vigente até então. Mas esse fator não conduz necessariamente a um progresso contínuo e linear. É o que nos diz o autor nessa passagem: "Qualquer conhecimento inicia sendo negação." E isso não é exclusivo da Filosofia, pois ocorre em toda a ciência. A filosofia no Brasil é carente de senso crítico. Segundo o autor, é um erro considerar a filosofia um saber desinteressado, uma vez que, em princípio, todo conhecimento é interessado.

Todo estudioso, sendo filósofo ou não, é dito "moderno" quando leva a efeito o ato de destruir e ao mesmo tempo criar; porém é considerado moderno no seu respectivo tempo e lugar, isto é, na ocasião e no contexto histórico em que esse processo ocorreu. Para os séculos posteriores, após a consolidação e fertilidade do novo paradigma, essas idéias também serão suprimidas e substituídas por outras, razão pela qual posteriormente será considerado clássico.

O primeiro movimento filosófico ocorrido no Brasil iniciou-se nos anos 30 e perdurou até a década de 70 - foi o chamado ecletismo. Resumidamente, significa uma justaposição de idéias. Sua principal característica é a conciliação das idéias harmônicas de diferentes teses, com a conseqüente supressão do que for dissonante entre elas. Funciona mais ou menos como um recorte, já que se pega emprestado de cada teoria filosófica o que ela tem de mais coerente e elimina-se o que for divergente. Desse modo, pensou-se poder encontrar a verdade pela incursão entre as diferentes teorias filosóficas existentes.

O autor percebe que o ecletismo tem a desvantagem de, pelo fato de ater-se somente ao que é "bom" em cada escola e conciliar as respectivas teses, elimina-se o senso crítico - fundamental em se tratando de filosofia. Assim, o ecletismo como principal tese filosófica brasileira é o que impediu o despertar de um movimento filosófico tipicamente brasileiro, posto que no ecletismo não há a assunção de um ponto de vista original e nem a personalização das idéias; há apenas a extração do que poder ser útil entre as diversas reflexões estrangeiras já existentes.

No Brasil vigora também um outro mito que necessita ser desmentido: o da imparcialidade. Somos pretensamente imparciais porque extraímos de cada tese o "melhor". Porém, tal afirmação é falsa na medida em que, para se poder "extrair" algo, necessário se faz que haja uma seletividade, o que, por sua vez, exige um critério de escolha, qualquer que seja ele. Esse fato, por si só, já nos revela a falácia da afirmação acerca da nossa imparcialidade.

Para se determinar o que seja o "melhor", imprescindível que se tenha um ponto de vista prévio, uma inclinação anterior, uma preferência pré-determinada, enfim, exige-se que se aponte e se escolha o que seja esse "melhor"; impossível não ter de tomar uma posição, adotar um critério, o que por conseqüência conduz à parcialidade.

A partir do momento em que há uma escolha, há necessariamente uma tomada de posição determinada por um critério a piori, ou seja, traços típicos de parcialidade. Nesse sentido, o autor é claro e objetivo ao dizer que: "se no ecletismo se fizer presente algum critério, deixa de ser ecletismo, passando a ser uma posição caracterizada pelo critério existente".

A ausência de senso crítico, a opção por evitar as oposições e tentar dissolvê-las, ao invés de enfrentá-las, é a causa principal do pragmatismo exagerado presente na escola eclética. O autor conclui que é necessária uma tomada de posição, sem a qual não teremos a mínima condição de iniciar um pensamento filosófico brasileiro, e não ficamos ocupados de apenas tecer uma colcha de retalhos de pensamentos filosóficos estrangeiros. Não devemos ficar atados à nossa pretensa imparcialidade, até porque toda tomada de decisão, em certo sentido, é parcial.

Além da ausência de senso crítico ? conseqüência do ecletismo ? o que também impede seja desenvolvida no Brasil uma filosofia própria é a resistência em desligar-se da cultura européia. É muita insegurança de começar algo novo. Enquanto estivermos sob o estigma de procurar aprovação estrangeira sobre o que produzimos filosoficamente, o autor é enfático: "Filosofia, entre-nós, não seria feita."

Da nossa pretensa imparcialidade e da nossa não radicalização surge um elemento bem característico do povo brasileiro: a capacidade de "dar um jeito". Um país que não possui em seu povo o espírito conciliador não consegue uma maneira habilidosa de resolver os problemas, e o faz por meio de guerras e conflitos. Mas não é o caso do Brasil, até mesmo porque quando se toma uma posição e se envolve em conflitos, seja na área política, religiosa, filosófica etc, perde-se a imparcialidade, isto é, assume-se uma posição.

Essa característica de "jeitinho brasileiro" acarreta a falta de senso crítico e conformismo que infelizmente é tão marcante no nosso país, tendo sua conotação negativa no sentido que nos diz o autor, "à custa de sempre dissolvermos oposições, acabamos sem qualquer posição."

Em nosso país, é necessário admitir que os formadores de opinião sempre foram as elites, uma vez que não é o povo quem exerce o comando político e intelectual no Brasil. Esses formadores de opinião apegam-se demasiadamente ao vigente na Europa e fecham os olhos à realidade brasileira, não tendo identidade com o que está à sua volta. O resultado é a inevitável tentativa mal sucedida de aplicação dos modelos político, econômico e educacional totalmente estranhos à nossa realidade e nossas urgências.

Infelizmente, no Brasil a filosofia ainda não teve sucesso no cumprimento de sua missão primeira: instigar a consciência crítica. O jeito brasileiro, a opção por dissolver as oposições e exaltar somente o que é harmônico entre as diversas teorias, ao invés de enfrentar as diferenças de forma crítica (características típicas do ecletismo) fizeram com que ficássemos muito conciliadores e passivos. Dessa postura decorre inevitavelmente o conformismo do qual padecemos, o que impede, de resto, a possibilidade de um pensamento filosófico próprio tupiniquim.

Conforme visto acima, é característico do povo brasileiro o "dar um jeito". Esse comportamento leva a um outro tipo de particularidade bem nossa: a tolerância e a aceitação. A tolerância aqui mencionada é a referente às obras estrangeiras, pois seus autores são considerados "mais cultos" quando comparados aos nacionais.

Dotados desse espírito tolerante e apaziguador, não raro ocorre entre os pensadores brasileiros a estranha conciliação entre as mais diferentes teorias, uma verdadeira ?sopa de letrinhas?. Um dos problemas verificados nessa prática é que, conforme diz o autor, "a atitude conservadora é ausente de critérios (...)".

Ao conciliar teses opostas ? traço da tolerância que nos é característica ? o que se reforça é, em verdade, suprimir as oposições, dando lugar assim ao que o autor chama de "Razão Conciliadora". E como essa prática é desprovida de critérios críticos, cria-se variados modismos e o surgimento de novos "ismos" de tempos em tempos, agregadores de seguidores que nem sabem exatamente o que significam, mas que, para mostrarem que são atuais, têm de aderir ao último "ismo" em voga, dando origem a um pitoresco cosmopolitismo.

O mais lamentável é que as recentes modas de correntes filosóficas nada tem a ver com a realidade brasileira, com as nossas urgências e necessidades. Nisso o autor lamenta ao escrever: "A literatura de um escritor estrangeiro, a predileção por um livro de fora vem decidir a natureza das opiniões de um ator entre-nós." Assim, o intelectual tupiniquim quer ser reconhecido pelo que não é, uma vez que acha desprezível e desagradável a realidade que o circunda.

Pior do que promover a conciliação prescindindo-se de qualquer critério crítico, as divergências que escapam à possibilidade de conciliação simplesmente são suprimidas da literatura filosófica, tornando-se assunto sem lugar. Os problemas sem solução, quando surgem, simplesmente ?somem? do questionamento filosófico. Exemplificando: alguém, verificando que não tem condições de enfrentar o problema, começa a ignorá-lo e fingir que ele não existe.

No Brasil, existe sim o estudo de Filosofia. Ela existe entre-nós, pois é inegável o trabalho das universidades e estudiosos nacionais nesse campo do conhecimento. Porém, não há que se falar em uma filosofia originariamente nossa, uma vez que, conforme dito anteriormente, o que nos limitamos a fazer é apenas conciliar o que já existe e, enquanto tal, impossível a criação de um pensamento brasileiro. Nesse sentido, valendo-se das palavras de Luís Washington Vita, conclui-se que a contribuição nacional no campo da Filosofia é mais assimilativa do que criativa.

Assimila-se o que vem de fora, mas jamais se cria algum pensamento nacional próprio. A esse fato soma-se outro: a dependência não somente econômica, mas também cultural. Enquanto apenas somos consumidores de teses estrangeiras e não criamos nada de original, implicitamente assumimos a nossa condição de colonizados intelectualmente. Lamentavelmente, no Brasil, a dependência cultural, assim como a econômica, são vistas com muita naturalidade.

O que muitos pensadores tupiniquins esquecem é que, no ato de assimilar teorias tradicionais, deve-se entender o respectivo contexto histórico em que a obra objeto de estudo foi escrita, o qual, diga-se, é sempre diverso daquele em que o nosso país está inserido. O autor é bem claro na seguinte passagem: "(...) idéias vitais para um europeu ou norte-americano poderão ser aqui meros ornamentos intelectuais." Devemos ter em mente que livros de Filosofia escritos por brasileiros não pressupõem que há realmente latente uma Filosofia original brasileira.

Para que possamos considerar que há Filosofia propriamente brasileira, é necessário alguns questionamentos, tais como: qual será a sua linguagem, sua metodologia, suas condições? O simples querer não basta para responder às questões que se nos colocam quando pretendemos criar uma tese. Nesse quesito, filiar-se ao que está pronto (o pensamento europeu) é, sem dúvida, mais cômodo do que despojar-se da nossa alienação cultural e dar vida a um pensamento original.

Em certo momento de sua obra, o autor dá conta da existência daqueles intelectuais que tentam de algum modo justificar a ausência de Filosofia brasileira, e as duas principais causas seriam: a) não ser próprio ao espírito brasileiro, e dos latinos em geral, a preocupação com o estudo de Filosofia e; b) a língua portuguesa seria desprovida de termos filosóficos necessários ao estudo e compreensão adequados de tal disciplina, abstrata.

O primeiro motivo é combatido ao analisarmos que nenhum povo simplesmente "herdou" um legado filosófico. O que fizeram foi apropriar-se do passado, como ocorreu com os alemães. E veja-se o caso da Grécia, pois lá é onde a Filosofia encontra suas origens, o que pressupõe a inexistência de uma herança filosófica da qual os gregos teriam se aproveitado. Aqui o autor é categórico ao proclamar: "(...) não podemos, mecanicamente, justificar a ausência de filosofia no Brasil pelo fato de não termos contado com uma boa influência de Portugal".

Quanto à segunda causa, a questão da língua, discordamos totalmente que o português seja um entrave ao entendimento dos "temas elevados" objetos da Filosofia. As dificuldades de tradução se devem ao fato de que um termo alemão, francês ou inglês, reflete uma situação específica e contextualizada, que significa um determinado momento histórico daquele lugar em que foi escrito.

Daí se compreende a existência de expressões naturalmente intraduzíveis, eis que foram criadas num determinado contexto e são, por isso mesmo, originais em seus respectivos tempos e lugares. É impossível transplantar situações concretas. Para se traduzir os termos, faz-se necessário entender corretamente o contexto.

O equívoco consiste no fato de que uma língua é própria do povo onde é falada, exprime situações próprias daquela população específica, e não alheias. Assim, palavras e expressões existentes no português não conseguem ser traduzidas literalmente e adequadamente para as demais línguas e vice-versa, o que não desmerece nenhum dos idiomas. Não há justificativa suficiente para afirmar que nossa língua pátria é inferior quanto às possibilidades de criar linguagem filosófica.

Se conhecermos o contexto original no qual a expressão foi usada, com a sua respectiva urgência, encontraremos a palavra adequada e equivalente no idioma nacional. Intérpretes modernos são unânimes em afirmar que o mais importante, em se tratando de versar um texto de uma língua para outra, é preservar o contexto e a comunicação corretos, e a tradução literal é um fator secundário.

O intelectual brasileiro gosta da linguagem rebuscada, das frases de efeito, de citações em língua estrangeira, embora isso não seja sinônimo de inteligência. Se for esperto e souber improvisar, ainda melhor, afinal estamos no país da malandragem. Nesse sentido, diz o autor, somos "um povo fascinado pela Razão Ornamental e em busca de seus mais prezados arquétipos."

O autor faz a distinção entre os termos de ?originalidade? e ?novidade?. Original é o que se refere às origens, ao início de um pensamento; a novidade é um acidente ou uma modificação do que já existe. Algo pode ser novo sem ser original.

O brasileiro quer ser culto por conhecer as discussões filosóficas européias, porém esquece-se de valorizar sua própria cultura. Isso, por si só, revela a total submissão à tradição estrangeira, filiando-se freneticamente às novidades de fora e ao último "ismo" surgido. Citando Álvaro Lins, em vez de ficarmos eternamente deslumbrados com as teses estrangeiras, se nos voltarmos para a nossa própria cultura, seremos capazes de criar um pensamento original. A partir daí o reconhecimento e a seriedade do trabalho será questão de tempo.

Não se pretende neste trabalho descobrir ou mostrar o caminho que conduz à Verdade ? questão corrente na Filosofia ? e sim questionar se no Brasil é possível o estudo inicial de um pensamento que tenha tal pretensão, já que entre-nós, infelizmente, esbarramos com situações contrárias à atitude crítica: o ecletismo, o jeitinho, a fascinação pelo que vem de fora e o desprezo do que é nosso. Enfim, nossa lamentável tendência à Razão Ornamental.

Oswald de Andrade talvez tenha sido um dos que tentaram inaugurar um pensamento típico tupiniquim, e o fez através do sarcasmo. Segundo o autor, Oswald tentou construir um discurso segundo o que realmente somos, ligados à nossa realidade e não alienado à teses estrangeiras que aqui só tem serventia de ornamentação. Contudo, Oswald de Andrade foi relegado, pois que, conforme os "homens cultos e sérios", filosofia e humor satírico são temas inconciliáveis.

No Brasil, ocorreu ainda no passado um desdobramento do ecletismo (corrente que era dominante no Brasil) e deu origem à outra espécie de posicionamento filosófico entre os estudiosos: o Positivismo. O Positivismo significa legitimar o que está vigente, concordar e dizer sim ao já existente e posto. E esse fenômeno só ocorreu no interesse das classes dominantes.

Verifica-se, pela análise da produção filosófica compreendida entre o final do século XIX e inicio do século XX, a influência das duas correntes: o ecletismo e o positivismo. Até mesmo outras manifestações de pensamento que aqui chegaram nessa época foram absorvidas, ou ofuscadas, por essas duas vertentes.

O Ecletismo, por ser ausente de critérios críticos, simplesmente optou por acolher o que estava em voga, pela simples aceitação, pelo sim. Daí surgiu o Positivismo. O positivismo padece do mesmo erro do ecletismo: ser pobre de senso crítico em suas formulações. Enquanto o Positivismo aceita o pensamento vigente sem questioná-lo, o Ecletismo concilia as diversas teses e ignora os antagonismos entre elas.

O Positivismo ganhou espaço entre-nós em razão principalmente do vazio cultural do qual padecemos. Sylvio Romero notou que o positivismo só vingou e teve condições de continuidade no Brasil porque se instalou nos grupos dominantes no período da instalação da República, tendo um papel relevante na transição do governo monárquico para o republicano no final do século XIX. E os filiados ao pensamento positivista passaram a exercer forte influência no inicio da República.
Pode-se dizer que os militares assumiram o poder ao implantar a República, e os positivistas deram a legitimidade e o arcabouço ideológico para justificá-lo. Militarismo e Positivismo se uniram na formação da República e, na analise da história e dos acontecimentos da época, se algum desses "partidos" tivesse prescindido do outro em apoio, ambos teriam fracassado em seus objetivos.


BIBLIOGRAFIA

GOMES, Roberto. Crítica da razão tupiniquim. Capítulo I a X. 12ª Ed. Curitiba-PR: Criar Edições, 2001, pp. 09/91.

Autor: Natalia Mafioletti Rodrigues


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